Parte I.
Como é que uma empresa que quer subir na escala de valor, apresentando-se como especialista, vê o mundo?
No caso de uma empresa que trabalha B2B usei esta figura para ilustrar a sua situação:
Uma empresa que aspira a ser especialista, aspira a deixar de ser vista como um produtor de produtos, e pretende passar a ser vista como um fornecedor de conhecimento. Uma empresa que embebe conhecimento nos produtos que entrega (daí a imagem do camião que leva produto a granel com código binário, metáfora para o conhecimento que carrega).
Um comercial da empresa quando aborda um cliente não vende produtos, vende conhecimento. Quando um comercial da empresa interage com um cliente não começa nem pelos produtos nem pelos preços, começa pelos resultados que o cliente procura para o seu negócio.
Os clientes não são todos iguais. Por causa do tipo de produtos que produzem e vendem, por causa do conhecimento maior ou menor que têm, por causa do tipo de clientes que têm, por causa da forma como encaram a vida e o mundo dos negócios, os clientes não olham para a oferta da empresa da mesma forma. Podemos criar um gráfico onde procuramos localizar a situação em que se encontra cada um dos clientes actuais ou potenciais:
No eixo das abcissas medimos a maior ou menor importância que o cliente dá ao papel da oferta actual da empresa ou da concorrência.
No eixo das ordenadas medimos a maior ou menor satisfação que o cliente sente com a oferta actual da empresa ou da concorrência.
A título de exemplo consideremos quatro clientes actuais ou potenciais:
O Cliente A está medianamente satisfeito com a oferta que tem, mas não lhe dá muita importância.
O Cliente B está medianamente satisfeito com a oferta que tem, mas também lhe dá uma importância mediana.
O Cliente C está insatisfeito com a oferta que tem, e ao mesmo tempo dá-lhe muita importância.
O Cliente D está satisfeito com a oferta que tem, e ao mesmo tempo dá-lhe muita importância.
Podemos dividir os clientes em três grupos:
Generalizando:
Os clientes sobre-servidos são aqueles que estão satisfeitos com o que têm e até estão a receber mais do que precisam. É nestas situações que vulgarmente se fala de disrupção. Por exemplo, os clientes das companhias aéreas low-cost abdicam de toda uma série de mordomias para poderem em contrapartida usufruir de uma viagem rápida e barata. Por exemplo, o Cliente A se pertencesse à concorrência podia ser aliciado com uma oferta mais básica e mais barata.
Os clientes equilibrados são aqueles que recebem em função do que pagam, têm uma situação equilibrada. Por exemplo, os Clientes B e D se pertencessem à concorrência podiam ser aliciados basicamente por uma oferta equivalente, mas mais barata.
Os clientes sub-servidos são aqueles que estão insatisfeitos com o que têm. A oferta actual é insuficiente, não está à altura das expectativas e da importância que lhe dão. O Cliente C se pertencesse à concorrência podia ser aliciado com uma oferta superior tecnicamente, mesmo a um preço superior.
Na primeira figura lá em cima represento o cliente desta maneira:
Aquelas metafóricas rodas dentadas têm um significado.
O cliente recebe os inputs, operand resources, recursos que requerem que
acções sobre eles sejam realizadas para que o valor possa emergir na vida do cliente. Essas
acções serão tanto ou mais preciosas quanto os operant resources que o cliente dispõe, conhecimentos e habilidades, para actuar sobre os operand resources.
Há uma grande diferença entre os operand resources e os operant resources.
Os operand resources são usados pelo cliente e gastam-se, o cliente tem de os voltar a comprar.
Os operant resources são usados pelo cliente e ficam a ser sua propriedade para poderem voltar a ser usados.
É inevitável que aconteça esta evolução entre cliente e fornecedor sempre que este transmita conhecimento:
Após um período de elevada gratidão inicial, em que o cliente reconhece que o novo conhecimento adquirido lhe permite atingir novos resultados, à medida que esse conhecimento deixa de ser "mistério" e evolui para uma heurística ou algoritmo:
À medida que esse conhecimento passa a ser integrado na vida do cliente, a gratidão vai sofrendo uma erosão:
Consideremos agora a situação de uma empresa com capacidade técnica, capaz de desenvolver novos produtos, realmente superiores. Como é que o conhecimento transmitido ao cliente se conjuga com os resultados obtidos
O conhecimento actual conjugado com o produto actual dá os resultados actuais - ponto de partida, a situação actual.
