Onde quero chegar com estes exemplos da
parte II (construtores automóveis e fabrico de produtos lácteos)?
Recordo um artigo de Michael Porter publicado em 1996 na Harvard Business Review, intitulado “What is Strategy?”.
Nele, Porter destacou que as empresas japonesas desencadearam uma revolução global em excelência operacional nas décadas de 1970 e 1980, ao introduzirem práticas como a gestão da qualidade total e a melhoria contínua. Estas práticas ofereceram-lhes vantagens significativas em termos de custo e qualidade, tornando-as extremamente competitivas a nível internacional. Porter elogiou esta busca incansável por eficiência, reconhecendo que ela levou as empresas japonesas à fronteira da produtividade, permitindo-lhes superar os rivais em desempenho operacional durante largos anos.
Contudo, apesar do sucesso operacional, Porter criticou a ausência de estratégias genuinamente diferenciadoras na maioria das empresas japonesas. Observou que raramente desenvolveram posicionamentos estratégicos únicos no mercado. Com algumas excepções notáveis (como a Sony, a Canon e a Sega), a maioria das empresas limitava-se a imitar-se mutuamente.
Segundo Porter, as rivais ofereciam praticamente todos os tipos de produtos, com todas as variantes, funcionalidades e serviços possíveis; utilizavam todos os canais de distribuição e até copiavam as configurações fabris umas das outras. Em suma, faltavam escolhas exclusivas e trade-offs claros — todos competiam com todos em praticamente todas as frentes, o que diluía qualquer singularidade de posicionamento. Para Porter, isso era problemático, pois estratégia implica escolher de forma diferente dos concorrentes, e não apenas correr atrás das mesmas boas práticas que qualquer um pode adoptar.
Como relaciono estas duas situações?
Julgar que a aplicação da ISO 9001 se traduz automaticamente em vantagens competitivas é como acreditar que a excelência operacional, por si só, será suficiente para triunfar no mercado.
Porter alertou para os perigos do modelo competitivo japonês assente apenas na excelência operacional. Nos anos 80, enquanto os concorrentes ocidentais ainda estavam longe da fronteira da produtividade, parecia possível vencer simultaneamente em custo e qualidade — e, de facto, as empresas japonesas cresceram rapidamente, aproveitaram a expansão do mercado doméstico e conquistaram mercados globais. Por momentos, pareceram imbatíveis. Mas essa vantagem mostrou-se difícil de sustentar. À medida que a diferença de eficácia operacional foi desaparecendo (isto é, à medida que os outros aprenderam e copiaram as mesmas técnicas de melhoria), as empresas japonesas ficaram presas numa armadilha competitiva criada por elas próprias. Competindo todas nos mesmos termos e sem diferenciação estratégica, envolveram-se em batalhas mutuamente destrutivas — uma corrida aos extremos de eficiência que acabou por erosionar a rentabilidade e degradar o seu desempenho financeiro.
Para escapar a esse ciclo vicioso de competição imitativa, Porter defendeu que as empresas japonesas teriam de “aprender o que é estratégia” — ou seja, adoptar um verdadeiro pensamento estratégico, assente em posicionamentos exclusivos e escolhas difíceis.
Porque é que o retorno da implementação de um sistema de gestão da qualidade segundo a ISO 9001 é, muitas vezes, baixo?
Porque o sistema está demasiado centrado na excelência operacional. Existe, em algum ponto da norma, uma exigência clara para que a empresa faça escolhas exclusivas?
O que me proponho fazer em próximos postais é ilustrar qual é a minha abordagem para inocular pensamento estratégico num sistema de gestão da qualidade. Os interessados podem seguir as ideias que partilharei — ou contactar-me, para trabalharmos juntos.
Assim que se reconhece o problema, actuamos em duas frentes:
- A política da qualidade está ligada à estratégia da empresa? A minha experiência diz-me que não. Reformular essa política com um cunho estratégico implica alterar os objectivos do sistema de gestão e os projectos que lideram a melhoria proactiva do sistema.
- Os processos da organização são verdadeiros processos? São úteis para atingir os objectivos? A minha experiência diz-me que não. Muitos “processos” não passam de procedimentos disfarçados de processos.
O próximo postal será mais curto e abordará as fundações desta abordagem. Recorrerei a dois princípios de gestão da qualidade:
- Process approach
- System approach to management (um princípio introduzido pela ISO 9001:2000 e abandonado na versão de 2015, por se considerar integrado nos demais - segundo a versão oficial foi diluído nos outros princípios)