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terça-feira, novembro 18, 2025

No bom caminho, tudo indica.

Há cerca de um ano escrevi "A incapacidade de calçar os sapatos do outro". 

Nesse postal critiquei a postura de parte da indústria portuguesa — particularmente no sector das conservas de peixe — que buscava restringir as importações, em vez de se concentrar em diferenciar produto, valor e posicionamento internacional. Muitas empresas e associações continuam a agir como vítimas, exigindo protecções ou limitação do mercado externo, em vez de “calçar os sapatos dos outros” — entender a perspectiva do cliente e do mercado global.

Desviam a atenção, precioso bem escasso, do verdadeiro caminho para o crescimento sustentável, que é apostar em valor acrescentado, inovação, qualidade, sustentabilidade e expansão para mercados exigentes, em vez de se fixar em volume ou em batalhas proteccionistas. Em suma: sairmos da mentalidade de “somos melhores porque somos nacionais” e entrarmos na mentalidade de "temos de ser melhores porque competimos globalmente".

Agora no JdN encontro um artigo que conta uma realidade muito mais positiva, "Conservas com recorde de exportações à vista tem EUA em expansão e Japão na mira". O que me merece especial destaque? Isto:
"Por produto, o atum continua a ser o produto-âncora, representando mais de 45% do total das exportações. Já as conservas de sardinha “destacaram-se em 2025, com um aumento de 73% em volume, [Moi ici: Pode até ser algo negativo, em função da evolução do preço médio] impulsionado pela certificação MSC” [Moi ici: Marine Stewardship Council] (rastreabilidade e sustentabilidade das pescarias ibéricas). 
...
Depois de ter realizado, nos primeiros seis meses deste ano, "exportações-piloto", associadas ao lançamento na Expo Osaka, e "com acordos em fase de negociação com distribuidores japoneses", o presidente da ANICP estima um "potencial" de vendas para este país da ordem dos cinco milhões de euros anuais, "sobretudo em gamas 'premium' e certificadas MSC, direcionadas a consumo 'gourmet' e hotelaria"
O impacto da certificação MSC é significativo, porquanto a obtenção do selo azul para a pescaria da sardinha permite, segundo estimativas da ANICP, "acrescentar entre 10% e 15% de valor médio por tonelada exportada, elevando a receita média por volume e forçando um reposicionamento para nichos de maior valor acrescentado", nota Freitas."

Ou seja, tudo indica subida na escala de valor.




domingo, outubro 26, 2025

Directo do PCF para a FN, ou da CDU para o Chega

Aqui:

Entretanto fui consultar as estatísticas do IEFP para o desemprego no sector da construção e ... o desemprego subiu de Agosto para Setembro.

Há anos que ouvimos que faltam trabalhadores. Por exemplo: 
Já escrevi sobre isto por causa das paletes:
Em economias capitalistas, a mão-de-obra deve ser entendida como um mercado em que se encontram a oferta — os trabalhadores — e a procura — as empresas. Dizer que “nunca falta mão-de-obra” significa reconhecer que há sempre pessoas capazes de trabalhar; o que sucede é que podem não estar dispostas a fazê-lo nas condições oferecidas, seja no salário, no horário, nos benefícios ou na dignidade do trabalho. 

O que, na realidade, “falta” é a capacidade das empresas oferecerem um preço ou condições que tornem o trabalho atractivo para essas pessoas.

Nos modelos clássicos do mercado de trabalho, o desemprego involuntário não existe: sempre que há procura, seria o ajustamento salarial a resolver a escassez. (Por isso escrevi, ingenuamente, que todos viriamos a ser Figos). Todavia, os salários não são infinitamente flexíveis por razões sociais, legais e políticas. Surge aqui o conceito de salário de reserva: cada trabalhador tem um nível mínimo abaixo do qual prefere não trabalhar. Quando o salário oferecido se situa abaixo desse patamar, a empresa interpreta o fenómeno como “falta de mão-de-obra”. 

A teoria marxista fala, neste contexto, em “exército industrial de reserva”, isto é, trabalhadores disponíveis que não aceitam — ou a quem não é oferecido — trabalho a qualquer preço. Por sua vez, a economia institucional e a comportamental acrescentam que não é apenas o preço que conta: pesam igualmente as condições de trabalho, a segurança, o estatuto social e as possibilidades de progressão. Por isso escrevi a série sobre a Matsukawa Rapyarn.

