Por que apareceu o Balanced Scorecard?
Julgo que para responder a esta pergunta temos primeiro de perceber o século XX.
Há quem diga que o século XX em termos económicos começou em Outubro de 1913 com a abertura da primeira
linha de montagem da Ford.
"A 7 de Outubro de 1913, a produção do modelo que se viria a tornar o clássico dos clássicos mudou para Highland Park."
O fundador da Ford dizia que o cliente podia escolher a cor do carro desde que fosse preta, mas mais, não era qualquer preto, tinha de ser
Japan Black, porque era a cor que secava mais depressa.
"it was the ability of japan black to dry quickly that made it a favorite of early mass-produced automobiles such as Henry Ford's Model T. The Ford company's reliance on japan black led Henry Ford to quip "Any customer can have a car painted any colour that he wants so long as it is black".
While other colors were available for automotive finishes, early colored variants of automotive lacquers could take up to 14 days to cure, whereas japan black would cure in 48 hours or less."
O século XX, em termos económicos, foi um tempo em que a procura era superior à oferta.
E quando a procura é superior à oferta quem manda é quem produz. Quem produz é que estabelece o que se produz, o que se coloca no mercado e com que especificações. Neste tipo de universo competitivo o factor crítico de sucesso é o preço. Por isso, faz-se tudo para ser
eficiente, para aumentar a cadência de produção, para reduzir os custos unitários.
- "economics of scale;
- large, physically and temporally concentrated production facilities;
- long production runs;
- mass markets;
- task specialisation; and
- standardisation."
Um dos maiores inimigos da eficiência é a variedade, porque se querem "long production runs". O século XX não queria variedade, queria blockbusters, queria big sellers, queria quota de mercado. E os clientes?
Os clientes aceitavam trocar variedade por uniformidade porque assim conseguiam ter acesso a bens a um preço mais baixo. Seth Godin usa metáfora admirável para retratar este mundo. O mundo em que os produtores tratam os consumidores como
plancton, uma massa indistinta e homogénea, sem quereres individuais.
Quando o negócio é preço, quando o negócio é ditado pela eficiência, quando tudo o que se produz tem saída, então chega olhar para dentro, chega medir o desempenho com base em resultados financeiros. Por isso, chamo ao modelo económico do século XX de Magnitogorsk ou de Levittown.
A cidade de Magnitogorsk na URSS foi reconstruída durante o estalinismo:
"In Magnitogorsk, there were two types of apartment, named ‘A’ and ‘B’. They were the city’s sole concession to variety."
Li algures que a diferença entre o tipo A e o tipo B residia na cor dos candeeiros, branca ou laranja. Não se pense que as Magnitogorsk eram um apanágio do mundo comunista. Não, eram uma consequência de um modelo industrialista baseado na produção em massa e com pouco ou nenhum cuidado com o que os utilizadores pretendiam ou valorizavam. Os Estados Unidos também tinham a sua versão, as
Levittown:
"In July 1947, on potato fields 20 miles from Manhattan, William Levitt pioneered the mass production of affordable homes. Variations in the 17,477 houses were minor; each had two bedrooms, a bath, living room and kitchen on a 750-square-foot concrete slab. By standardizing the units, Levitt eventually was able to put up more than two dozen a day, helping fill the enormous postwar demand. Over the years, innumerable changes to the homes have transformed the community. But even now, Levittown remains a kind of shorthand for the sameness of mass production that’s starting to give way to mass customization."
À medida que o século XX foi avançando, o desequilíbrio entre a oferta e a procura foi-se reduzindo até que se passou para o outro lado: a oferta passou a ser superior à procura.
Quando isto acontece ocorre um verdadeiro choque epistemológico. Não basta produzir, o poder passa para quem compra não para quem produz. E isso muda tudo. De que serve ser muito eficiente se o produto não sai do armazém?
Quanto mais o desequilíbrio se acentuava, mais poder passava para o comprador, mais o produtor tinha de descer do pedestal e procurar seduzir o comprador. Assim, começou a vir à superfície a insuficiência dos indicadores financeiros como indicadores únicos para gerir uma organização.
Sejamos claros, eles continuavam a ser cruciais, mas já não chegavam. Além disso, indicadores financeiros são indicadores de resultados, são indicadores de consequências, em boa verdade já não permitem agir em tempo útil. O juiz já deu o veredicto. Gerir exclusivamente com base em indicadores financeiros é como conduzir uma viatura para a frente mas olhando exclusivamente para o espelho retrovisor.