Muitas empresas lançam novos produtos no mercado, mas não acautelam a transmissão de conhecimento. Os resultados são um ponto de interrogação. Quanto mais o cliente tiver de processar o produto para atingir os resultados que deseja, mais difícil será atingir melhorias. Por vezes, como o conhecimento que dispõe não é compatível com as acções necessárias sobre o novo produto, os resultados até podem piorar.
Algumas empresas oferecem um produto semelhante ao da concorrência, mas apostam na transmissão de conhecimento que permite ao cliente melhorar o precessamento do produto e, consequentemente, a obtenção de resultados para o seu negócio. Isto também ocorre quando um comercial sem formação é substituído por um outro com mais conhecimento e mais capacidade de o transmitir.
Melhorias potencialmente importantes ocorrem quando uma empresa conjuga a transmissão de mais conhecimento com a oferta de um novo produto, com potencialidades superiores.
Onde é que isto nos leva?
Uma empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor:
- Tem de trabalhar com clientes sub-servidos, e nem todos os potenciais clientes estão neste campeonato. E há muitos bons negócios e clientes que não estão neste campeonato;
- Assim como tem de continuar a produzir produto: tem de continuamente procurar novo conhecimento que possa transmitir;
- Assim como tem de continuar a produzir produto: tem de continuamente procurar desenvolver novos produtos realmente inovadores.
A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor tem de se concentrar no mercado dos clientes tipo-C, os clientes sub-servidos. É com eles que se podem praticar as melhores margens, não porque eles sejam esbanjadores, mas porque são os que fazem contas e reconhecem o papel da oferta na melhoria dos seus resultados. Por isso, vêem o preço a mais que pagam como um investimento para melhorarem os seus resultados.
Acima escrevi:
Uma empresa que aspira a ser especialista, aspira a deixar de ser vista como um produtor de produtos, e pretende passar a ser vista como um fornecedor de conhecimento.
Se olharmos para o negócio dos clientes sub-servidos a partir do seu ponto de vista acerca do conhecimento podemos sistematizar as coisas desta forma:
No quadrante 1 estão as coisas que o cliente sabe que sabe.
No quadrante 2 estão as coisas que o cliente sabe, mas nem sabe que sabe.
O que nos interessa são os restantes quadrantes:
No quadrante 3 estão as coisas que o cliente sabe que não sabe. Por exemplo, um cliente que sabe que precisa de produzir mais depressa, que precisa de ser mais produtivo, que precisa de começar a produzir um novo produto, ou de operar um novo equipamento que exige diferentes matérias-primas, ou de atingir novos níveids de desempenho. O cliente tem um problema, tem um desafio, tem uma aspiração e precisa de conhecimento para passar para o próximo nível do jogo.
No quadrante 4 estão as coisas que o cliente não sabe que não sabe. Por exemplo, resultados de investigação científica, novos produtos, novos aditivos que permitem alargar, esticar a fronteira do que se julgava possível a nível do desempenho, a nível dos resultados para o negócio desses clientes.
A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor é a empresa que se concentra no mercado dos clientes tipo-C, os clientes sub-servidos e se concentra a desenvolver a imagem de que a empresa e os seus comerciais e técnicos são os melhores fornecedores para fornecer o conhecimento em falta:
A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor é a empresa que se oferece para ajudar a colmatar lacunas e a empresa que periodicamente comunica descobertas.
Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa não é o produto, o que interessa é o que o produto pode fazer pelo cliente. O cliente usa o produto nas suas operações, o cliente como que contrata o produto para que este lhe preste um serviço para melhor atingir os seus resultados. Em vez de se concentrarem no output da sua produção e no estrito cumprimento das especificações, as organizações (no caso de B2B) devem focar-se nos resultados do negócio dos seus clientes e na sua perspectiva.
Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa não é o produto, os produtos são copiáveis. Os comerciais e técnicos da empresa sabem que o que interessa é a interacção onde valor é co-criado:
Sempre que a interacção não for necessária é porque é não preciso transmitir conhecimento... e sem transmissão de conhecimento mais tarde ou mais cedo tudo é sugado para o quadrante da competição pelo preço:
A empresa que quer ser reconhecida como especialista e subir na escala de valor deve fazer uma reflexão, uma espécie de exame de consciência, estará preparada para ser um concorrente de eleição a servir este tipo de clientes sub-servidos?
Há uma frase que uso muitas vezes: os macacos não voam, os macacos trepam às árvores. Uma empresa que não tem algo no seu ADN para ser especialista, não deve enveredar por essa via. Afinal, a figura que se segue:
Típica dos livros de Gestão, não funciona para as PME. As PME têm de começar pelo fim, pelo que têm à mão, pelas suas vantagens competitivas.
Continua.