quarta-feira, janeiro 23, 2008
Mudar é muito mais difícil do que os consultores pensam.
O Jornal de Negócios de ontem, apresentou o artigo "Salários: Baixos, Desiguais... e Pesados no PIB", assinado por Miguel Frasquilho.
O referido artigo começa com um gráfico. O gráfico mais eloquente que encontrei nas últimas semanas!
É do senso comum que o salário médio português é baixo, pelos padrões dos países fundadores da zona euro.
O que o gráfico mostra, é como esses "magros" salários, apesar de magros, terem um peso enorme no PIB. Basta comparar as linhas do gráfico que correspondem a Portugal e aos outros países europeus.
Frasquilho explica a situação "Nesta matéria, a situação de Portugal é, assim, paradoxal: ao mesmo tempo que os salários dos portugueses são baixos face aos europeus, o seu peso na riqueza nacional é maior do que na Europa! Qual a explicação para este fenómeno? Em meu entender, tal sucede porque o nosso país é trabalho-intensivo – e, em média, bem mais que na UE-27. Ora, se o factor trabalho é mais intensivamente utilizado no processo produtivo em Portugal, outros factores, como o capital, são-no menos."
Já não posso concordar com o autor quando ele avança esta explicação: "E, sendo baixa a qualificação dos nossos recursos humanos (o que, está cientificamente provado, leva a uma menor produtividade – como, aliás, é sabido que sucede em Portugal), podemos concluir que utilizamos mais intensivamente do que os outros países o factor produtivo em que somos menos eficazes! O resultado, sem poder recorrer a políticas monetária e cambial como no passado, só podia ser o empobrecimento relativo do país (face aos outros) que estamos a atravessar – e que, infelizmente, parece estar para durar. " (em que somos menos eficazes???!!!)
Depois, o autor apresenta a sua receita para inverter a situação, e à cabeça vem um pouco de "rain dance": "na formação e qualificação dos recursos humanos " (sounds good, looks good, smells good, tastes good, makes you feel good... but has no impact on the bottomline).
O gráfico ilustra como os nossos produtos e serviços têm pouco valor acrescentado, o preço a que conseguimos vender os nossos produtos compensa o seu custo e pouco mais. Para que as empresas consigam arrecadar mais valor acrescentado, têm de aumentar a sua produtividade, e isso é tarefa dos gestores, não dos operários. Escolham uma função numa empresa, por exemplo uma costureira, um operador de um fermentador ou de um reactor, um comercial. Agora despeçam, ou transfiram a pessoa que executa essa função, e coloquem um doutorado motivado e treinado na função, a dar o seu melhor...
Quanto é que a produtividade vai crescer? Quanto valor acrescentado vai ser conseguido? Considerando a mensagem do gráfico que se segue...
... pouco ou nada. O operário que sai do vale do Ave e que no mês seguinte está no vale do Reno, do Mosela, ou do Danúbio. E com o mesmo nível de formação e qualificação, torna-se muito mais produtivo, porque produz bens com muito mais valor.
Em vez de nos concentrarmos nos custos, deviamos encarar o preço!
Mas como aumentar o preço? (O preço médio do calçado chinês que entra em Portugal é de 3 euros. O preço médio do calçado português exportado é de 18 euros. De certeza que não é por ter operários mais qualificados em termos de escolaridade!)
Passa por mudar o paradigma do negócio, começar a vender valor, e não minutos de mão-de-obra. Então, por que é que tão poucas empresas fazem essa mudança e vão aguardando o desfecho inexorável, agarradas ao paradigma que as beneficiou no passado?
Pensava que era uma doença portuguesa... mas não.
Há livros assim, livros que começamos a ler e que nos seduzem, livros que nos prendem e que sabemos que vamos ter de os voltar a ler uma e outra vez, tal a densidade de informação por metro quadrado de papel que encerram.
É o caso do livro que ando a ler actualmente “The Innovator’s solution – Creating and Sustaining Successful Growth” de Clayton Christensen e Michael Raynor.
O Capítulo VII “Is your organization capable of disruptive growth?” é admirável!!!