Numa economia com pouca incerteza, lenta e em que a eficiência é o fundamental não há grande problema, mas quando a supremacia da eficiência é posta em causa vêm ao de cima as falhas do modelo de monitorização e decisão baseado na vertente financeira.
Recordo o impacte económico dos produtos japoneses na economia americana, algo que acelerou o poder dos compradores face aos produtores/fabricantes:
Era algo que estava em curso, mas que a "invasão japonesa" acelerou de forma brutal.
Assim, quem pesquisar as revistas de gestão dos anos 80 do século passado encontrará vários artigos e discussões sobre a "falência" dos indicadores financeiros como meios de gestão de uma organização.
Por exemplo, o artigo “Managing Our Way to Economic Decline”, HBR (Jul-Ago. 1980) de William Abernathy e Robert Hayes, pode ser resumido em "American companies live by the numbers, are dying by the numbers"
Por exemplo:
- R. Kaplan “Yesterday’s accounting undermines production”, (HBR, Jul.-Ago. 1984)
- R. Kaplan “One Cost System is not Enough”, (HBR, Jan.-Fev. 1988)
- T. Johnson, e R. Kaplan. “Relevance Lost: The Rise and Fall of Management Accounting”, (Management Accounting; Jan 1987)
Neste último artigo pode ler-se:
"As bases racionais dos sistemas de contabilidade de gestão, na maioria das organizações actuais ficaram ultrapassadas com as tendências contemporâneas de competição global, a revolução na organização e tecnologia de fabrico e a desregulamentação"
É por esta altura que começam a ganhar popularidade as ideias em torno da medição da satisfação dos clientes e mesmo da medição da satisfação dos trabalhadores.
E é neste contexto de aumento da concorrência, de aumento da variedade, do crescente poder de escolha dos clientes e consumidores que surge o BSC, uma ferramenta que apareceu como uma resposta natural a um problema: a crescente complexidade e variedade do mundo económico, tinha tornado os indicadores financeiros insuficientes para lidar com um mundo mais incerto, mais rápido, e com muitas variantes, com muitas mais estratégias.
Gosto de usar a imagem de uma paisagem que se vai enrugando ao longo do tempo para ilustrar o que acontece no mundo económico à medida que abandonamos o paradigma do século XX:
Enquanto o século XX podia ser representado por uma paisagem com um único pico, e quanto mais se subia no pico mais retorno tinham as organizações. E todas procuravam o mesmo, subir o mais alto possível e o mais rápidamente possíverl ao topo do mesmo pico. Quem subir mais rápido vai tendo vantagem competitiva sobre os restantes, dado o mecanismo virtuoso do efeito da escala num cenário regido pela eficiência. Já a economia do século XXI, vai-se enrugando progressivamente e gerando cada vez mais picos. Cada vez mais empresas, apesar de parecerem estar a operar num mesmo sector económico, não concorrem entre si, porque especializaram-se a servir diferentes tipos de clientes em diferentes circunstâncias. Uma das frases que repito com frequência é a de que a economia é uma continuação da biologia. E a biologia dá-nos grandes lições que podem ser transpostas para a economia. Uma das estórias que mais gosto de contar é a do estudante de doutoramento Robert MacArthur que descobriu que cinco espécies diferentes de toutinegra conseguiam alimentar-se numa mesma árvore sem competirem entre si, cada espécie alimentava-se numa zona diferente:
Um exemplo do que o biólogo russo G. Gause, publicou em 1934 no livro “A luta pela existência”, onde relatava as conclusões de um conjunto de experiências que realizou com paramécias e de onde cito o principio da competição exclusiva:
“Duas espécies não podem coexistir indefinidamente se se alimentarem do mesmo tipo de nutriente escasso."
Fazendo o paralelismo para as organizações; num mundo em explosão de variedade, as empresas não podem ser geridas da mesmo forma. Diferentes "espécies" servem diferentes tipos de clientes. Por isso, precisam de ser geridas de forma diferente. Por isso, olhar apenas para os indicadores de consequências, os indicadores financeiros, é insuficiente.
A seguir, "Como evoluiu o BSC? (II)".