Mostrar mensagens com a etiqueta munchau. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta munchau. Mostrar todas as mensagens

domingo, março 02, 2025

O contexto a mudar

Interessante, o capítulo 5 de "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau, intitulado "Breaking the brake".

O brake é a chamada Schuldenbremse (freio da dívida), regra que limita severamente a capacidade do governo de contrair novas dívidas. Ele argumenta que essa restrição orçamental tem levado a uma falta crónica de investimentos públicos, prejudicando o crescimento económico e a competitividade da Alemanha a longo prazo. BTW, Münchau explora como a aplicação rígida do freio da dívida e outras políticas de austeridade contribuíram para a fragmentação política do país e a ascensão dos partidos populistas.

Entretanto no jornal The Times de ontem, no artigo "Merz prepares to move fast and break Germany's spending rules" pode ler-se:

"He [Moi ici: Merz] is also in a race against time to identify a way of paying for Germany's biggest rearmament in 70 years as the price for a seat at the head of the table. The scale of the task is colossal. If Germany is to reach Nato's new de facto benchmark and spend 3 per cent of its GDP on defence, it will need to find at least another €70 billion a year.

The cost of building enough military capacity for true independence from the US would be €615 billion, the Dezernat Zukunft think tank estimated. In parallel with the coalition talks, Merz is attacking the problem with a characteristically unorthodox gambit. His plan is to borrow as much as €200 billion through a mechanism known as a Sondervermögen (special fund). The pot of money would be kept off the regular balance sheet and so would not technically breach Germany's constitutional "debt brake" on government borrowing

...

Instead, he proposes to ram the change through the outgoing Bundestag, which has not yet been dissolved and can theoretically be kept on life support for about another three weeks. The SPD is expected to hold out for loosening the debt brake itself, which would open the doors for a splurge on schools, transport and green schemes. Here the party is in good company. The rule, which was written into the constitution in 2009 during the eurozone crisis, used to be an overwhelmingly popular symbol of German prudence, nicknamed the "black zero".

Debt brake reform is now championed by such unlikely figures as the president of Germany's central bank and Merkel, the chancellor who created the instrument in the first place.

A poll last month ago found 55 per cent of Germans, and the same proportion of CDU-CSU voters, wish to see the debt brake softened or abolished."

De acordo com o capítulo 3 do livro de Munchau nada garante que o dinheiro público não vai ser utilizado como soro para manter vivos os zombies do costume.

sábado, março 01, 2025

E depois ...


O capítulo 4 de "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau, intitulado "The China Syndrome" é sobre a evolução da relação entre a Alemanha e a China. A China foi de principal mercado a principal concorrente.

Entre 2005 e 2020, a Alemanha passou por um renascimento económico baseado na sua estratégia neo-mercantilista, onde a China desempenhou um papel fundamental como mercado para produtos industriais alemães, especialmente nos sectores automóvel e de engenharia.

Inicialmente, a China era vista como um mercado em expansão para bens e maquinaria alemã. No entanto, ao longo dos anos, a China não só comprou a tecnologia alemã, como também começou a desenvolver as suas próprias indústrias e, em alguns sectores, superou a Alemanha.

O comércio bilateral deixou de ser vantajoso para a Alemanha, pois a China passou de um grande consumidor de tecnologia alemã para uma competidora directa, especialmente nos sectores automóvel, solar e de manufactura.

Enquanto outros países estavam a diversificar os seus mercados, a Alemanha continuou a sua aposta na China, sem um plano de contingência para reduzir a sua vulnerabilidade a mudanças geopolíticas e à concorrência industrial chinesa.

E depois, ...

"En France, depuis la crise sanitaire, la filière automobile a perdu près de 40.000 emplois au cœur du tissu industriel de nos régions. Sur la même période, la Chine est devenue le premier producteur mondial, puis le premier exportateur mondial. En optant pour le tout-électrique dès 2035, Bruxelles a fait le choix d'une technologie unique dominée par nos concurrents chinois : un véhicule électrique sur quatre vendus en Europe est désormais importé de Chine."

quinta-feira, fevereiro 27, 2025

Um corporativismo estrutural

O capítulo 3 de "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau, intitulado "Low on Energy" é algo nojento.

