domingo, novembro 23, 2025

Curiosidade do dia

 ""Cada euro investido [na Defesa] entrega três euros de retorno à economia. Não é coisa pouca", ", diz Nuno Melo, ministro da Defesa."

Quando ouço afirmações como "cada euro investido na Defesa gera três euros de retorno", não consigo evitar um sorriso. É sempre impressionante como estes multiplicadores aparecem com uma precisão decimal admirável, mas raramente com a explicação por trás. Especialmente quando a literatura económica mais séria sugere exactamente o contrário: que o gasto em defesa tem benefícios estratégicos, geopolíticos e industriais, sim... mas dificilmente um retorno económico líquido positivo para o conjunto da economia.

É claro que a Defesa pode e deve ser financiada - por razões de segurança nacional, capacidade industrial, autonomia estratégica ou compromissos internacionais. Tudo isso faz sentido. O que já é mais difícil é transformar esse argumento legítimo num conto de fadas macroeconómico em que cada euro se multiplica por três, como se fosse um fundo de investimento milagroso.

Se o ministro tivesse dito: "Temos de investir mais porque o mundo mudou, porque a UE exige, porque a indústria precisa de escala e porque a segurança tem um custo", eu concordaria sem ironias. Mas quando se entra no território dos multiplicadores mágicos, a discussão deixa de ser económica para passar a ser...  poética. E a economia, infelizmente, não muda com poesia.

Recomendo esta Curiosidade do dia de 13 de Março deste ano. Recomendo também:

Trecho retirado de ""Retorno para a economia nacional é um fator decisivo" nas compras para Defesa, diz Nuno Melo"

Outra redefinição de identidade

Ontem escrevi "Uma redefinição da identidade ao vivo e a cores" sobre a reformulação da estratégia da Unilever e suas consequências para a sua identidade.

Agora, escrevo sobre outra redefinição de identidade em curso, os vinhos franceses e uma certa identidade agrícola francesa, com base em "Vineyards are disappearing in France" na revista The Economist desta semana.

O artigo descreve o desaparecimento progressivo das vinhas no Languedoc-Roussillon, uma das maiores regiões produtoras de vinho de França. A paisagem, antes preenchida por vinha contínua, está a transformar-se num mosaico de campos abandonados, raízes arrancadas e novas culturas mais resistentes à seca.

A região enfrenta uma combinação de factores: secas persistentes, falta de água para rega, aumento dos custos de produção e um declínio global no consumo de vinho — especialmente entre os jovens franceses. Os agricultores sobrevivem como podem, alguns arrancando vinhas com apoio estatal, outros convertendo-se a culturas alternativas. O sector tenta adaptar-se mudando para vinhos mais premium, naturais ou biológicos, mas o movimento é insuficiente para travar o desaparecimento. [Moi ici: Falta-lhes um ministro da Agricultura como o português, que já nos habituou ao discurso de que vai salvar o vinho do Douro. Claro que estou a ser irónico.]

"This year farmers have ripped out 14% of vines in the department of Pyrénées-Orientales, which surrounds Perpignan. It is a secular trend. Between 2000 and 2020 the department lost nearly half its vines."

Façamos o paralelismo com a Unilever.  

Tal como algumas categorias da Unilever, o "vinho de entrada de gama" está em:

  • declínio estrutural, 
  • com consumidores mais jovens que não se identificam, 
  • concorrência intensa de outras bebidas, e
  • preferências a deslocarem-se para menos volume e mais qualidade.
É exactamente o mesmo problema que leva a Unilever a "desinvestir". Se o mercado já não cresce, insistir em volume é ficar para trás.

A estratégia racional passa a ser: "concentrar onde posso ganhar amanhã". A Unilever está a focar-se em segmentos com crescimento real:

  • beleza, 
  • skin care, e
  • cuidados pessoais premium.

O equivalente para os vinicultores seria:

  • vinhos premium,
  • vinhos naturais/biológicos com preço superior, 
  • novas castas resistentes à seca, 
  • diversificação para azeite, pistácio, pomares ou frutos mediterrânicos.

Foco nos segmentos que pagam margens, não nos que pagam nostalgia.

Se o Languedoc quiser sobreviver, tem de fazer o que a Unilever está a fazer

Três movimentos estratégicos:

  1. Reduzir o "portfolio agrícola" que já não tem futuro: áreas sem água, castas vulneráveis, vinhos baratos que já ninguém bebe.
  2. Reinvestir onde há futuro real (vinhos premium, enoturismo, castas resistentes à seca, agricultura de alto valor acrescentado).
  3. Transformar a paisagem económica e não apenas a paisagem rural

Por cá, enquanto andamos entretidos a dar soro aos produtores de uvas do Douro, adiamos estas decisões difíceis, adiamos estas metamorfoses. Pois, quando uma sociedade rejeita desconforto, reformas, ajustamentos, rupturas curtas para evitar colapsos longos — o campo não se mantém estático: estreita-se. Perdem-se graus de liberdade.

No fundo, tanto a Unilever quanto o Languedoc mostram a mesma lição dura e simples: identidades não são monumentos de pedra, são construções vivas que mudam quando as condições mudam. Quando o clima, os consumidores, os custos e as preferências se reorganizam, a identidade que não souber adaptar-se será, ela própria, arrancada como as velhas vinhas do sul de França. A história dá conforto, mas não paga salários; o passado dá orgulho, mas não garante futuro. Sobrevive quem aceita que a paisagem muda — e age antes de ser obrigado a agir.

