No Sábado escrevi sobre a curiosidade de um vinho inglês vencer um concurso contra champanhes franceses. Uma pequena vitória simbólica? Talvez. Mas o verdadeiro choque veio depois, com a notícia do The Times de sexta-feira: “Champagne grape pickers treated 'worse than slaves'”.
"At least 14 champagne houses used grapes picked by illegal immigrants deprived of food, housed in filthy conditions and treated like slaves, a court heard.
One of the pickers said animals enjoyed better conditions.
...
Behind the glamorous image of champagne lies widespread exploitation and misery, unions said, as they held a protest outside the criminal court in Châlons-en-Champagne."
A ironia é dolorosa. Enquanto a marca “Champagne” brilha nos mercados internacionais, o modelo que sustenta esse prestígio parece assentar em práticas que, longe de criar valor, o sugam dos elos mais frágeis da cadeia. Aqui entra Felix Oberholzer-Gee, que em "Better, simpler strategy: a value-based guide to exceptional performance" distingue com clareza duas formas de procurar produtividade: aumentar o numerador (melhorar a experiência do cliente, a qualidade do produto, o valor percebido) ou reduzir o denominador (cortar custos, salários, condições de trabalho).
"When companies seek to capture value without increasing it, the consequences for customers and employees are very different. Customers have an easy remedy. They simply do not purchase the product. But for employees, the situation is more challenging. Most of us need our jobs, and walking away from work is financially costly and often difficult emotionally, even if the job provides little satisfaction [Moi ici: É fácil associar o empobrecimento, consequência da aposta na competitividade em vez de na produtividade e da impostagem com que os políticos nos brindam, aos níveis de emigração que sofremos há quase duas décadas]....[Moi ici: O trecho que se segue é fundamental. Alinhado com Porter e a sua ideia de que é tão ou mais importante escolher o que não fazer do que o fazer. Alinhado com Terry Hill e as bolas azuis e vermelhas] In their view, company resources and capabilities normally lend themselves to improving customer delight or supplier surplus, but not both. The mindset of organizations that discover ever new ways of pleasing their customers, the argument goes, is very different from a mindset that is ruthless at slashing cost and raising productivity. [Moi ici: "improving customer delight" corresponde a trabalhar para aumentar a produtividade à custa do aumento do numerador, "slashing costs" corresponde a trabalhar para aumentar a produtividdae à custa da redução do denominador] In the view of these executives, trying to achieve a dual advantage risks achieving none, being "stuck in the middle." As Professor Michael Porter explains, "Becoming stuck in the middle is often a manifestation of a firm's unwillingness to make choices about how to compete. It tries for competitive advantage through every means and achieves none, because achieving different types of competitive advantage usually requires inconsistent actions.""
Repito: “The mindset of organizations that discover ever new ways of pleasing their customers […] is very different from a mindset that is ruthless at slashing cost and raising productivity.” Não é só uma escolha técnica. É uma escolha moral, estratégica e identitária. O artigo do The Times mostra o que acontece quando se tenta capturar valor sem o criar: a reputação afunda-se, os trabalhadores fogem (ou revoltam-se), e o sector perde o direito de se gabar do seu glamour. Os ingleses, pelo contrário, estão a criar valor — com inovação, diferenciação e provavelmente maior respeito pelas pessoas.
Se Champagne quer competir com vinho inglês, talvez precise de mais do que terroir e tradição. Precisa de uma mudança de mindset: menos extração, mais criação. E talvez — quem sabe — menos cinismo, mais carácter.
1 comentário:
Bem me parecia aue a moléstia da nova escravatura estava muito disseminada. Infelizmente. O tamanho não diminui a gravidade.
Enviar um comentário