O autor faz uma descrição bastante crítica e, diria até, repugnante da promiscuidade entre políticos e o sector empresarial na Alemanha. Ele descreve um sistema onde ex-políticos se tornam lobistas influentes, enquanto políticos no poder garantem favores a empresas que, mais tarde, retribuem com cargos e privilégios. (Escrevo isto e recordo as imagens na TV da passada quarta-feira em que um lobista defendia a manutenção da TAP nas mãos do estado)

Exemplos disso incluem:

  • Gerhard Schröder não apenas facilitou os acordos energéticos com a Rússia enquanto chanceler, mas logo após sair do cargo, tornou-se executivo da Nord Stream, financiada pela Gazprom. Ou seja, negociou a dependência energética alemã com Moscovo e depois foi recompensado com um cargo altamente lucrativo. 
  • Karl-Theodor zu Guttenberg, ex-ministro da Defesa, reinventou-se como lobista após um escândalo de plágio e chegou a interceder junto a Angela Merkel em favor da fraudulenta Wirecard, empresa que colapsou num dos maiores escândalos financeiros da Alemanha.
  • WestLB, Landesbanken e o cartel da Renânia do Norte-Vestfália: políticos e banqueiros entrelaçaram-se num esquema de suporte às indústrias tradicionais de carvão e aço, garantindo subsídios e protecção a negócios falidos por décadas, sem inovação real.

Münchau argumenta que esse sistema não é apenas uma questão de corrupção explícita, mas de um corporativismo estrutural, onde a política é vista como uma extensão do sector empresarial. Isso leva a políticas públicas viciadas, que protegem indústrias grandes e evitam mudanças estruturais necessárias. O colapso da Wirecard e os escândalos envolvendo bancos regionais (Landesbanken) mostram como essa cultura de conivência prejudicou a economia alemã, que hoje enfrenta um cenário de estagnação e crise.
Em resumo, a descrição de Münchau é nojenta no sentido de expor um sistema político completamente capturado por interesses privados, onde a "economia de mercado" é, na verdade, um jogo fechado entre velhos amigos que trocam favores - e o contribuinte alemão paga a conta.

Só um cheirinho:
"After he came to power, he would pull off another stunt, similar to that of Salzgitter. The following year, he personally intervened to stave off the looming bankruptcy of Holzmann, a large construction company based in Frankfurt. It was a big success. Workers of the company sang chants praising the chancellor. He did not just bang heads together. He used the state-owned KfW bank to provide a €150-million loan and a €100-million loan guarantee that served as an anchor for the financial packages with the various other banks used by the company. The banks would then chip in €200 million. That still was not enough because the company went bankrupt eventually, but it worked for Schröder politically, giving him a reputation for caring about jobs. I saw Schröder as an early populist. During the Holzmann crisis, he accused the creditor banks of 'thinking more about their business than securing the company and the jobs' - as though banks would ever do anything else."

terça-feira, fevereiro 25, 2025

Do cavalo ao carro eléctrico

Ontem, durante a caminhada matinal, tive a oportunidade de ler cerca de metade do segundo capítulo de  "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau. O título é "Neuland". Não, não é sobre a minha marca preferida de marcadores, é sobre a internet e o digital. Em 2013 Merkel terá chamado à internet de "Neuland" como nós na Idade Média usávamos o termo "Terra Incógnita".

O capítulo é outra surpresa. Primeiro o autor defende porque é que a Alemanha é um país digital-unfriendly (em 2020 só 33% dos alunos tinha acesso à internet na escola. BTW, "teachers, as a profession, are among the first to warn about the negative consequences of digitalisation"). Depois, apresenta números que mostram o divórcio dos estudantes alemães com o estudo universitário dos cursos de engenharia, ciência e matemática. Depois, aborda o tema da fraca infraestrutura de suporte ao uso da internet:

"My favourite story about Germany's slow internet came from the deepest Sauerland, a region of rolling hills and dense forests to the south-east of Dortmund. A photographer needed to send a large photo collection to a printer that was 10 kilometres away. The total data volume was 4.5 gigabytes, which is about the size of an average movie. He organised a race - between an internet upload and his horse. He burnt his photos on to a DVD and gave his computer a twenty-minute head start because he had to get the horse ready. The horse not only won the race, but, after riding home and feeding the horse, the photographer found the internet transmission was still uploading."