E é precisamente aqui que reside o risco português: confundir protecção com preservação e preservação com imobilismo. Socorrer o produtor hoje, não substitui a coragem de redesenhar a identidade agrícola para o amanhã. Tanto o Douro como o Languedoc podem continuar belos — mas só se forem capazes de se tornarem diferentes. Resistir à mudança nunca salvou ninguém; planear a metamorfose, sim. O mundo estreita-se para quem insiste em ficar igual.



sábado, novembro 22, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist, "Why governments should stop raising the minimum wage."

Depois de uma década de subidas agressivas, uma nova investigação começa a desafiar o antigo consenso: o salário mínimo não é a ferramenta simples e sem custos que muitos governos imaginam.

A evidência recente mostra que grandes aumentos não eliminam empregos de imediato - deterioram a qualidade do trabalho, reduzem horários estáveis, cortam benefícios e fazem subir os preços. E quando os preços sobem, são os mais vulneráveis que acabam por pagar a maior factura.







Uma redefinição da identidade ao vivo e a cores

A Unilever está a considerar vender várias marcas britânicas históricas — Marmite, Colman’s e Bovril — como parte de um esforço para cortar custos e recentrar o negócio nas áreas de beleza e cuidados pessoais, consideradas core. A decisão insere-se numa estratégia mais ampla, liderada pelo novo CEO Fernando Fernández, para alienar marcas de baixo desempenho e simplificar o portefólio global.
"Unilever, the consumer goods giant, is said to be considering selling off the heritage British brands Marmite, Colman's and Bovril as part of a cost-cutting drive.
The move is part of a shift led by Unilever's chief executive, Fernando Fernández, to shed underperforming areas and refocus on its core beauty and personal care divisions."

Não sei se escrever "as part of a cost-cutting drive" é uma descrição correcta do que se passa. Talvez seja pobre e enganadora. A Unilever não está simplesmente a reduzir gordura. Está a remover peso morto para criar tracção. Está a libertar capital, talento e atenção para os motores de crescimento do futuro.

Considero este caso um bom exemplo para ilustrar por que tantos países estaganam. Porque as suas empresas estagnam. E as empresas estagnam quando, levadas por questões sentimentais, não fazem o que deveriam: cortar e canalizar os recursos para o futuro (aka limpeza estratégica). Não encerram projectos, não vendem negócios maduros, não desinvestem em áreas sentimentais. Resultado? Estagnação — organizacional e macroeconómica.

O drama da estagnação não nasce da falta de ideias, mas da incapacidade de libertar recursos de actividades cuja rendibilidade futura é baixa.
Empresas que conseguem fazer isto, como a Unilever agora tenta, criam um ciclo virtuoso: mais foco, melhor produtividade, maior retorno.

A venda destas marcas históricas confirma uma mudança estratégica: a Unilever quer libertar capital, talento e foco para as áreas de maior crescimento — beleza, cuidados pessoais e dermatologia. Estas categorias têm margens mais elevadas, ciclos de inovação mais rápidos e maior alinhamento com as tendências globais de "premiumrização" e de bem-estar. Receita para aumentar a produtividade.

Implicação: a empresa está a abandonar negócios de baixo crescimento, com margens comprimidas e menor potencial de escala global. Ou seja, estas marcas podem não ser uma boa aposta para a Unilever do futuro, mas podem ser uma boa aposta para outras empresas com outra escala, outra estratégia e outro ADN; para elas podem ser ouro puro.

Cada euro investido numa categoria madura, como “food spreads”, tem um retorno menor do que o mesmo euro investido em beauty & personal care. Implicação: realocação de capital para segmentos com maior crescimento estrutural e retornos mais previsíveis.

A venda destas marcas, somada ao spin-off da divisão de gelados, representa uma mudança estrutural: a Unilever está a tornar-se menos "food conglomerate" e mais "beauty & wellness powerhouse". Uma redefinição da identidade corporativa ao vivo e a cores diante dos nossos olhos e possível desinvestimento adicional em categorias alimentares não estratégicas.

Trecho retirado de "Unilever could sell off vintage brands" publicado no The Times do passado dia 21 de Novembro.



sexta-feira, novembro 21, 2025

Curiosidade do dia

 

"LONDON - A court case that began with two parents concerned about the Christian teaching their daughter was receiving at school ended Wednesday with a landmark judgment that could transform the place of religion in schools in Northern Ireland.

The Supreme Court of the United Kingdom ruled that the religious curriculum in Northern Ireland's public schools was unlawful because it promoted Christianity as an absolute truth and did not teach religion in an "objective, critical and pluralistic manner."

...

The ruling on Wednesday confirmed the finding of a lower court, which had said that an option the school offered of withdrawing the child from religious education and worship, which is required by law, was not enough to resolve the underlying problem. The girl's parents had argued that taking her out of religious lessons and assemblies could lead to her being isolated or bullied."

Trechos retirados de "Court Rules on Religion In Northern Irish Schools" publicado no NYT de 20 de Novembro de 2025. 

A estagnação como consequência (Parte III)

Parte I e parte II.

O que escrevi sobre sociedades que evitam dor e economias que evitam recessões encaixa-se na perfeição na lógica de Joaquim Aguiar sobre o campo de possibilidades.

A sua teoria dá, aliás, a estrutura conceptual que explica por que caímos nessa espiral. Segundo Aguiar, o campo de possibilidades de um país define-se pelos seus constrangimentos estruturais. Quando uma sociedade rejeita desconforto, reformas, ajustamentos, rupturas curtas para evitar colapsos longos — o campo não se mantém estático: estreita-se. Perdem-se graus de liberdade.

A cada ciclo político que promete aliviar a dor:

  • mantém-se dívida,
  • congelam-se privilégios,
  • adia-se investimento produtivo,
  • impede-se destruição criativa, e
  • ganha força quem depende do status quo.

