terça-feira, dezembro 23, 2025

Outro chocolate - Inovar é mudar de quadrante, não só de produto (parte VI)

Parte IParte IIParte III, Parte IV e Parte V.

O The Times do passado Domingo trazia um pequeno artigo sobre a Cadbury, "Chocolate resistance melts".

Em 2010, a Cadbury, então a segunda maior empresa de confeitaria do mundo, foi adquirida pela norte-americana Kraft Foods por £12 mil milhões, numa oferta hostil. A operação enfrentou forte oposição no Reino Unido por parte do governo, dos sindicatos e dos media, e a própria Cadbury alertou para a perda da sua cultura única. Apesar disso, e após pressão de accionistas de curto prazo, incluindo hedge funds, o conselho acabou por recomendar a venda. Pouco depois, a Kraft foi duramente criticada por encerrar uma fábrica que se tinha comprometido a manter aberta durante as negociações.

Isto foi motivo para pensar nas mudanças de quadrante que não aprovo (mas quem sou eu, só um anónimo da província).

A Cadbury é mais um exemplo de mudança de quadrante… mas que resultou numa descida na escala de valor.

Durante décadas, a Cadbury operou num quadrante raro e difícil de replicar. Produto massificado, sim, mas com identidade institucional forte, cultura própria, legitimidade social e um contrato implícito com trabalhadores, comunidades e consumidores.

A aquisição pela Kraft Foods (e, depois, a integração na Mondelez International) representou, tecnicamente, uma mudança de quadrante. De empresa autónoma para marca, dentro de um portefólio global; de instituição com propósito próprio para activo optimizado financeiramente; de governação enraizada para gestão à distância, orientada por métricas.

O produto não mudou radicalmente. O mercado até cresceu. As receitas continuaram a subir.

Mas o quadrante mudou para pior, na minha opinião.

Porquê? Porque a Cadbury trocou identidade por escala, confiança por eficiência, capital institucional por capital financeiro.

No novo quadrante, a marca é mais rentável no curto prazo, mas mais frágil no longo prazo. Depende de campanhas emocionais e de nostalgia para compensar a perda de substância. Já não cria um "excesso de significado"; limita-se a competir por atenção num portefólio já saturado.

Este é o ponto essencial: nem toda a mudança de quadrante significa progresso.

Há mudanças que aumentam as margens, mas destroem aquilo que não cabe numa folha de Excel: legitimidade, lealdade profunda, margem moral para errar, capacidade de mobilizar pessoas.

Incrível como isto me faz recuar a um artigo do USA Today de 2001, no qual descobri David Meister. O mesmo David Meister que relata esta história do início da sua vida profissional e que relaciono com estas mudanças de quadrante, em busca de mais eficiência, em vez de mais significado.

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