Ao longo dos anos tenho escrito aqui no blogue sobre o choradinho dos produtores de uvas no Douro, ou dos produtores de leite em Portugal, entre outros.
Agora é a vez de ilustrar o tema com um exemplo ... alemão:
"Towards the end of the last century the reputation of German wine could scarcely have sunk much lower.
In Britain and other markets it had become synonymous with cloyingly sweet, mass-produced brands such as Blue Nun — Alan Partridge's plonk of choice.
Today, though, its good name has recovered to the point where it sells at average prices comparable to those from France and Italy.
...
Yet the industry is facing a "looming catastrophe" and more than half of Germany's wine producers fear bankruptcy in the coming months, according to an organisation founded by vintners to rescue their sector.
"If we don't act now, we will lose more than just the vines. We will lose our cultural landscape, our history, our identity," said Thomas Schaurer, the head of the Initiative for the Future of German Winegrowing (ZDW).
This might seem like a paradox. The total area of its vineyards has actually grown by more than 8 per cent since 1990. But the group, which represents more than 80 winemakers, is frustrated by a minimum wage that has risen by 40 per cent over the past five years and rival wines that cost €3 a bottle or less. "What we need in order to survive is simply fair prices," it said."
A frase final - "What we need in order to survive is simply fair prices" — traduz uma postura que, do ponto de vista económico, contém várias incoerências, ilusões ou confusões fundamentais.
Confundem "preço justo" com "preço suficiente para a minha sobrevivência". Temos pena! A ideia de preço justo neste contexto é usada de forma subjectiva e auto-referencial: os produtores querem um preço que cubra os seus custos actuais e garanta a sua continuidade. No entanto, o preço de mercado é determinado pela oferta, procura e valor percebido pelo consumidor, não pelas necessidades de quem produz. Do ponto de vista económico, não há garantia de que qualquer actividade deva ser lucrativa só porque existe ou tem tradição.
Ignorar a concorrência e o comportamento do consumidor. O facto de existirem vinhos rivais a €3 a garrafa mostra que há alternativas no mercado com que os produtores alemães têm de competir. Se os consumidores não estiverem dispostos a pagar mais pelos vinhos alemães, a culpa não é do mercado, mas de um posicionamento ineficaz (em qualidade, diferenciação, marketing, canal de distribuição...). Exigir preços mais altos sem justificar mais valor percebido é ignorar a lógica da concorrência. Em Mioa passado, durante o fim de semana de caves abertas em Satigny (Genebra) não encontrei garrafas a menos de 12 francos suíços.
Foco nos custos em vez de foco no valor. Queixar-se do aumento do salário mínimo é um argumento comum, mas fraco: se a estrutura de custos não permite competir num mercado aberto, o problema é de modelo de negócio, não de política salarial. Em vez de pressionar para baixar custos externos (salários, concorrência), deveriam estar a procurar criar mais valor, subir na escala de valor, inovar no produto ou diferenciar-se.
O apelo emotivo à identidade e à cultura como justificação económica. A frase "We will lose our cultural landscape, our history, our identity," é retoricamente poderosa, mas economicamente irrelevante — a menos que esses elementos sejam convertidos em valor económico real (ex.: enoturismo, DOP, storytelling eficaz). O mercado não financia heranças culturais apenas por existirem — é preciso torná-las desejáveis, visitáveis, compráveis.
Negação do papel da destruição criativa. Se certos produtores não conseguem adaptar-se, é normal — ainda que doloroso — que saiam do mercado. A destruição criativa (Schumpeter) faz parte do dinamismo económico. Subsidiar a permanência de modelos ineficientes perpetua o problema, não o resolve.
A solução não é pedir preços — é criar valor e rever estratégia. Em vez de apelar a uma noção vaga de justiça, os produtores deveriam:
- Repensar o seu modelo de negócio;
- Reposicionar os seus produtos com base na diferenciação;
- Reforçar redes de exportação;
- Investir em inovação e parcerias;
- Ou mesmo fundir ou abandonar explorações ineficientes.
Por fim, afinal esta postura não é geneticamente tuga.
Trechos retirados de "Germany's vintners may wither on the vine" publicados no The Times de 18.06.2025.