Resultado: há cada vez menos a escolher e cada vez menos a mudar.

A democracia anestesiada produz um campo de possibilidades cada vez mais pobre.

Aguiar dizia que o campo de possibilidades é sempre menor do que parece. A estabilidade artificial — económica e política — reduz ainda mais esse campo.

Ao evitarmos recessões (Parte I) e dor política (Parte II), ficamos com:

  • menos margem orçamental,
  • menos produtividade,
  • menos capacidade de ajustamento,
  • menos legitimidade para contrariar interesses instalados,
  • mais actores capazes de vetar qualquer reforma.

É o que Aguiar chamaria de um campo bloqueado.
A aparência de tranquilidade é, de facto, a acumulação silenciosa de impossibilidades.

Nos sistemas sociais e económicos, os choques funcionam como resets que alargam o campo de possibilidades.

Aguiar diria que:

  • uma crise abre alternativas;
  • um ajustamento redefine prioridades;
  • um colapso parcial elimina actores que bloqueavam caminhos;
  • uma ruptura revela escolhas escondidas.

Sem estas descargas:

  • o campo não se expande,
  • cristaliza-se, e
  • torna-se regressivamente mais estreito.

A paz prolongada e a ausência de recessões não geram liberdade — geram estreitamento estrutural do possível.

Aguiar era implacável com esta falha: os actores políticos anunciam fins que o campo de possibilidades não permite realizar.

O evitar da dor redefine esse campo de forma tão restritiva que:

  • as reformas necessárias não cabem nele,
  • as promessas necessárias não são viáveis,
  • e o sistema torna-se refém das suas próprias ilusões.

É aqui que o FT e a The Economist convergem com Aguiar: ao evitarmos dor durante décadas, criámos um campo de possibilidades tão pequeno que já quase nada cabe lá dentro — excepto mais estímulos, mais apoios, mais adiamentos.

Aguiar diria: "Ao eliminar os mecanismos de dor, eliminamos os mecanismos que criam possibilidades."

Ou, dito de outra forma: evitar todos os sobressaltos não amplia as escolhas — destrói-as.

Está decidido, vou reler: 




quinta-feira, novembro 20, 2025

Curiosidade do dia

 "What remains an open question is whether AI can ever truly be like Newton, Einstein, or Picasso. I honestly don’t know. Take an example: we have extremely precise astronomical data about the motion of the stars. If you gave all of that to any current AI system, it would not rediscover Newton’s laws of motion. That uniquely human ability to combine creativity with abstraction—this particular spark of scientific insight—I do not yet see in today’s AI, or even in the AI we expect in the immediate future."

Por volta do minuto 6 em https://www.youtube.com/watch?v=rFomaqO2SD4 

A estagnação como consequência (parte II)

No The Times do passado Domingo um texto de Matthew Syed, "Numbed by borrowing, we can't see how badly we need to go cold turkey".

Se, na Parte I, defendi que longos períodos de paz criam sistemas que acumulam fragilidades invisíveis, a leitura do artigo de Matthew Syed reforça esse diagnóstico aplicando-o directamente às democracias modernas. Se as economias que evitam recessões se tornam frágeis, também as sociedades que evitam desconforto político e social entram numa espiral semelhante: crescem sem músculo, sobrevivem sem regeneração e tornam-se incapazes de enfrentar desafios reais.

O autor usa uma metáfora brutal e certeira: não tomamos OxyContin, mas engolimos políticas públicas que funcionam como analgésicos potentes. Prometem conforto imediato, escondem custos futuros e criam dependência. E, tal como um organismo habituado a doses cada vez maiores, os eleitorados também desenvolveram um limiar de dor extremamente baixo. O autor não poderia ser mais directo:

"We have become a body politic with an ultra-low pain threshold."

Isto explica muita coisa. Explica por que tão poucos aceitam reformas estruturais. Explica por que qualquer tentativa de cortar privilégios — mesmo os insustentáveis — desencadeia tempestades políticas. Explica, sobretudo, a nossa parcimónia no que toca a aceitar pequenos sacrifícios agora para evitar grandes rupturas amanhã.

O resultado é semelhante ao das economias que eliminam as recessões: criamos um ambiente de suposta estabilidade que se torna cada vez mais tóxico. Tal como The Economist mostra que 15 anos sem recessões levaram à má alocação de capital, empresas zombi e produtividade estagnada, Syed mostra que 30 anos a evitar dor política produziram democracias exaustas, estagnadas e, em muitos casos, cínicas.

O trabalho de Ruchir Sharma, citado no texto, é revelador: 

"in the seven largest democracies the combined stimulus from governments and central banks rose from 1 per cent of GDP in the recessions of the 1980s and 1990s to 3 per cent in 2001, 12 per cent in 2008 and 35 per cent in 2020. He writes: "The public - particularly homeowners, stockholders and bondholders - came to expect more help in every crisis … culminating in the shockingly large doses of government aid in the pandemic. Though inspired by a kind of paternalistic fear, these rescues are delivered with the growing certainty that the cure is not worse than the disease."

Esta expectativa de salvação automática é politicamente irresistível, mas corrosiva a longo prazo. Tal como recessões eliminam ineficiências, a política também precisa de momentos de dor para corrigir excessos, reequilibrar sistemas e restaurar responsabilidade. Evitar esses momentos equivale a programar uma crise maior.

A analogia histórica é igualmente perturbadora. O autor cita Will Durant:

"A nation, like a man, is born stoic and dies epicurean."

E a verdade é que o pós-1991 nos tornou epicuristas políticos: acreditámos que o sofrimento era opcional e que o progresso era garantido.

"After the collapse of the Soviet Union, we thought we'd won and utopia was our birthright."