Muitas vezes reflicto e debato-me comigo mesmo, procurando uma justificação, para tentar perceber porque é que muitas empresas não conseguem mudar a agulha, mesmo quando o “barco está a arder”.
Esta passagem ajuda a por as coisas em perspectiva:
“As companies grow from a few employees to hundreds and thousands, the challenge of getting all employees to agree on what needs to be done and how it should be done so that the right jobs are done repeatedly and consistently can be daunting for even the best managers. Culture is a powerful management tool in these situations. Culture enables employees to act autonomously and causes them to act consistently.
Hence, the location of the most powerful factors that define the capabilities and disabilities of an organization migrates over time – from resources toward visible, conscious processes and values, and then toward culture. When the organization’s capabilities reside primarily in its people, changing to address new problems is relatively simple. But when the capabilities have come to reside in processes and values and especially when they have become embedded in culture, change can become extraordinarily difficult.”
Não se trata de gestores portugueses que não querem mudar... é o sistema que os impede de ver. É no fundo a materialização de uma das mensagens do artigo "Core Capabilities and Core Rigidities: A Paradox in Managing New Product Development", assinado por Dorothy Leonard-Barton , e publicado no Strategic Management Journal, Vol. 13, páginas 11-125 (1992):
"First, while core capabilities are traditionally treated as clusters of distinct technical systems, skills, and managerial systems, these dimensions of capabilities are deeply rooted in values, which constitute an often overlooked but critical fourth dimension. Second, traditional core capabilities have a down side that inhibits innovation, here called core rigidities.", ou: "Because core capabilities are a collection of knowledge sets, they are distributed and are being constantly enhanced from multiple sources. However, at the same time that they enable innovation, they hinder it. Therefore in their interaction with the development process, they cannot be managed as a single good (or bad) entity. They are not easy to change because they include a pervasive dimension of values, and as Weick points out, 'managers unwittingly collude' to avoid actions that challenge accepted modes of behavior."
Ou seja, os valores e os processos estão muito mais entranhados do que um outsider possa pensar à primeira vista.
O referido artigo começa com um gráfico. O gráfico mais eloquente que encontrei nas últimas semanas!
É do senso comum que o salário médio português é baixo, pelos padrões dos países fundadores da zona euro.
O que o gráfico mostra, é como esses "magros" salários, apesar de magros, terem um peso enorme no PIB. Basta comparar as linhas do gráfico que correspondem a Portugal e aos outros países europeus.
Frasquilho explica a situação "Nesta matéria, a situação de Portugal é, assim, paradoxal: ao mesmo tempo que os salários dos portugueses são baixos face aos europeus, o seu peso na riqueza nacional é maior do que na Europa! Qual a explicação para este fenómeno? Em meu entender, tal sucede porque o nosso país é trabalho-intensivo – e, em média, bem mais que na UE-27. Ora, se o factor trabalho é mais intensivamente utilizado no processo produtivo em Portugal, outros factores, como o capital, são-no menos."
Já não posso concordar com o autor quando ele avança esta explicação: "E, sendo baixa a qualificação dos nossos recursos humanos (o que, está cientificamente provado, leva a uma menor produtividade – como, aliás, é sabido que sucede em Portugal), podemos concluir que utilizamos mais intensivamente do que os outros países o factor produtivo em que somos menos eficazes! O resultado, sem poder recorrer a políticas monetária e cambial como no passado, só podia ser o empobrecimento relativo do país (face aos outros) que estamos a atravessar – e que, infelizmente, parece estar para durar. " (em que somos menos eficazes???!!!)
Depois, o autor apresenta a sua receita para inverter a situação, e à cabeça vem um pouco de "rain dance": "na formação e qualificação dos recursos humanos " (sounds good, looks good, smells good, tastes good, makes you feel good... but has no impact on the bottomline).
O gráfico ilustra como os nossos produtos e serviços têm pouco valor acrescentado, o preço a que conseguimos vender os nossos produtos compensa o seu custo e pouco mais. Para que as empresas consigam arrecadar mais valor acrescentado, têm de aumentar a sua produtividade, e isso é tarefa dos gestores, não dos operários. Escolham uma função numa empresa, por exemplo uma costureira, um operador de um fermentador ou de um reactor, um comercial. Agora despeçam, ou transfiram a pessoa que executa essa função, e coloquem um doutorado motivado e treinado na função, a dar o seu melhor...