A evidência empírica confirma esta perspectiva. Nos sectores de baixos salários, como a agricultura, a hotelaria ou a restauração, é frequente ouvir-se que “falta mão-de-obra”. Porém, os estudos demonstram que a escassez é relativa: sempre que os salários e as condições melhoram, surgem candidatos. Também a migração laboral é reveladora: quando um país afirma “precisar de mão-de-obra”, o que frequentemente faz é importar trabalhadores estrangeiros dispostos a aceitar salários ou condições que os locais rejeitam. Isto reforça a ideia de que não se trata de uma falta absoluta, mas antes de uma questão relativa quanto ao preço oferecido. Um exemplo recente encontra-se nos Estados Unidos, no período pós-pandemia, em que muitos restaurantes e hotéis se queixavam da falta de trabalhadores. Pesquisas publicadas, por exemplo, na Harvard Business Review e no Brookings Institution mostraram que, ao aumentarem salários e oferecerem benefícios, essas empresas conseguiram contratar.

Em economias capitalistas, as “escassezes” de mão-de-obra são muitas vezes relativas e não absolutas. O que é percecionado como falta de trabalhadores resulta, em grande número de casos, da incapacidade ou da falta de vontade das empresas em oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores.

E quando as empresas não conseguem oferecer salários e condições de trabalho que correspondam ao salário de reserva ou às expectativas dos trabalhadores isso é um sinal de que deviam morrer de morte natural, para que os recursos nelas enterrados fossem melhor aplicados para a sociedade em outros projectos. Os governos optam por mantê-las em coma, as zombies.


"a substantial part of shortage occupations are not particularly highly skilled, but rather consist of strenuous and low-paid work
...
within the group of industries where high levels of shortage were reported in 2023, there is a clear pattern that shortages are higher where wages are relatively lower
...
wages tend to increase as shortages rise
...
shortages are aggravated by bad quality jobs and that raising job quality is a way to compete for labour"
"We find that individual wages increase faster in tight labour markets, confirming that firms have to pay more if they want to attract or retain workers.
...
The effect of labour market tightness on wage growth is stronger at the bottom of the wage distribution, suggesting that low-wage workers gain relatively more from tight labour markets.
...
Occupations in science, technology, engineering and mathematics (STEM) show particularly pronounced wage effects from tightness, whereas in regulated occupations such as health care, effects are much weaker.
...
Labour market tightness translates into wage growth, indicating that shortages are not absolute but relative to the wage and working conditions firms are willing to offer."
"Labour shortages occur when demand for labour exceeds supply at prevailing wages and working conditions. They are not absolute scarcities of workers.
...
Standard economic theory predicts that in such situations wages should rise, reducing shortages as more people are willing to work at the higher wage.
...
Shortages often reflect poor job quality - low pay, limited career prospects, difficult working conditions - rather than a lack of available workers."

Em "When upskilling is good but not enough: Understanding labour shortages through a job-quality lens" (interessante aqui a ponte para o nosso SNS) pode ler-se:

"workers may be unwilling to enter or stay in due to poor job quality in terms of pay and non-pay aspects, including job insecurity, inflexible hours arrangements, strenuous working conditions, and physical and mental health risks.

...

The sectors with the strongest shortages show stagnating or even declining real wages, discouraging potential applicants.

...

These jobs are disproportionately filled by women and migrants, groups with less bargaining power and more often employed under precarious contracts."

Deste último artigo deixo para reflexão este parágrafo:

"Another driver, which is often overlooked, is the relatively low attractiveness of many of the jobs affected by high shortages (Causa et al. 2025). This pertains to poor job quality, in terms of pay and non-pay conditions, reducing individuals’ incentives to enter or stay in these jobs – especially contact-intensive jobs in areas such as health and personal care, hospitality, and transportation. Some of the occupations and sectors that exhibit shortages are characterised by stagnating real wages and poor job quality, high incidence of shift work and temporary contracts, and higher-than-average exposure to mental and physical risks. Such characteristics can deter workers from entering or remaining employed, especially in healthcare, transportation and storage, accommodation and food, and construction."

De "Labour shortages and labour market inequalities: evidence and policy implications" retiro só uma citação, para evitar continuar a repetir-me:

"What is often described as a lack of workers is, in reality, a lack of jobs that workers are willing to take at the wages and conditions offered."

Percebo cada vez melhor porque os operários e trabalhadores rurais saltaram directamente dos partidos de esquerda para o Chega ... quem os defende? 