Esse sentimento de invulnerabilidade - semelhante à paz prolongada que referi na Parte I - adormeceu a capacidade de aceitar custos, enfrentar dificuldades e tomar decisões difíceis.

A consequência é dupla:

1. Economias que crescem mais lentamente porque nunca são reestruturadas.

2. Democracias que se degradam porque nunca têm a coragem de contrariar expectativas instaladas.

A dor não desaparece. Apenas se acumula.

"Pain cannot be erased — only deferred. And deferred pain grows."

A The Economist fala de economias que perderam o seu ciclo de limpeza natural. Syed fala de democracias que perderam a capacidade de aceitar o desconforto. Ambas descrevem sistemas que caminham rumo a uma ruptura não por excesso de instabilidade, mas por excesso de estabilidade artificial.

A grande pergunta final - que Syed deixa no ar - é esta: estaremos dispostos a aceitar o "desmame" desta dependência colectiva? Ou preferimos continuar anestesiados até ao momento do colapso?

A resposta, claro, ainda não existe. Mas talvez seja esta a oportunidade: voltar a cultivar pequenos sobressaltos, pequenas reformas, pequenas dores — antes que fiquemos sem margem para evitar uma dor grande.

E, tal como defendi na Parte I sobre as economias, o mesmo se aplica às democracias: o desconforto não é uma ameaça à estabilidade — é a sua condição de possibilidade.

Se tivesse mais tempo trabalhava melhor a descrição do panorama:




quarta-feira, novembro 19, 2025

Curiosidade do dia

Nos últimos dias, os algoritmos têm-me mostrado várias vezes uma informação que já tinha comentado aqui em Março passado.

"Sem água potável já em 2025":

"Portugal e Espanha serão os dois países europeus mais afectados pelo aquecimento global em 2025, ano em que não haverá água potável na Península Ibérica, segundo previsões das Nações Unidas. A escassez dos recursos hídricos, provocada pelo aumento da temperatura, resultado do aquecimento, afectará milhões."

Agora quero comentar o tema sob outra perspectiva. 

Quando um cidadão comum olha para estas previsões de 2008 — feitas por meteorologistas reputados e publicadas no jornal mais vendido do País — e as compara à realidade de 2025, é inevitável sentir um abalo de confiança na ciência e nas universidades. 

Quando a realidade não corresponde, mesmo parcialmente, ao que foi anunciado, instala-se uma dúvida corrosiva: “Então, afinal, a ciência falha?” Ou pior: “Os especialistas exageraram?”

O efeito disto é profundo. Um cidadão sente-se enganado não quando a ciência muda de opinião — isso é normal e saudável — mas quando a ciência comunica previsão como se fosse destino, possibilidade como se fosse inevitabilidade. Em 2008, a retórica dominante não deixou espaço para a incerteza, nem para explicar que os modelos climáticos não são calendários, nem funcionam com datas exactas. Ao não distinguir cenários plausíveis de factos garantidos, a comunicação científica minou a sua própria credibilidade.

E aqui está o perigo: quando as pessoas perdem confiança na ciência por causa de previsões que não se cumprem exactamente como anunciadas, perdem também confiança nas universidades, nos investigadores e na própria ideia de conhecimento especializado. Abre-se espaço para cinismo, para uma espécie de cansaço moral: “Já disseram tantas vezes que o mundo ia acabar — porque é que agora haveríamos de acreditar?” É uma erosão silenciosa, mas poderosa.

Quando escrevo um relatório de auditoria, incluo sempre a nota de que as conclusões se baseiam numa amostragem da realidade e, por isso, implicam inevitavelmente um grau de incerteza. Não o faço para me proteger; faço-o para honrar a realidade. A ciência, que vive (ou devia viver) precisamente dessa relação honesta com a incerteza, não deveria voltar a explicitar esse compromisso nas suas próprias conclusões?



Um pessimista-optimista (parte II)

Tenho escrito aqui sobre a "wicked mess" em que a Inglaterra se encontra. No Domingo passado, na habitual conversa telefónica com a minha irmã, que vive em Inglaterra há cerca de 15 anos e tem uma forte costela Labour — notei nela uma incredulidade quase cansada perante a ausência de um plano por parte do governo.

Eu, que tenho mais nove anos de estrada do que ela, partilhei o que aprendi em 2020, quando vivi um déjà-vu português e andava aflito com a falta de rumo nacional. Foi então que tropecei numa reflexão sobre a Toyota e percebi que não adianta entrar em stress. Disse-lhe:

"Sou um pessimista-optimista. Acredito que enquanto continuarmos assim vamos, como comunidade, enterrar-nos cada vez mais por mais dinheiro que venha da UE para alimentar as elites e o seu património [Moi ici: E sejamos realistas, e o pão e o circo para o povo]. O meu optimismo vem de pensar no day-after... quando a nossa comunidade estiver preparada. Porque não se pode ter razão antes do tempo, ou alterando o que diz Joaquim Aguiar, os eleitores têm sempre razão, mesmo quando não a têm. Quando a nossa comunidade estiver preparada e retirarmos os pesos, vamos poder fazer o que fez a Toyota ou o que fez a Estónia e a Letónia. Sem espertices saloias, mas com trabalho e com verdade."

Pessimista porque uma parte de mim, sem ser leninista, acredita que só batendo na parede a comunidade decide mudar. Até lá não adianta stressar. Optimista, porque acredito que existe sempre uma alternativa, quando se tem força de vontade. Porque sem força de vontade, "It’s hard work to stick around long enough to get lucky". Havendo força de vontade, tem-se tempo para fuçar até encontrar uma alternativa.