Depois, o capítulo começa a embrenhar-se no desempenho da indústria automóvel alemã e o seu horror ao carro eléctrico. Até mudei a cor do sublinhado no livro ao chegar a este trecho. Juro que escrevi "Quando o gigante cai: Empresas e nações em risco" antes de ler isto:

"Small countries often have industries that dominate everything. Large countries are more diversified. The US has a very strong high-tech sector, but it constitutes less than 10 per cent of the entire economy. It is hard to calculate the share of the car industry in German GDP. We know that cars and car components make up some 16 per cent of exports, having peaked at 19 per cent in 2016. My favourite measure is value added - because it disentangles the complex supply chains and isolates those parts of manufacturing activity done in the country. According to Germany's Federal Statistics Office, the German car industry alone constitutes almost 20 per cent of the value added in the entire industrial sector - this is massive for a single industry.

The memorable quote by Charles Wilson, President Eisenhower's defence secretary, comes to mind, here: What is good for GM is good for America. That was the 1950s. Nobody in the US would say that anymore, not even about Google or Apple. But they are still saying the equivalent in Germany. The German version has many names: there is Volkswagen, which also owns Audi and Porsche; Mercedes; and BMW. International car makers also have car plants in Germany: Ford, Opel, and nowadays even Tesla.

Of the forty companies now in the German DAX stock index, seven are from the car industry. The industry employs 786,000 people directly. Their future is not looking too bright. Many will lose their jobs, especially in supplier industries. The problem is a skills mismatch. A fuel-driven car is a mechanical-engineering product. An electric vehicle is a digital device at heart. Its engine only has a fraction of the parts of a fuel engine - and they are different parts.
...
There are many problems with corporatist constructs. The biggest one is that when the industry starts to decline, so will the country.
This whole corporatist world lived under the illusion of control - they believed they were in charge and would remain in charge forever. The reality is that, while they were asleep at the wheel in Berlin, Wolfsburg, Stuttgart and Munich, China was busy creating an entire new industry from scratch. The Chinese managed to come from nowhere to become the world's largest car exporter in just a few years."

Volto a mudar de cor no sublinhado aqui acerca da transição para o carro eléctrico:

"What is happening here is not a technical evolution. The electric car works differently and is made by different people. Remember the typewriters? We know how that story ended. Desktop computers and laptops, and the availability of cheap high-quality printers, killed the typewriter industry within a few years. Smartphones, with their sophisticated Al-driven photo software, killed the market for consumer cameras, along with GPS devices, watches, compasses and many more paraphernalia people used to schlep around. When that happens, not only does the product change, but so does the producer. The German car makers are the typewriter champions of our times.

As they used to say in the 1970s: the world will always need typewriters. Until recently, many believed the world would always buy German cars."

Depois, algo que conhecemos muito bem no nosso país:

"The Chinese had increased their market share in Europe from zero to 8 per cent by 2023. The European Commission calculated that this share would go up to 15 per cent by 2025 and has therefore announced protective tariffs of up to 38.1 per cent on imported Chinese electric cars from July 2024.

This is the playbook of how industries decline. After they have manoeuvred themselves into a corner, they start to call for subsidies and for trade barriers. The consequence will be that EU consumers will pay higher prices for the same product compared to Chinese." 

Sabem o que costumo escrever aqui acerca do futuro do calçado e do têxtil? Nichos. 

"I am not saying that the German car industry will go from a hundred to zero in five years. Germany will still produce cars. But the industry will employ fewer people. And, more importantly, German companies will not dominate the industry as they did in the past. Tesla and the Chinese are the global market leaders.

...

I am reminded of what happened to the manual watch industry after the arrival of digital and smart watches. Rolex is still making money, because the product is not simply a watch, but jewellery. The status-symbol end of the car market may well be the biggest niche for Germany, and a profitable one. But it is small."

segunda-feira, fevereiro 24, 2025

O canário na mina


O primeiro capítulo de "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau  , "The Canary", foi uma relevação para mim.

O autor defende que o sistema bancário corporativista da Alemanha, base do seu modelo neomercantilista focado em exportações e na indústria tradicional, [Moi ici: Basta reler o texto do JdN do passado dia 21 de Fevereiro, página 8, "Quanto mais a Alemanha exportar, melhor para Portugal"] entrou em colapso, antecipando problemas futuros na economia alemã. 