E volto ao último texto que li na A4 antes do primeiro lockdown.

terça-feira, setembro 30, 2025

Tratados como Figos (parte I)


No FT de ontem encontrei este artigo, "Why Japan is sprucing up its shabby offices."

Gosto de ler o que encontro sobre a economia japonesa por causa da demografia. Gosto de perceber como um país com um desafio demográfico, todos os anos o mercado de trabalho encolhe 600 mil trabalhadores, o ultrapassa.

Houve um tempo em que ingenuamente também eu pensava que seguiríamos por essa via. É uma via que valoriza os trabalhadores. Tudo o que é escasso é valioso. Ao longo dos anos percebi que os trabalhadores em Portugal nunca serão tratados como Figos (Comecei a usar a metáfora do Figo ainda antes do Ronaldo aparecer, são muitos anos). A importação de paletes de mão de obra barata resolve o problema. Esta solução tem duas consequências, ... aliás, três consequências.

Primeiro, os trabalhadores nunca serão tratados como Figos e o seu poder negocial baixará à medida que a importação progride. BTW, segundo o artigo, no Japão:
"Matsukawa Rapyarn is one of thousands of Japanese companies pouring money into office makeovers, as the battle to attract workers becomes fiercer than ever.
...
Employees' power to choose where they work is forcing companies to fight to attract them, propelling once-unthinkable shifts in management behaviour."

Segundo, como as empresas não têm de competir a sério por trabalhadores, sentem menos um stress para subir na escala de valor, sobretudo se trabalham para o mercado nacional.

Terceiro, sem subida na escala de valor as empresas não podem pagar bons salários a quem tem potencial, e isso contribui para mandar essas pessoas para a emigração.

O mesmo FT trazia também um outro artigo sobre Espanha, "Spain has become Europe's standout economy." 
O artigo retrata a Espanha como a economia de maior destaque da Europa, crescendo a uma média anual de 3% desde 2024, bem acima da média da zona euro (cerca de 1%). A recuperação do turismo, os fundos europeus e o investimento em energias renováveis têm ajudado, mas o principal motor tem sido a imigração: desde 2022, entraram cerca de 600 mil imigrantes por ano, maioritariamente em idade activa, o que impulsionou o emprego e o consumo.
No entanto, o artigo alerta que este crescimento precisa de ser acompanhado por ganhos de produtividade, caso contrário os níveis de vida podem estagnar. A maioria dos migrantes tem ocupado empregos de baixos salários em setores como hotelaria e construção.
"For all its success so far, the immigrant-led growth boom must be managed carefully. First, although Spain's real GDP, on a purchasing power parity basis, has risen by about 6.8 per cent since 2019, in per capita terms it has grown by just 3.1 per cent. Migrants have mainly filled gaps in lower valueadded sectors, including hospitality and construction. To ensure living standards also grow, Spain's languid productivity growth needs to improve too."
Espanha e Portugal nisto são como irmãos gémeos. Não há subida na escala de valor, não aumenta a produtividade.

Voltemos ao artigo "Why Japan is sprucing up its shabby offices." O artigo descreve como a empresa têxtil japonesa Matsukawa Rapyran (com mais de 100 anos de história) sobreviveu à crise de atractividade no mercado de trabalho através da renovação do espaço físico e da modernização das condições oferecidas aos trabalhadores.
A remodelação das instalações (mobiliário moderno, cantina elegante, zonas de descanso) não só melhorou a imagem da empresa, como teve um impacte directo no recrutamento e retenção de pessoal, ajudando a competir num contexto de forte escassez de mão-de-obra no Japão, agravada pela demografia e pela pandemia.
O caso é apresentado como exemplo de uma tendência mais ampla: as empresas japonesas estão a investir em espaços de trabalho mais atractivos (e também em benefícios como subsídios de habitação, redução de horas de trabalho, empréstimos a estudantes) para enfrentar a falta de trabalhadores e garantir sobrevivência e crescimento.

Sabem o que me despertou mais curiosidade neste artigo? O terceiro parágrafo:
"The encounter prompted the 66-year old to invest Y460mn ($3.1mn) in anew office for the company's 95 employees. It was a huge sum for the family-owned Matsukawa Rapyarn. But in the most labour-constrained prefecture of the world's most aged country, this was no run-of-the-mill renovation. The sleek wooden furniture, café canteen and relaxation areas represented a decisive move in a fight to secure the 100-year old textile manufacturer's survival."