Com força de vontade, ganha-se tempo para experimentar, falhar, ajustar e construir algo novo. Importa sublinhar este verbo: construir. Não é encontrar soluções prontas; é deixar emergir, pela experimentação disciplinada ou não, aquilo que tem potencial positivo.

Foi precisamente nesta linha de pensamento que, na segunda-feira à noite,  li o último texto de Roger Martin, "Something from Nothing Leaves Something", talvez um dos melhores deste ano, e este ano tem sido muito bom. E senti que aquilo que ele escreve é, afinal, a confirmação intelectual da intuição que tentei explicar à minha irmã.

Num país de PMEs — e numa comunidade política com recursos escassos — é fácil cair na tentação de pensar que o sucesso exige começar rico. Martin desmonta essa ilusão. Não é a abundância que faz a estratégia; é a clareza. Ter poucos meios não condena ninguém, seja empresa ou país; obriga, isso sim, a fazer o trabalho estratégico que muitos gigantes evitam. Quando não se pode competir em investimento, compete-se em inteligência, criatividade e foco. E esta é exactamente a lógica do meu "optimismo disciplinado": há sempre uma alternativa à espera de ser construída, mesmo quando o presente parece um beco.

A pergunta certa não é "como é que se igualam os grandes?". A pergunta é: o que é que os clientes — ou os cidadãos — ainda não recebem, apesar de todos os recursos já gastos?

Essa pergunta abre espaço para estratégias baratas, porém profundamente diferenciadoras. Martin mostra que há sempre dois caminhos acessíveis: usar melhor os activos que temos debaixo do nariz e criar activos novos que custam pouco, mas que têm valor porque são difíceis de imitar.

A mensagem para as PMEs portuguesas - e, por extensão, para países em fases de bloqueio — é clara: a vantagem não está em ter muito, mas em usar bem o que se tem. Singapura, a Rotman School, Tennis Canada... todos começaram modestamente. O padrão é sempre o mesmo: foco, imaginação e uma estratégia que alinha escolhas difíceis com oportunidades reais.

Para as nossas PMEs, isto significa competir em relevância, não em escala. Procurar os espaços onde os grandes não podem ou não querem entrar. Transformar limitações em foco e foco em vantagem. E perceber que a essência de uma boa estratégia não está no tamanho da organização, mas na qualidade das escolhas.

No fundo, o texto de Roger Martin reforça exactamente o que disse à minha irmã: mesmo quando tudo parece bloqueado, existe sempre uma alternativa — mas ela tem de ser construída, não encontrada. Criatividade é mais barata do que capital; e, usada com propósito, pode valer muito mais.

terça-feira, novembro 18, 2025

Curiosidade do dia

Ontem no The Times gostei do ponto de vista do artigo "The AI revolution has begun — on personal phones and laptops":

"British businesses are spending billions on systems in the hope they will deliver savings and boost growth. Yet we know that many companies are seeing no measurable return on their investment.

Meanwhile, some of their employees have already figured out how to make AI work but they have been doing it via the "back-door" route, using systems they've subscribed to personally.

The scale of corporate investment is significant. According to data in Santander's autumn trade barometer, published today, the proportion of businesses planning AI investment has nearly doubled in six months, reaching 40 per cent among companies considering international expansion.

The reason many companies aren't yet seeing significant returns is not that AI fails to work; it is that workers by and large haven't been waiting for corporate solutions.

Employees are often paying for ChatGPT themselves because they find it useful and accessible - the AI revolution has already begun, but on personal phones and laptops."

"The companies extracting real value from AI investment are giving their employees a voice in identifying where automation might genuinely help. They are learning from employees who have already figured out what works and are building these lessons into their plans.

Larger businesses find it more difficult to adapt and utilise these types of tools quickly given the need for greater oversight. Our data shows that they are far more likely to have AI investment plans than smaller firms, yet often these plans do not move beyond the pilot stage."

Eu falo por mim, às vezes dou comigo a pensar nas melhorias pornográficas de eficiência que a IA me dá. 

No bom caminho, tudo indica.

Há cerca de um ano escrevi "A incapacidade de calçar os sapatos do outro". 

Nesse postal critiquei a postura de parte da indústria portuguesa — particularmente no sector das conservas de peixe — que buscava restringir as importações, em vez de se concentrar em diferenciar produto, valor e posicionamento internacional. Muitas empresas e associações continuam a agir como vítimas, exigindo protecções ou limitação do mercado externo, em vez de “calçar os sapatos dos outros” — entender a perspectiva do cliente e do mercado global.

Desviam a atenção, precioso bem escasso, do verdadeiro caminho para o crescimento sustentável, que é apostar em valor acrescentado, inovação, qualidade, sustentabilidade e expansão para mercados exigentes, em vez de se fixar em volume ou em batalhas proteccionistas. Em suma: sairmos da mentalidade de “somos melhores porque somos nacionais” e entrarmos na mentalidade de "temos de ser melhores porque competimos globalmente".

Agora no JdN encontro um artigo que conta uma realidade muito mais positiva, "Conservas com recorde de exportações à vista tem EUA em expansão e Japão na mira". O que me merece especial destaque? Isto:
"Por produto, o atum continua a ser o produto-âncora, representando mais de 45% do total das exportações. Já as conservas de sardinha “destacaram-se em 2025, com um aumento de 73% em volume, [Moi ici: Pode até ser algo negativo, em função da evolução do preço médio] impulsionado pela certificação MSC” [Moi ici: Marine Stewardship Council] (rastreabilidade e sustentabilidade das pescarias ibéricas). 
...
Depois de ter realizado, nos primeiros seis meses deste ano, "exportações-piloto", associadas ao lançamento na Expo Osaka, e "com acordos em fase de negociação com distribuidores japoneses", o presidente da ANICP estima um "potencial" de vendas para este país da ordem dos cinco milhões de euros anuais, "sobretudo em gamas 'premium' e certificadas MSC, direcionadas a consumo 'gourmet' e hotelaria"
O impacto da certificação MSC é significativo, porquanto a obtenção do selo azul para a pescaria da sardinha permite, segundo estimativas da ANICP, "acrescentar entre 10% e 15% de valor médio por tonelada exportada, elevando a receita média por volume e forçando um reposicionamento para nichos de maior valor acrescentado", nota Freitas."