Historicamente, este sistema dividia-se em três pilares: bancos privados, como o Deutsche Bank e o Commerzbank, bancos estatais (Landesbanken), que apoiavam políticas económicas regionais, e bancos cooperativos (Sparkassen), voltados para o financiamento local, caracterizando-se por ser fortemente estatal e descentralizado, funcionando como um subsidio à indústria. Os Landesbanken, essenciais para financiar sectores como o aço e a energia, eram influenciados por interesses políticos, como no caso da WestLB, que se tornou um instrumento de clientelismo na Renânia do Norte-Vestfália. Na busca por lucros, estes bancos arriscaram em investimentos internacionais de alto risco e, durante a crise de 2008, sofreram perdas enormes com hipotecas subprime nos EUA, levando à dissolução da WestLB em 2012 e ao fim do modelo de finanças públicas que sustentava o neomercantilismo. Este colapso revelou as fragilidades estruturais na economia alemã, como a excessiva dependência de indústrias tradicionais, a falta de investimento em inovação e digitalização e a inexistência de um mercado de capitais eficiente para startups, mantendo o país preso a um modelo do século XX, enquanto nações como os EUA e a China progrediam na digitalização.

O autor compara os Landesbanken a "o canário na mina de carvão", um sinal precoce do colapso do modelo económico alemão. A falência desses bancos revelou as fraquezas estruturais da economia alemã e seu fracasso em se adaptar às mudanças tecnológicas e geopolíticas. Münchau argumenta que a Alemanha não diversificou sua economia e ignorou tendências tecnológicas cruciais, o que a deixou vulnerável em um mundo cada vez mais digitalizado.

"The German economy remains reluctant to diversify into new sectors, and so it continues to be dependent on industries that are long past their prime.
...
One of the reasons Germany is missing out on high-tech companies is lack of finance. Germany has more than its fair share of talented researchers. But the financial systems cannot support them.
...
The biggest problem, as I see it, is political selection bias. The state banks were ultimately backward-looking, and not geared towards company start-ups.
...
Like most things in life, the Landesbanken system did not fail in theory, it failed in practice. The defenders of the system argued that the state served as a hedge against excessive risk-taking by private banks. But it was the Landesbanken that ended up taking the most reckless risks."

sexta-feira, fevereiro 14, 2025

"It's no longer about how you do it; it's about what you do."

 
"Germany's current economic malaise differs in one important respect from those of previous periods. If companies become uncompetitive, the government can cut taxes, introduce labour reforms or manipulate the exchange rate. But if you are a specialist in making gas heaters or diesel engines, your problem today is not cost, but the product itself. If people are forced to install heat pumps instead of gas heaters, or forced to buy electric cars after the 2035 cut-off for the production of fuel-driven cars in the EU, you have a different problem. While German car makers are still competitive in their classic product range, they cannot compete against the Chinese in electric cars. It's no longer about how you do it; it's about what you do."

Peço desculpa por me repetir. 

"it's about what you do" ... isto tem tudo a ver com o não convidar a "DVD leadership team" para as reuniões sobre o futuro. Tem um papel a desempenhar no presente, mas não pode ser o motor do futuro. Convidá-la para as reuniões sobre o futuro é correr o risco da preocupação ser sobre como manter o status da "DVD leadership team", como proteger os postos de trabalho, como partilhar recursos escassos para construir o futuro com a "DVD leadership team".

Por isso aquele postal de Janeiro de 2022, "Não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas." Por isso a referência aos mastins dos Baskerville. Os ausentes, os que não aparecem, quando o mainstream pede às empresas existentes, uma espécie de "DVD leadership team", que tragam o desempenho do futuro desejado (salto de produtividade).

Por exemplo, no JdN de 12 de Fevereiro de 2025 encontrei "Armindo Monteiro "O mundo está a mudar e cada bloco económico está a pensar em si"":

À pergunta: "E porque é que os salários não sobem?" a resposta termina assim:

"Com as taxas de IRC que temos, com o investimento público que não acontece - só ocorre à custa do PRR -, não há investimento em Portugal.

Tem de haver investimento público." 

Sem comentários.

À pergunta: "Quais seriam as 3 medidas que podiam fazer mexer o ponteiro na produtividade, o segredo para salários mais altos e mais crescimento?" leio:

"...