Uma empresa japonesa ainda a operar no sector têxtil. Vale a pena investigar.

Continua.

quarta-feira, setembro 24, 2025

Estratégia industrial ... mais socialismo



No passado dia 17 de Setembro o FT trazia um artigo de Andy Haldane, ex-economista-chefe do Banco de Inglaterra, "Industrial strategy needs more than stars."
"Industrial strategies are all the rage around the world. The prompt for this newfound passion has been the combination of lacklustre growth in many western economies and the apparent success of such strategies in stimulating growth in much of Asia, from South Korea to Singapore.
The resulting plans come in many flavours. But one feature common to them all is their focus on a set of "superstar" sectors. Strategy is about making choices so that support can be provided at scale. In a tight fiscal environment, backing only those sectors with the greatest potential sounds like a prudent and purposive way to stimulate growth." [Moi ici: Lembro-me de Pedro Nuno Santos ter avançado algo deste tipo quando subiu a número um do PS]

Haldane chama a atenção para a chamada “everyday economy”: saúde, educação, retalho, hotelaria, distribuição, construção. É aí que trabalha a maioria dos britânicos, mas é aí que a política industrial raramente olha. Apostar apenas nas indústrias da moda não gera inclusão nem resolve problemas de bem-estar. Pior: mantém o vício do Estado em querer substituir o mercado na escolha de vencedores.

Escrevi várias vezes sobre este tema. Em Picking winners (2017) critiquei a tentação recorrente dos governos de tentar proteger empresas ou sectores “estratégicos”. A história mostra que quase sempre sai caro: congela a inovação, atrasa a renovação natural do tecido empresarial e deixa recursos presos em modelos ultrapassados.

Em Big Man economy (2007) recordava como a ideia de salvar empresas decadentes impede a entrada de novos actores mais ágeis e inovadores. A economia precisa de destruição criativa — de deixar morrer os que não se adaptam para que novos surjam. Nunca esquecer Daniel bessa e aquele tenebroso aviso:

"faltou sempre o dinheiro que o "Portugal profundo" preferiu gastar na "ajuda" a "empresas em situação económica difícil"

Ontem, quase que escrevi que aquela notícia:

"German conglomerate Thyssenkrupp has announced that it has received a non-binding offer to acquire its steel division, Thyssenkrupp Steel Europe (TKSE), from Indian group Jindal Steel International, part of the Naveen Jindal Group." 

Seria motivo para manifestações, debates na assembleia, jantares emotivos, tudo para salvar mais um campeão nacional. 

Em In a stagnant economy (2021) sublinhava que, quando os governos se dedicam a sustentar campeões escolhidos, o resultado é estagnação. O mercado é um mecanismo de descoberta. Não há planos quinquenais nem gabinetes ministeriais capazes de antecipar que empresas vão ser bem-sucedidas daqui a dez anos.

O que Haldane mostra — a ilusão de que os sectores “superstar” vão sustentar tudo — é, no fundo, a mesma lógica do socialismo económico: substituir a selecção natural do mercado por escolhas políticas. Os resultados estão à vista: recursos mal alocados, produtividade baixa, crescimento anémico.

A alternativa não é não fazer nada. O papel do Estado deve ser outro: proteger as pessoas, não as empresas. Em 2008 em "Como eu olho para a crise" escrevi:

"Eu, que não tenho a informação que têm os governos, e que não tenho medo de eleições que não disputo, proporia uma receita diferente.

Apoio mínimo às empresas de qualquer sector, os consumidores que decidam quem tem direito a sobreviver como empresa.

Em contrapartida, apoio máximo às pessoas e sobretudo aos desempregados."

Garantir um “chão seguro” e, sobretudo, reconstruir escadas de oportunidade, de progressão — oportunidades de requalificação, mobilidade social, infraestruturas locais que permitam às pessoas reinventar-se quando as empresas desaparecem. É aqui que o investimento público faz sentido: não para escolher vencedores, mas para permitir que o mercado faça a selecção natural, sabendo que os trabalhadores não ficam presos sem saída.

sábado, setembro 13, 2025

Música para os meus ouvidos e os outros

No JdN da passada terça-feira encontrei "Quinta da Alorna olha para a hotelaria para puxar pelo vinho."

