Defendo aqui há muitos anos que a tríade de académicos, comentadores económicos e políticos, está errada. Apesar dos muitos décibeis com que brande o slogan de que o euro é a causa de todos os males da economia portuguesa, continua errada. Defendo aqui há muitos anos que o
principal culpado foi a China e não o euro.
É possível imaginar a quantidade de tempo e dinheiro gasto a combater esse alvo errado.
Agora surge outra cena semelhante, parece-me. Turismo e gentrificação.
Primeiro um esquema simples. A liberalização do turismo ocorrida nos anos da troika, (recordo que em 2007 o Estado até definia o
tamanho dos quartos) e a ajuda jihadista, a semear insegurança um pouco por todo o anel mediterrâneo, criaram uma oferta crescente de opções para os turistas que queriam visitar Portugal (recordo que em 2014 ainda havia quem quisesse voltar ao tempo em que o BES controlava a economia - um hoteleiro a querer
limitar o número de hotéis na capital, uma atitude tão portuguesa... são as nossas so-called elites).
Liberalização, jihadismo, alojamento local e turismo tradicional concertaram-se para acomodarem mais procura por turistas. Mais procura, gerou ainda mais oferta, que permitiu mais procura.
Esse ciclo de mais procura que gera mais oferta, que gera mais procura levou a isto:
Um aumento do valor percebido para os imóveis o que fez dinamizar o mercado imobiliário e o mercado da reconstrução.
Aumento do número de turistas e do imobiliário dinamizou o mercado do comércio e o do alojamento e restauração.
Cada um daqueles pontos azuis no esquema representam um contributo para quatro dos cinco sectores onde o desemprego mais caiu, em números absolutos, nos últimos dois anos (construção, imobiliário, comércio, alojamento e restauração. O quinto, que é o quarto em valor absoluto, é, infelizmente, o emprego no sector público)
Se ninguém interferir neste sistema ele há-de atingir um equilíbrio limitado pela experiência dos turistas. Enquanto a experiência dos turistas for maioritariamente positiva a divulgação entre amigos e redes sociais, o buzz, continuará a atrair turistas até que se chegue ao ponto:
É um sítio tão popular que já ninguém vai lá!
Entretanto, a tríade intervencionista agora arranjou um novo brinquedo para exercitar a sua tara pela indignação e paixão pelo controlo: o ataque ao excesso de turismo. Como neste naco de prosa de ontem, "
Turismo, a galinha dos ovos de ouro?".
Desde há décadas que ninguém quer viver no centro das cidades grandes em Portugal, desde há décadas que elas perdem habitantes, desde há décadas que elas se vão degradando e desertificando a ponto de ser um risco circular por lá à noite. Viver na cidade velha não era cool.
Agora, esqueçam o turismo por uns momentos. Agora, um pouco por todo o lado vive-se um tempo novo. Richard Florida proclama-o há anos. Neste artigo recente, "
Why America’s Great Cities Are Becoming More Economically Segregated":
"The news for cities since this upper-middle class emerged is not good, Florida says. Some cities, like New York and San Francisco, are doing so well that everyone wants to be there. He writes that “by moving back to the urban core, affluent whites are able to simultaneously reduce their commutes, locate near high-paying economic opportunities and gain privileged access to the better amenities that come from urban living” like parks and restaurants. Gentrification of poorer and middle-class neighborhoods on the part of middle-class black people is a similar phenomenon."
Recordo reunião há 2/3 anos com empresa informática com cerca de 60 pessoas numa rua no Porto burguês do século XIX. Fachada restaurada por fora e interior renovado.
Sinto que os indignados de turno estão outra vez a apontar ao alvo errado. A coberto de uma suposta solidariedade com os habitantes "autóctones" do centro das cidades atacam o turismo. No entanto, a corrente é bem mais profunda, o centro voltou a ser cool e se não for o turismo serão outros a ocupar os espaços, não os "autóctones".