Investimento. A segunda é a qualificação. Precisamos de projetos empresariais que cativem, sobretudo os mais jovens, para viverem em Portugal. É importante que os empresários consigam oferecer não apenas postos de trabalho, mas projetos de carreira. A nossa economia ainda não fez essa alteração que permite oferecer empregos em que as pessoas se sintam realizadas.

Mas isso não é bem uma medida. É um sonho...

Mas há soluções, como ligar as universidades às empresas e vice-versa. As boas empresas e as boas universidades já conseguiram quebrar essas barreiras, mas ainda não são a globalidade. Ainda continua a haver [essa barreira], sobretudo nas empresas de reduzida dimensão, sem capacidade de inovação. São estas que nós temos de motivar e conseguir que invistam no seu "core business," em vez de estarem a olhar para a carga burocrática."

O foco nas empresas existentes, na "DVD leadership team". Quando é que vão perceber que elas não podem fazer essa entrega? E não é porque os empresários sejam burros... voltar ao texto inicial sobre a Alemanha - "It's no longer about how you do it; it's about what you do."

BTW, quanto à imigração, algo mencionado por Armindo Monteiro, gostava de poder publicar aqui os tweets que andam a ser publicados com os esquemas usados para contratar na restauração. Ilustram muito bem porque tem de haver um caudal permanente de imigrantes iludidos, segundo os empregadores.

Trecho inicial retirado de "Kaput - The End of the German Miracle" de Wolfgang Munchau 

segunda-feira, novembro 11, 2024

"Kaput: The End of the German Miracle"

No FT de Sábado 9 de Novembro passado li o artigo "The giant humbled" sobre o livro que já tinha encomendado durante a semana, "Kaput: The End of the German Miracle" de Wolfgang Münchau.

A indústria automóvel alemã, particularmente a Volkswagen, é utilizada como metáfora para os desafios económicos e políticos mais vastos do país. Os sucessos históricos e os fracassos recentes realçam questões sistémicas. A Volkswagen, outrora um símbolo da eficiência alemã e das proezas de engenharia, esteve envolvida em escândalos significativos (por exemplo, emissões de diesel) e mostrou fraquezas estratégicas na transição para veículos eléctricos.

Wolfgang Münchau critica as estruturas políticas, económicas e sociais da Alemanha, retratando-as como disfuncionais e resistentes à mudança.

A Alemanha enfrenta desafios como modelos industriais ultrapassados, subinvestimento em tecnologia, um preconceito anti-técnico na educação e ineficiência burocrática. Embora o chanceler Olaf Scholz tenha anunciado um Zeitenwende (um importante ponto de viragem) em resposta às mudanças geopolíticas, Münchau está céptico quanto ao seu impacte.

A influência da Alemanha nas políticas da UE pode ser restritiva, sufocando potencialmente o crescimento e a inovação nos estados membros. Verifica-se um dinamismo crescente noutras partes da Europa, como a Dinamarca e a Polónia, apresentando novos modelos de crescimento económico. Os desafios que a Alemanha enfrenta reflectem-se noutros países que se têm centrado em modelos orientados para a exportação, como o Japão e a China.

E Portugal no meio disto?

Será que pode capitalizar o seu crescente ecossistema tecnológico e atrair investimento em novas tecnologias, aprendendo com as oportunidades perdidas pela Alemanha em áreas como os veículos eléctricos e semicondutores. Será que pode concentrar-se em indústrias especializadas de menor escala que oferecem produtos de elevado valor, evitando as armadilhas da dependência excessiva de um único sector.

Se a Alemanha, enquanto maior economia da Europa, enfrentar uma recessão prolongada, toda a UE poderá registar um crescimento lento, afectando potencialmente as exportações portuguesas e a estabilidade económica. A saúde económica de Portugal está parcialmente ligada ao quadro mais vasto da UE. Um declínio da influência económica alemã poderá reduzir o financiamento ou o apoio a determinadas iniciativas a nível da UE.

Qual a relevância para as PME?

As PME podem capitalizar o fracasso das grandes empresas na adaptação rápida, posicionando-se em nichos de mercado, especialmente em sectores emergentes como as tecnologias verdes e as soluções digitais. As PME podem construir parcerias com instituições académicas e de investigação para promover a inovação, aprendendo com as oportunidades perdidas pela Alemanha na integração dos avanços tecnológicos.

Uma base industrial alemã enfraquecida poderá levar a perturbações nas cadeias de abastecimento europeias, afetando as PME portuguesas que dependem de importações ou componentes alemães.