Ao longo dos anos tenho aqui criticado, vezes sem conta, a obsessão do sector do vinho pelo crescimento em volume. Chamei-lhe crescimento canceroso (2018), denunciei a ilusão de que a média que engana muito (2018), avisei contra a corrida para o fundo (race to the bottom) quando o orgulho nacional era reduzir tudo a good value for money.

O problema está identificado: Portugal exporta vinhos bons, mas baratos, por isso somos pobres. A tal “boa compra” que nos enche de vaidade, mas que nos condena à irrelevância nos mercados onde o prestígio e o valor acrescentado decidem quem conta e quem não conta. Produzir muito e barato nunca deu reputação a ninguém.

Por isso, é refrescante ver a notícia recente sobre a Quinta da Alorna. Ao contrário de tantos outros, não cedeu à tentação do volume. A meta não é inundar o mercado com mais garrafas. A meta é subir na escala de valor: crescer em qualidade, em diferenciação, em posicionamento. Como disse o diretor-geral Pedro Lufinha, “o volume de vendas deixou de ser uma variável em termos de prémios de gestores”. Eis música para os meus ouvidos.

O resultado já se vê: vendem praticamente o mesmo número de garrafas que em 2021, mas com um peso muito maior de vinhos de categorias superiores. Ou seja, mais receita, mais margem, mais prestígio – sem precisar de despejar milhões de litros adicionais no mercado. Exactamente o caminho que tantas vezes defendi: aumentar preços, subir na escala de valor, deixar de correr atrás de métricas de vaidade que só enganam.

Claro que nem tudo é vinho. O artigo chama a atenção para o milho como incógnita que pode comprometer as contas. E aqui volta o velho problema: o milho é uma commodity sem marca, sem história, sem diferenciação. O seu preço é ditado em bolsas internacionais e o produtor é sempre o elo mais fraco. Não posso deixar de perguntar: por que não substituir esse milho por culturas de maior valor acrescentado, mais alinhadas com a filosofia de diferenciação que já adoptaram no vinho?

No entanto, o essencial é isto: a Quinta da Alorna percebeu que o futuro não está em ser campeã do litro barato, mas em ser reconhecida pela qualidade e pela experiência. Nisso, está a dar um exemplo que merecia ser seguido por muito mais gente no sector. Porque, como escrevi há anos, “um país bag in box, de produtores mal pagos, será sempre um país sem futuro”. Mas um país de produtores que ousam subir na escala de valor pode finalmente aspirar a mais do que sobreviver: pode aspirar a ser respeitado.


"Os 544,65 milhões de euros em vinho de Portugal enviados para o estrangeiro nos primeiros sete meses deste ano ficaram 0,5% abaixo do registo homólogo. Até se compraram mais litros (+2,7%), mas a um valor médio inferior. Caiu de 2,73 para 2,65 euros no espaço de um ano (-3,16%), com a "forte redução do preço médio nos EUA a contribuir decisivamente para a descida do preço médio global das exportações portuguesas de vinho", enquadra Falcão.
Até 2030, a meta fixada pela ViniPortugal passa por alcançar 1,2 mil milhões de euros em exportações e aumentar o preço médio para 3.19 euros por litro. O líder da organização diz ao ECO que mantém esses objetivos, embora "naturalmente [esteja] a rever e a ajustar a estratégia de promoção para dar resposta aos novos desafios e circunstâncias de mercado"."  

segunda-feira, junho 30, 2025

Curiosidade do dia

Segundo o DN:

"A quebra na procura e o aumento da inflação, que tem feito disparar os custos, estão a fazer soar alarmes no negócio da restauração. Os empresários dizem que estão a ficar com a corda no pescoço e, sem capacidade para suportar as despesas do dia-adia, muitos já falham o pagamento das linhas de crédito concedidas durante a ndemia. O alerta é dado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de tugal (AHRESP), que tem recebido diversos pedidos de ajuda por parte dos restaurantes."

O alerta é dado pela AHRESP… mas é dado para quem? Para o governo, que andou a distribuir linhas de crédito como quem distribui pastéis de nata, sem perguntar quem ia pagar a conta no fim? Para o ministro da Economia, que celebra recordes no turismo enquanto os restaurantes acumulam prejuízos? Ou para a própria AHRESP, que parece surpreendida por um sector assente em mão-de-obra barata, rendas absurdas e margens apertadas estar agora a sufocar? 

Cheira-me a mais impostos sobre os contribuintes para fazer o bail out deste sector estratégico.

