Nos últimos dias, os algoritmos têm-me mostrado várias vezes uma informação que já tinha comentado aqui em Março passado.
"Sem água potável já em 2025":
"Portugal e Espanha serão os dois países europeus mais afectados pelo aquecimento global em 2025, ano em que não haverá água potável na Península Ibérica, segundo previsões das Nações Unidas. A escassez dos recursos hídricos, provocada pelo aumento da temperatura, resultado do aquecimento, afectará milhões."
Agora quero comentar o tema sob outra perspectiva.
Quando um cidadão comum olha para estas previsões de 2008 — feitas por meteorologistas reputados e publicadas no jornal mais vendido do País — e as compara à realidade de 2025, é inevitável sentir um abalo de confiança na ciência e nas universidades.
Quando a realidade não corresponde, mesmo parcialmente, ao que foi anunciado, instala-se uma dúvida corrosiva: “Então, afinal, a ciência falha?” Ou pior: “Os especialistas exageraram?”
O efeito disto é profundo. Um cidadão sente-se enganado não quando a ciência muda de opinião — isso é normal e saudável — mas quando a ciência comunica previsão como se fosse destino, possibilidade como se fosse inevitabilidade. Em 2008, a retórica dominante não deixou espaço para a incerteza, nem para explicar que os modelos climáticos não são calendários, nem funcionam com datas exactas. Ao não distinguir cenários plausíveis de factos garantidos, a comunicação científica minou a sua própria credibilidade.
E aqui está o perigo: quando as pessoas perdem confiança na ciência por causa de previsões que não se cumprem exactamente como anunciadas, perdem também confiança nas universidades, nos investigadores e na própria ideia de conhecimento especializado. Abre-se espaço para cinismo, para uma espécie de cansaço moral: “Já disseram tantas vezes que o mundo ia acabar — porque é que agora haveríamos de acreditar?” É uma erosão silenciosa, mas poderosa.
Quando escrevo um relatório de auditoria, incluo sempre a nota de que as conclusões se baseiam numa amostragem da realidade e, por isso, implicam inevitavelmente um grau de incerteza. Não o faço para me proteger; faço-o para honrar a realidade. A ciência, que vive (ou devia viver) precisamente dessa relação honesta com a incerteza, não deveria voltar a explicitar esse compromisso nas suas próprias conclusões?
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