Parte I,
parte II, parte III e parte IV.
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Há mais de 13 anos que conheço o J. foi no âmbito de um projecto em que eu era o consultor e, o J. era o responsável do sistema de gestão da qualidade de uma empresa. Desde então, com alguma frequência, e na companhia de outro amigo que tinha conhecido no ano anterior, o Aranha, realizamos um jantar de francesinha, para pôr a conversa em dia.
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No entanto, só recentemente no Facebook é que percebi que o J. tem um hobby, pega em aquários de vidro e cria obras de arte:
Julgo que não estou a cometer nenhum erro ao chamar a este tipo de aquário um aquário "plantado", porque o J. planta verdadeiras florestas mergulhadas, verdadeiros ecossistemas vivos. Um aquário como o da foto não resulta de comprar peças e juntá-las. É preciso jogar com a sensibilidade das plantas, com a dose certa de nutrientes, com a dose certa de luz, com a dose certa de CO2, com a dose certa de cálcio, se o aquário tiver camarões como os do J. costumam ter. É preciso ciência e arte para jogar com todos estes parâmetros e muitos mais, para criar um ecossistema vivo e saudável.
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Tive de marcar uma francesinha a dois para conhecer melhor esta faceta do J.
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O J. contou-me que os pais tinham uma loja de animais de estimação. Depois, com a chegada dos centros comerciais, primeiro, e das vendas online depois, acabaram por ter de fechar a loja. O J. é o primeiro a contar que muitas vezes tentou convencer o pai a deixar a prática antiga de ser uma loja generalista, uma loja que tem tudo para todos e, passar a ser uma loja especializada em algo que os "chineses" do sector não pudessem oferecer. Infelizmente não teve sucesso nessa missionação.
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O J. começou a interessar-se pelos aquários plantados e a fazer algumas experiências. Bateu contra a parede algumas vezes e nunca desistiu. Depois, começou a pesquisar, a estudar e a ler (o que surpreendentemente poucos fazem) o que conseguia encontrar na internet sobre o tema. É interessante perceber que estamos a falar com um habitante de Mongo, um típico membro de uma tribo, alguém capaz de:
- referir a importância do caudal de CO2 que bomba para o aquário em função do volume do mesmo;
- alterar o padrão de agitação da água consoante se se está de dia ou de noite, porque de noite as plantas não consomem CO2 e o excesso de CO2 pode matar os peixes;
- dissertar sobre o padrão de iluminação, os comprimentos de onda mais adequados para o melhor crescimento das plantas num aquário;
- discutir sobre a potência de iluminação em função da altura do aquário;
- apresentar o resultado dos seus estudos sobre os macronutrientes e micronutrientes e, como começou a preparar as suas próprias receitas de fertilizantes;
- entusiasmar-se com as diferentes técnicas de crescimento inicial das plantas e, porque prefere o "dry start" a outras;
E, quando tentamos não fazer figura de ignorantes e referimos algo que ouvimos há anos sobre a introdução de peixes em aquários, o J., em duas penadas, leva facilmente um engenheiro químico a perceber que esse conselho está completamente errado... pois, nitritos.
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Ontem à noite, com base no que apanhei da interessante conversa, desenhei um canvas para um modelo de negócio baseado na arte dos aquários plantados:
O J. tem uma vida estabilizada e não tem ideia de transformar o seu hobby num negócio. No entanto, um dia que queira, desde que não pense pequeno e se limite ao mercado nacional...
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Neste caso, comecei o canvas pela proposta de valor, o que é que o J. pode oferecer? Aquários "plantados", hitec (acho que é isto que chamam quando há introdução de CO2 num aquário), verdadeiras obras de arte. Para quem, quem serão os clientes, particulares entusiastas deste tipo de aquário e lojas que podem servir de intermediários para a venda de aquários, para a venda das combinações de fertilizantes feitas pelo J., que podem organizar workshops onde o J. pode lançar mais gente na arte, que podem servir de ligação com clientes que precisam de manutenção planeada (negócio de subscrição) ou manutenção de emergência (por exemplo, salvar um aquário da invasão de algas). Como se vê, tem claramente potencial para ser mais do que um hobby, tais as fontes de rendimento que se descobrem sem grande reflexão.
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Por que coloquei o "postit" "zoos" no bloco dos parceiros? Foi um desafio que lancei ao J. Quando vamos a um zoo como o da Maia, ou o de Avintes, não seria bom ter por lá uns aquários plantados "made by J." com espécies animais num ecossistema muito mais bonito do que aqueles que vemos? Os milhares de visitantes ficariam a conhecer a referência do J. Por cada 10000 visitantes, quantos visitariam o site do J. e seriam tentados a fazer um workshop ou a encomendar um aquário?
Enquadrei esta história sobre a arte do J. nesta série, pois é mais um exemplo do que se passa em tantos e tantos sectores em que a oferta, comoditizada, é demasiado homogénea. Em qualquer sector, existe uma parte do mercado que está
underserved:
O grosso do mercado, clientes overserved, é servido pelas lojas dos centros comerciais com funcionários ignorantes. O J. defende-os, são ignorantes porque ganham pouco e o patrão não lhes arranja formação. Não nego nada disso! No entanto, rematei logo:
- Mas também são míopes! Se vissem um bocadinho mais à frente, estudavam, apaixonavam-se por algo e deixavam de ser vendedores e passavam a ser consultores de compra. Passavam a ser empregados mais valiosos e cobiçados pelos patrões actuais ou futuros.
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Durante o jantar até lhe recordei a história do
Pedro Lomba e a do
El Corte Ingles.
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No entanto, haverá sempre uma parte do mercado que fica underserved e não pode ser servida pelas lojas dos centros comerciais. E com a internet, o
truque alemão pode ser seguido por muito mais gente (definir um alvo-premium e viajar pelo mundo a servir esse tipo de cliente).
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O que o exemplo de J. me recorda são as sábias palavras de
Suzzane Berger:
"… there are no “sunset” industries condemned to disappear in high wage economies, although there are certainly sunset and condemned strategies, among them building a business on the advantages to be gained by cheap labor"
Costumo escrever aqui no blogue que
há sempre uma alternativa, para uma situação em que um negócio parece não ter futuro. Ontem, via Twitter, descobri esta
citação:
"There's always a choice, say the Sisters, but there's always a twist..."
As Sisters são o equivalente na mitologia nórdica às 3 irmãs que na mitologia grega criavam, teciam e cortavam a linha da vida dos humanos, as Parcas da minha infância.