Tanto turista, tanta esplanada cheia, tanta fila à porta do brunch… e afinal os restaurantes estão com a corda ao pescoço?

quarta-feira, abril 23, 2025

Curiosidade do dia

O FT do passado dia 21 de Abril trazia um artigo, "Hospitality turns to baby boomers to ease staff shortage", que podia ser enviado ao sector do turismo português logo no dia em que o presidente da Confederação do Turismo aparece no JdN.

"Now, hospitality, once a long-hour, hard-graft, high-turnover culture, has evolved to be a more flexible working environment and as a result, is drawing more older workers back. Employers say they are attracted by the wide range of roles the industry offers as well as the social element. They have found hiring more in this age group boosts staff retention rates compared with, for example, more transient younger people and students.

...

Some of the UK's biggest hospitality companies are now directly targeting older workers. Pub and hotel chain, Fuller's, for example, has partnered with Rest Less, an over-50s digital community and job site and has adapted its recruitment strategy to attract this cohort."

O sector da hotelaria no Reino Unido está a tornar-se um dos principais empregadores para pessoas com mais de 50 anos, oferecendo flexibilidade, sentido de propósito e conexão social, especialmente após a reforma ou mudanças de carreira. 

O número de trabalhadores com mais de 50 anos aumentou significativamente no sector da hospitalidade O sector apresenta a segunda maior taxa de crescimento de emprego para este grupo etário, atrás apenas do "care sector".

As empresas reconhecem o valor da experiência, responsabilidade e capacidade de adaptação dos profissionais seniores. E estes continuam activos, encontram um novo propósito ou complementam rendimentos após a reforma. 

Recordo Depois não se venham queixar das empresas zombies (parte II)

domingo, fevereiro 09, 2025

Curiosidade do dia

A secretária-geral da AHRESP tem boa imprensa por isso não encontro nenhuma crítica a esta estória.

No semanário Expresso num artigo intitulado "Adeus, empregado de mesa. Olá, assistente de sala" podem ler-se coisas que se fossem ditas por outra pessoa seriam motivo para escárnio e maldizer. 

"Uma das profissões mais mal amadas no turismo, a de empregado de mesa, terminou oficialmente, e deu lugar ao novo cargo de 'assistente de sala'. Esta alteração, que resultou do acordo para a negociação do contrato coletivo de trabalho entre a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e o Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Serviços (Sitese), faz parte de um esforço para a valorização de carreiras num negócio onde só a função de chefe parece ser sexy.

"Ninguém quer ser empregado de mesa, que também é um comunicador, tem competências que vão muito além da distribuição de pratos ao cliente" , frisa Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, considerando "redutora" a designação que "conferia a estes trabalhadores uma perceção errada, de subserviência, o que em nada se coaduna com a sua real importância, eles são a cara do restaurante."

É fascinante como, em Portugal, se acredita piamente no poder mágico da semântica para resolver problemas estruturais. A restauração paga mal, exige horários ingratos e oferece perspectivas de carreira limitadas, mas não faz mal - mudamos o nome e, de repente, tudo fica apelativo!

Afinal, quem não adoraria trocar um salário miserável e clientes mal-humorados por um título sonante? "Assistente de sala" soa quase a algo saído de um qualquer departamento de luxo, talvez até com direito a um crachá reluzente. Mas, surpresa das surpresas, o prato continua a ter de ser posto na mesa, a gorjeta continua a ser incerta, e a precariedade continua a ser a rainha do sector. Mas não sejamos cínicos. Com esta mudança visionária, quem sabe se, na próxima revisão do contrato colectivo, não poderemos aspirar a "Gestor de Experiência Gastronómica"? Assim, pelo menos, quando for altura de emigrar para um país onde este trabalho seja devidamente pago, o CV ficará mais bonito. 

Nota 1: A restauração paga mal, exige horários ingratos e oferece perspetivas de carreira limitadas – não porque os patrões sejam vilões de histórias de exploração laboral, mas porque a própria natureza do negócio não permite muito mais. Os custos fixos são elevados, as margens de lucro são apertadas e, numa economia onde os consumidores procuram o preço mais baixo, a capacidade para aumentar salários sem comprometer a viabilidade do negócio é reduzida. Muitos restaurantes operam com dificuldades financeiras constantes, tentando equilibrar preços competitivos com os custos de matéria-prima, rendas elevadas e uma carga fiscal pesada. Além disso, a sazonalidade torna difícil a criação de contratos estáveis. No Verão e durante as épocas festivas, a procura dispara e exige equipas reforçadas, mas nos meses baixos, muitos estabelecimentos lutam para cobrir despesas, tornando inviável a contratação a termo incerto.