Ou seja, tudo indica subida na escala de valor.




segunda-feira, novembro 17, 2025

Curiosidade do dia

Os gregos inventaram a máquina a vapor, nunca a usaram porque tinham mão de obra barata, escravos.

Entretanto, ...






Quando a distinção desaparece ...

No WSJ da passada sexta-feira surgiu um artigo com um título que não deixa margem para dúvidas:

 “It’s proudly a ‘dupe’: Quince copies big brands for a lot less”

A Quince tornou-se um fenómeno porque assumiu, sem qualquer ambiguidade, uma estratégia que muitos evitam nomear: copiar produtos de luxo e vendê-los a uma fracção do preço. 

O modelo assenta num controlo quase total da cadeia de valor.

 "We operate on thin margins, and the company sells 100% of what we produce." 

O que permite à Quince operar com margens reduzidas, acelerar os ciclos de produção e manter uma agilidade difícil de replicar pelas marcas tradicionais. Verticalização, velocidade e controlo operacional formam a espinha dorsal do negócio.

A isto soma-se uma capacidade impressionante de lançar novos produtos. Todos os meses entram no site cerca de 200 itens novos, suportados por um algoritmo que analisa padrões de procura e críticas dos clientes: 

"An algorithm processes all these data points. Quince tries to improve items based on customer reviews"

A inovação não está no design original, mas sim na rapidez, na variedade e na optimização contínua.

O sucesso da Quince coincide com um momento em que os consumidores estão a abandonar a lealdade às marcas. 

"The price-conscious shopper is no longer loyal to brands… even the wealthy are trading down."

Durante décadas, o mercado premium viveu de um contrato psicológico: o consumidor pagava mais não apenas pelo produto, mas também pelo estatuto, pela exclusividade e pela narrativa da marca. Esse contrato está a desfazer-se. Hoje, mesmo quem tem meios pergunta: por que pagar 300 dólares por algo cuja versão praticamente igual custa 90? A estética do luxo foi democratizada; se a distinção desaparece, a disposição para pagar também desaparece.

Outro pilar a ruir é a antiga opacidade do sector. Durante anos, os consumidores não sabiam de onde vinham os produtos, quais margens havia ou quais materiais eram usados. Essa assimetria de informação evaporou-se. A Quince capitaliza isso ao mostrar materiais, explicar as margens e expor os custos. Quando o mercado perde opacidade, o “luxo tradicional” perde aura.

A isto junta-se um factor legal relevante: a estética é fácil de copiar e está apenas parcialmente protegida. A Quince opera na zona cinzenta entre o design protegido (padrões, logótipos) e as funcionalidades não protegidas (cortes, formas, silhuetas). O artigo lembra que “copyright law protects patterns and logos, but not the functional aspects”. Se a estética pode ser replicada legalmente, o principal diferencial do luxo evapora-se.

No fundo, as marcas premium tornam-se vulneráveis quando a distinção desaparece, a tecnologia democratiza a aparência, o preço deixa de ser justificável, a informação deixa de ser assimétrica, os consumidores ficam mais racionais e os concorrentes conseguem operar com custos radicalmente inferiores. O modelo Quince funciona como um espelho: mostra o que acontece quando o “luxo” se acomoda, engorda e se torna mais dependente do marketing do que do valor real. Expõe, de forma quase cruel, o desfasamento entre o que muitas marcas premium cobram e aquilo que efectivamente entregam.

"Rust never sleeps" - assim que uma marca deixa de correr, começa a erosão. Depois virão culpar os clientes, os concorrentes, os chineses, os governos.

domingo, novembro 16, 2025

Curiosidade do dia

 A propósito de:

Considerando a última Curiosidade do dia (de ontem) será interessante, para quem quiser vir a dominar a arena futura sobre este tópico, perceber por que é que em países como o Chile há tanta gente contra data centers.



A estagnação como consequência




Há anos que penso que as sociedades democráticas não estão preparadas para longos períodos de paz.

As guerras, ao colocarem em causa a existência do estado, abrem a porta a resets. Não havendo guerras, os sistemas de cada país vão acumulando metásteses porque ninguém tem coragem de fazer frente às corporações do bem.  

Na revista The Economist desta semana vem um artigo interessante, "Recessions have become ultra-rare. That is storing up trouble", um pouco na linha do que Nassim Taleb escreveu sobre qual o país com o sistema político mais estável, a Síria ou o Líbano. 

A Síria parecia estável porque nada mudava — até ao dia em que tudo ruiu de forma catastrófica. O Líbano, cheio de atritos, choques e negociações constantes, mantinha a resiliência precisamente por viver num estado de ajustamento permanente.

O artigo aponta para o mesmo fenómeno nas economias avançadas: ao evitarem recessões a qualquer custo, criam uma ilusão de estabilidade que impede a renovação natural, a destruição criativa e a realocação de recursos. Cresce-se, sim, mas cresce-se com músculo fraco. Taleb diria que é a diferença entre sistemas frágeis, que parecem fortes até ao momento da ruptura, e sistemas antifrágeis, que se fortalecem com pequenos choques. E talvez esteja na altura de perceber que evitar todos os sobressaltos não é sinónimo de estabilidade — é apenas adiar o momento do colapso.