Quanto é que a produtividade vai crescer? Quanto valor acrescentado vai ser conseguido? Considerando a mensagem do gráfico que se segue...
... pouco ou nada. O operário que sai do vale do Ave e que no mês seguinte está no vale do Reno, do Mosela, ou do Danúbio. E com o mesmo nível de formação e qualificação, torna-se muito mais produtivo, porque produz bens com muito mais valor.
Em vez de nos concentrarmos nos custos, deviamos encarar o preço!
Mas como aumentar o preço? (O preço médio do calçado chinês que entra em Portugal é de 3 euros. O preço médio do calçado português exportado é de 18 euros. De certeza que não é por ter operários mais qualificados em termos de escolaridade!)
Passa por mudar o paradigma do negócio, começar a vender valor, e não minutos de mão-de-obra. Então, por que é que tão poucas empresas fazem essa mudança e vão aguardando o desfecho inexorável, agarradas ao paradigma que as beneficiou no passado?
Pensava que era uma doença portuguesa... mas não.
Há livros assim, livros que começamos a ler e que nos seduzem, livros que nos prendem e que sabemos que vamos ter de os voltar a ler uma e outra vez, tal a densidade de informação por metro quadrado de papel que encerram.
É o caso do livro que ando a ler actualmente “The Innovator’s solution – Creating and Sustaining Successful Growth” de Clayton Christensen e Michael Raynor.
O Capítulo VII “Is your organization capable of disruptive growth?” é admirável!!!
Muitas vezes reflicto e debato-me comigo mesmo, procurando uma justificação, para tentar perceber porque é que muitas empresas não conseguem mudar a agulha, mesmo quando o “barco está a arder”.
Esta passagem ajuda a por as coisas em perspectiva:
“As companies grow from a few employees to hundreds and thousands, the challenge of getting all employees to agree on what needs to be done and how it should be done so that the right jobs are done repeatedly and consistently can be daunting for even the best managers. Culture is a powerful management tool in these situations. Culture enables employees to act autonomously and causes them to act consistently.
Hence, the location of the most powerful factors that define the capabilities and disabilities of an organization migrates over time – from resources toward visible, conscious processes and values, and then toward culture. When the organization’s capabilities reside primarily in its people, changing to address new problems is relatively simple. But when the capabilities have come to reside in processes and values and especially when they have become embedded in culture, change can become extraordinarily difficult.”
Não se trata de gestores portugueses que não querem mudar... é o sistema que os impede de ver. É no fundo a materialização de uma das mensagens do artigo "Core Capabilities and Core Rigidities: A Paradox in Managing New Product Development", assinado por Dorothy Leonard-Barton , e publicado no Strategic Management Journal, Vol. 13, páginas 11-125 (1992):
"First, while core capabilities are traditionally treated as clusters of distinct technical systems, skills, and managerial systems, these dimensions of capabilities are deeply rooted in values, which constitute an often overlooked but critical fourth dimension. Second, traditional core capabilities have a down side that inhibits innovation, here called core rigidities.", ou: "Because core capabilities are a collection of knowledge sets, they are distributed and are being constantly enhanced from multiple sources. However, at the same time that they enable innovation, they hinder it. Therefore in their interaction with the development process, they cannot be managed as a single good (or bad) entity. They are not easy to change because they include a pervasive dimension of values, and as Weick points out, 'managers unwittingly collude' to avoid actions that challenge accepted modes of behavior."
Ou seja, os valores e os processos estão muito mais entranhados do que um outsider possa pensar à primeira vista.
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2 comentários:
No gráfico o eixo vertical não começa em zero. Dá um efeito enganador.
vindo de quem vem (Frasquilho) não é de admirar; é comum deitar a perder os seus bons insights com politiquices....
mas isso nao impede a boa leitura do gráfico (não somos nabos) nem do comentário
parabens
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