Nota 2: A propósito de algo que se lê no artigo, "Imigrantes são mais de 30% da força de trabalho", fico admirado. Só? Recordo "Imigrantes: efeitos positivos e negativos", a dependência da mão-de-obra imigrante de baixo custo pode suprimir os salários não só dos imigrantes, mas também dos trabalhadores locais, conduzindo potencialmente a um abandono da profissão pelos trabalhadores locais, e os imigrantes também não ficam por muito tempo, basta ler as últimas linhas deste postal recente, "Zombies à espera de um qualquer Milei num futuro ainda distante mas certo"

quinta-feira, julho 25, 2024

Curiosidade do dia

Na primeira página do Jornal do Fundão pode ler-se: "Empresários alertam Governo para quebra no setor do turismo":

""Temos empresários do ramo da restauração, da hotelaria e da distribuição a falarem em quebras que podem chegar aos 40%". ", relata o vice-presidente da AEBB, apreensivo com o que se está a passar e que será reflexo das dificuldades que as famílias estão a viver.

"O que está a aumentar é a procura pelos parques de campismo", anota Jorge Pessoa, explicando que o decréscimo da procura é transversal ao país, mas que é o Interior que mais se está a ressentir. A preocupação é partilhada por muitos empresarios e a Associação Empresarial da Beira Baixa promove nesta quinta-feira, um encontro no Parque Empresarial do Tortosendo para os empresários e instituições ligadas ao turismo avaliarem a situação e definirem medidas para apresentar ao secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado, num encontro que vão solicitar para o efeito."

This is Portugal!

Empresas têm um problema, em vez de uma reflexão sobre o que precisam de mudar, sobre o que podem fazer, porque têm o locus de controlo no exterior, recorrem ao papá-estado. 

terça-feira, maio 28, 2024

Curiosidade do dia

It's so weird. Seriously, so weird.

Quantas vezes por ano o JdN entrevista a secretária geral da AHRESP?  E de cada vez é logo uma porrada de páginas. Desta vez são cinco, sim cinco.

Come on. AHRESP quer dizer Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. Respirar fundo. Que outro líder associativo patronal consegue tamanha projecção no JdN?

É a secretária geral que pede estas entrevistas, ou é o jornal? Que é que isto nos diz sobre o país económico. Há dias ouvia Pedro Brinca dizer que o sistema fiscal promove um país de cabeleireiras e restauração. Parece que não é só o sistema fiscal.

Ainda se a secretária geral tivesse um discurso à prova de bala...

Faltam trabalhadores? Mesmo? Ou será que as empresas não geram capital suficiente para pagar um salário atraente?

"O salário mínimo previsto para o próximo ano é 855 euros. A UGT defende 890, a CGTP quer 1.000. O Governo fala em 1.000 no final da legislatura. Há capacidade para ir além dos 855?

Se tivermos um ambiente económico favorável, [Moi ici: Deixem-me contextualizar, um país a abarrotar de turistas] há capacidade, mas não podemos continuar a aumentar salários e continuarmos estrangulados com custos de contexto. Não se mede a produtividade, continuamos a não ter rácios para percebermos se as empresas podem continuar a subir salários sem nada como contrapartida. [Moi ici: O velho jogo do gato e do rato. Ainda está aí? Pensava que já estávamos noutro campeonato?] Nós não temos alternativa, se quisermos continuar a ter trabalhadores. E isto é um drama que não vai atenuar-se. Vamos entrar na época alta, e os empresários já se queixam que não têm trabalhadores. O mercado vai exigir que as empresas continuem a elevar os salários e andam a contratar trabalhadores uns aos outros. As empresas não têm alternativa, mas as mais pequenas não vão conseguir pagar esses salários."

Trecho retirado do JdN de ontem. 

segunda-feira, março 04, 2024

Leite, tomate e ... turismo, negócios não sustentáveis

Leite, tomate e ... turismo.

No caso do leite e do tomate percebo o que acontece e percebo o efeito pernicioso da intervenção governamental.



Dois negócios que competem pelo preço mais baixo quando não têm vantagem competitiva, ou seja, violam a primeira lei das Teoria dos Jogos: "Do not play a strictly dominated strategy"

Entretanto, no último número do Caderno de Economia do semanário Expresso apanho este título, "Aumento de custos preocupa hotelaria". 