O artigo argumenta que, apesar dos choques recentes — pandemias, guerras, taxas de juro elevadas e crises bancárias - as economias desenvolvidas têm evitado recessões há mais de 15 anos. Esta ausência prolongada de ciclos recessivos parece, à primeira vista, positiva, pois evita sofrimento humano e destruição de emprego. Contudo, o texto alerta para um efeito secundário: quando uma economia passa demasiado tempo sem a "limpeza" natural provocada por recessões, começa a acumular fragilidades — empresas ineficientes sobrevivem, a produtividade estagna e o capital não é realocado para usos mais produtivos.

O artigo revisita a noção de "destruição criativa" de Schumpeter, mostrando que recessões podem acelerar a inovação, permitir que negócios ineficientes desapareçam e gerar novas empresas mais fortes. Contudo, nem todas as recessões têm este efeito - algumas, como a japonesa dos anos 1990 ou a crise de 2007-09, acabaram por perpetuar ineficiências. Paralelamente, os governos modernos adoptaram uma política de "bail-outs para todos", intervindo rapidamente em qualquer início de crise, o que impede a reestruturação natural da economia. O resultado é a acumulação de riscos: financeiros, fiscais e de má alocação de recursos.

Phil Mullan, no seu Creative Destruction, já tinha alertado para esta tendência: governantes e bancos centrais passaram a proteger a economia de qualquer dor de curto prazo — e, ao fazê-lo, criaram uma economia cada vez mais dependente de estímulos, crédito barato e resgates permanentes. O que deveria ser um mecanismo natural de renovação empresarial foi neutralizado. A consequência, diz Mullan, não é apenas a sobrevivência de empresas zombi, mas um ciclo de crescimento anémico, baixos ganhos de produtividade e uma economia que perde vitalidade ano após ano.

Sem períodos de correcção, o sistema engorda, mas não fortalece. Gera volume, mas não gera músculo. E é precisamente aí que reside o grande desafio para as economias europeias — Portugal incluído. Se continuarmos a anestesiar cada turbulência com mais Estado, mais apoios e mais crédito, acabaremos com um modelo que cresce na aparência, mas não se regenera na substância. Mullan diria que o preço da estabilidade permanente é a estagnação permanente. E talvez esteja na altura de aceitarmos que algum desconforto, quando bem enquadrado, é o que mantém uma economia viva, capaz e preparada para o futuro.

sábado, novembro 15, 2025

Curiosidade do dia

Nos anos 90 aprendi algo que uso muitas vezes na minha vida profissional: "Começar pelo fim". Algo que faz toda a diferença: empurrar com a barriga versus ser puxado pelo fim que se deseja.

Lembrei-me desse instrumento mental ao ler "Cotrim Figueiredo: "Estamos a discutir aquilo que devíamos ter feito há cinco anos""

Um ponto prévio, não creio que Cotrim Figueiredo seja diferente dos outros deputados, todos mais interessados nos jogos de retórica e nos pontos amealhados para as pontuações nas ligas "E o vencedor é" ou "Forum radiofónico X"

Isso não impede que ele alerte para alguns temas interessantes. Por exemplo:
""discutir aquilo que devíamos ter feito há cinco ou dez anos para evitar os problemas que temos hoje", dando como exemplo a"falta de professores e de habitação"" [Moi ici: Sim, Portugal tem a tendência para discutir sempre o passado, não o futuro. Talvez por sermos um país maioritariamente com o locus de controlo no exterior, não assumimos que devemos procurar construir o futuro com as mãos no volante, por isso, somos constantemente assaltados por coisas óbvias, rinocerontes cinzentos].
Andamos sempre a discutir o passado porque falta coragem para disputar o futuro.

É aqui que vale a pena inverter o jogo.


Quem quiser dominar o discurso daqui a cinco anos tem de começar hoje a olhar para o contexto com a mesma lucidez com que Wayne Gretzky patinava para onde o disco ia estar, não para onde estava.

Cinco anos passam num instante. Mas cinco anos de disciplina mudam tudo. Por isso, deixo o desafio aos políticos:
  1. Trace três cenários possíveis — o optimista, o prudente e o incómodo.
  2. Identifique os sinais fracos que, já hoje, apontam para cada um deles.
  3. Identifique os constrangimentos inevitáveis associados a cada um deles.
  4. Liste dez acções que, feitas agora, o colocam a liderar o tema quando todos os outros ainda estiverem a reagir... qual reagir, estão mas é interessados em discutir os cartazes de Ventura, ou a forma de aumentar a redistribuição sem criação de riqueza e a fazer o jogo de todas as corporações do bem.
  5. Comprometa-se com uma cadência mensal de revisão do plano.
  6. Trabalhe em silêncio até que o resultado fale por si.
É assim que se constrói liderança: com antecipação, método e uma boa dose de teimosia inteligente. Construa autoridade antes que o tema exploda na opinião pública.

Porque, sejamos sinceros: nesta terra gerida pelos mordomos de Gondar ("Can I go to the bank?"), Ninguém espera que alguém faça alguma coisa. Justamente por isso, quem começar — e começar já — pode muito bem ser quem vai definir o debate daqui a cinco anos.

" morno, confortável, inofensivo — mas também irrelevante."



Ontem, ao final da tarde, ao terminar mais um workshop no âmbito de um Lead Auditor Course, aparece o exercício sobre o cuidado com a forma como os auditores escrevem os seus relatórios.