A instabilidade económica num grande parceiro europeu como a Alemanha pode levar a uma incerteza mais ampla, afectando a procura, o investimento e a estabilidade financeira, que são fundamentais para as PME.

quinta-feira, junho 15, 2023

Evoluir na paisagem económica

Ontem no JdN em "Alemanha cola-se a Espanha nas vendas de componentes - As exportações de componentes para a indústria automóvel cresceram 26,9% em abril, o 12º mês consecutivo de subida homóloga." sublinhei:
"Após um máximo mensal histórico em março, quando as exportações de componentes automóveis ascenderam a 1.112 milhões de euros, as vendas destes produtos ao exterior cifraram-se em 899 milhões em abril, uma subida homóloga de 26,9%, indicou a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA).
A associação destaca que este foi o 12º mês consceutivo de crescimento em termos homólogos.
...
Em termos de crescimento homólogo, as vendas para Espanha subiram 21% no acumulados dos primeiros quatro meses do ano.
Já o mercado alemão apresenta, para igual período, um aumento no valor das vendas na ordem dos 29,5%, o crescimento mais expressivo entre os cinco principais destinos das exportações do sector."

Recordo o que escrevi aqui há dias:

"Just why should the organization renew itself when there is no crisis? 

...

Nothing breeds complacency like success. The point for maximum strategic paranoia is when you are at the top of your game." 

Ao ler o artigo de ontem no JdN fiz logo a ligação para um artigo do passado dia 9 de Junho no Eurointelligence de Wolfgang Münchau, "How an industry declines":

"There is a lot of confusion about de-industrialisation. It does not necessarily mean less industry and fewer factories. It means less money - a falling share of industry in an economy's value-added. That has a lot of important consequences, but not necessarily the ones people expect, or discuss.

...

The most important impact of the slowly creeping de-industrialisation is a loss of profits, not necessarily a loss of activity. That translates into relatively lower wages

...

The diesel scandal was the last hooray of the German car industry. 

They will still make cars in Germany in the future. But the industry will be dominated by other plays, it will employ fewer people, it will feed fewer suppliers, and its role in society will diminish."

No final desta leitura recordo que procurei mentalmente fazer um paralelismo com a deslocalização do têxtil alemão para Portugal nos anos 60. 

A ser verdade o que escreve Wolfgang Münchau, a AFIA devia agora estar a promover a paranóia estratégica entre os seus membros ("The point for maximum strategic paranoia is when you are at the top of your game"). Quantos iriam ouvir esse apelo?

No livro que acabei de ler na passada segunda-feira, "Lead and disrupt: how to solve the innovator's dilemma" de Charles A O' Reilly III and Michael L. Tushman, os autores contam a estória da empresa Ball Corporation:
"Ball is recognized around the world for its high-quality metal and PET plastic food and beverage containers, and for its leading aerospace technology products and services." 
O livro começa o texto sobre a Ball da seguinte forma:
"The story began in 1880 when Frank Ball and his four brothers began making wood-jacketed tin cans to carry kerosene for lanterns. However, soon after their founding, glass jars became an economical alternative to wooden buckets, so the Ball brothers quickly converted their business to produce glass jars, including what would become their most successful offering, the screw-top Ball jar that generations of Americans have used for home canning."
Esta empresa ficou-me na memória pela sua capacidade de evoluir na paisagem económica do seu tempo.

terça-feira, outubro 20, 2009

I'm not alone

Há dias expressei aqui a minha preocupação com a situação que vivemos.
.
Ontem, descobri no FT este artigo de Munchau "Countdown to the next crisis is already under way" que vai na mesma onda... preocupante.
.
"Our present situation can give rise to two scenarios – or some combination of the two. The first is that central banks start exiting at some point in 2010, triggering another fall in the prices of risky assets. In the UK, for example, any return to a normal monetary policy will almost inevitably imply another fall in the housing market, which is currently propped up by ultra-cheap mortgages.

Alternatively, central banks might prioritise financial stability over price stability and keep the monetary floodgates open for as long as possible. This, I believe, would cause the mother of all financial market crises – a bond market crash – to be followed by depression and deflation.

In other words, there is danger no matter how the central banks react. Successful monetary policy could be like walking along a perilous ridge, on either side of which lies a precipice of instability.

For all we know, there may not be a safe way down."