Um dos cuidados é o evitar as palavras "weasel", palavras do género:
"It is possible that..." - Instead, be specific about the findings and their implications. 
"There may be a chance that..." - Replace with concrete observations and recommendations.
"It appears that..." - Offer clear evidence and substantiation for your claims.
"Some individuals might argue that..." - State your findings directly without referring to hypothetical opinions.
"It could be suggested that..." - Present the information as fact, not as a suggestion. "In some cases, ..." - Specify the cases and provide details.
"There seems to be a problem with..." - Describe the problem explicitly.
"It is generally believed that..." - Indicate who believes this and why."

Enquanto comentava este tipo de palavras, na minha mente apareceu a figura de mais um candidato do regime, Marques Mendes.

No caso de Marques Mendes, o padrão é semelhante: declarações tão vagas e cuidadosamente calibradas para não ferir ninguém, que acabam por não dizer nada de substância, são entertainment, em bom português: chouriços. É a versão política do “Melhoral: não faz bem, mas também não faz mal”.

Tal como numa auditoria, em que as palavras weasel reduzem a clareza e tornam impossível perceber o verdadeiro sentido das conclusões, este tipo de discurso impede o cidadão de identificar o que realmente conta: posição, responsabilidade e consequência. A mensagem fica sempre num território morno, confortável, inofensivo — mas também irrelevante. É uma forma de comunicar que protege quem fala, mas empobrece quem ouve.

E, tal como nos relatórios em que as weasel words minam a credibilidade de quem as usa, também aqui o efeito é semelhante: cria a sensação de que o orador está mais preocupado em não desagradar do que em liderar; mais focado em proteger a imagem do que em enfrentar realidades difíceis. Numa época em que o país precisa de escolhas claras e de coragem estratégica, o discurso que evita o impacte pode ser politicamente seguro, mas não acrescenta valor. Mantém tudo igual. Mantém tudo a flutuar. 

No fundo, as weasel words servem para adiar compromissos e diluir responsabilidades. E quando um candidato faz do “não comprometer ninguém” o seu principal princípio orientador, o resultado é previsível: uma política sem direcção, sem tensão criativa, sem transformação. Um estilo que tranquiliza, mas não mobiliza; que suaviza, mas não inspira; que comenta, mas não decide. A verdadeira pergunta é se, num país que precisa urgentemente de clareza e propósito, ainda há espaço para esta política-Melhoral, tão leve que nem aquece nem arrefece.

A verdade é que, sim, ainda vejo espaço para esta política em Portugal — um país de brandos costumes, de constantes adiamentos e onde a ambiguidade confortável muitas vezes substitui a decisão. Mas é justamente por isso que vale a pena trazer o exemplo das weasel words para a esfera pública: para recordarmos que, tal como nas auditorias, também na política a clareza não é um luxo — é uma responsabilidade.

E talvez esse seja o ponto central: enquanto continuarmos a aceitar discursos que não comprometem, também continuaremos a receber políticas que não transformam. A exigência começa em nós. A mudança, também. Se queremos líderes que falem claro, temos de começar por deixar claro que já não basta a leveza do "Melhoral". O país precisa de outra coisa: substância, propósito e coragem para dizer o que tem de ser dito, mesmo quando dói. Só assim deixaremos finalmente de flutuar.

 

sexta-feira, novembro 14, 2025

Curiosidade do dia

Ontem publiquei. Eu costumo avisar, sobre a evolução da produtividade laboral na Alemanha e nos Estados Unidos.

Agora, acresento algo que mão amiga me fez chegar. Os números não batem com os de Eu costumo avisar.

Há sempre maneiras de dourar a pílula.


Aproveitar aquilo que faz a diferença

Há dias ouvi uma apresentação de Rory Sutherland onde ele tecia considerações acerca das empresas familiares. 

"When you're a family-owned business, you're focused on your customers. You're not focused on your shareholders."

As empresas familiares tendem a orientar-se mais para a satisfação e lealdade do cliente do que para as métricas financeiras de curto prazo que dominam as empresas cotadas. Isso cria relações mais humanas e de longo prazo com os consumidores. 

"A family-owned business can think of life over multiple time scales... They're not completely fixated on the next quarter."

As empresas familiares planeiam em horizontes temporais mais amplos — pensam em décadas, não em trimestres. Podem investir em reputação, qualidade e inovação sem a pressão constante de apresentar lucros imediatos aos accionistas.

"A customer focus means that you're rooted in the real world. A shareholder focus means you're focused on artificially bad proxy metrics."

Ao focarem-se no cliente, as empresas familiares mantêm-se ligadas à realidade concreta do mercado e das pessoas. As empresas grandes, pelo contrário, baseiam-se em indicadores e métricas financeiras abstractas que muitas vezes distorcem a realidade.

"Customers are increasingly finding dealing with large organizations fundamentally psychopathic... the entire focus is around efficiency, not the quality of a long-term relationship."

As empresas familiares cultivam uma cultura mais empática e relacional, em contraste com a desumanização e o foco exclusivo na eficiência típica das grandes corporações.

Num tempo em que a tecnologia acelera tudo e a procura de eficiência se tornou quase uma obsessão, o factor humano continua a ser o ponto de equilíbrio. Recentrar a atenção no cliente real, nas relações que perduram e na criação de valor que resiste ao tempo pode ser a melhor estratégia para navegar um futuro incerto — e talvez o único antídoto contra a crescente desumanização que tantos já começam a sentir.

Em 2017, em Strategy is Context Sensitive escrevi:

"Acerca da velha mania dos ignorantes teimarem em querer que as PME apliquem as mesmas receitas que as empresas grandes e queridas das revistas de gestão. O que funciona para umas é veneno para as outras."

Recordo também, de 2015, Cuidado com o título.