Weird! Aumentam a facturação como nunca, aumentam os preços e as margens como nunca (e ainda bem) mas não conseguem acompanhar os custos?! 

Para mim é um sinal de que o modelo de negócio não é sustentável. Por que não encaram o problema de frente? Por que pedem aos contribuintes que financiem os seus projectos deficientemente suportados pelos seus clientes?


terça-feira, fevereiro 20, 2024

A troika fez maravilhas

Só entre 2014 e 2022 o número de hóteis em Lisboa terá crescido 50% e o número de quartos 70%.

Em 2007, no tempo em que o "dono disto tudo" reinava, talvez no auge do seu poder, tinhamos isto "Big Man economy em todo o seus esplendor".

Entretanto li algures:

"Os hoteleiros deram conta de aumentos no preço médio por quarto em todas as regiões de Portugal em 2023, com o preço médio nacional a situar-se nos 141 euros - um aumento de 18% face a 2022.

 Os dados resultam de um estudo conduzido pelo gabinete de estudos e estatísticas da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), que inquiriu 476 estabelecimentos hoteleiros entre 2 e 21 de janeiro de 2024.

O maior aumento no preço médio por quarto verificou-se no Alentejo, que em 2023 situou este índice nos 159 euros, numa subida de 29% face a 2022. Também em Lisboa o preço médio por quarto fixou-se nos 159 euros em 2023, contudo, a subida em relação ao ano anterior foi de 4%.

Na lista de maiores subidas do preço médio segue-se a Região Autónoma dos Açores, que ao colocar este indicador a 135 euros verificou uma subida de 25% face aos valores de 2022. Destaque também para a região Norte, cujo preço médio aumentou 21% em 2023 face a 2022, para 132 euros, e para a região Centro, cujo preço médio de 100 euros significou um aumento de 20% deste indicador em relação a 2022."

30 de julho de 2014 devia ser feriado nacional.

sábado, abril 22, 2023

Uma pergunta inocente

A propósito de "Multipessoal está a recrutar 200 para a hotelaria nos Países Baixos"

Uma pergunta inocente, mas inocente mesmo: estes 200 que vão trabalhar para os Países Baixos vão com salários tugas mais um cheirinho ou vão com salários holandeses?


domingo, novembro 13, 2022

Continuamos no país do Chapeleiro Louco.

No Dinheiro Vivo de ontem na entrevista com Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal em "Não é possível ter semana de quatro dias sem pessoas, é prematuro abrir a discussão" encontro no lead: 

"Falar da redução do período de trabalho numa atividade que serve 24 horas por dia, todos os dias do ano, é, para a vice-presidente executiva da AHP, um não-assunto. Numa altura em que vários setores do país se veem a braços sem trabalhadores, Cristina Siza Vieira defende que são precisos "emigrantes" e quer ver acelerados os acordos de mobilidade com os países da CPLP. Ao executivo de António Costa levanta o cartão vermelho por não ter inscrito no Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) maiores incentivos à criação de emprego e à melhoria dos salários dos trabalhadores. À TAP pede que evite as greves agendadas para dezembro e alerta sobre o impacto que a paralisação poderá ter no turismo neste fim de ano."

Primeiro, "não ter inscrito no Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) maiores incentivos à criação de emprego".  Estranho! Cristina Siza Vieira passa a entrevista a dizer que o país se vê a braços sem trabalhadores, que é preciso importar imigrantes, porque serão precisos incentivos à criação de emprego?

Segundo, "não ter inscrito no Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) maiores incentivos à melhoria dos salários dos trabalhadores". Estranho! Por que é que num país que se vê a braços sem trabalhadores, o orçamento de estado deveria apoiar a melhoria dos salários? Se uma empresa não consegue suportar a competição salarial deve fechar, deve permitir que os seus recursos sejam naturalmente melhor aproveitados por outros com produtividades superiores. 

Terceiro, "defende que são precisos "emigrantes". A tal externalização dos problemas. Não há trabalhadores? Importam-se! Mas depois também se importam necessidades que as empresas não querem assumir: "Ainda não tenho feedback positivo para dar. Não sei se teremos notícias para tão breve quanto desejariamos. Há outras situações que temos de resolver, como a questão da habitação, por exemplo. O grosso dos hotéis não tem capacidade de alojamento dos seus trabalhadores."


terça-feira, maio 17, 2022

Não acham estranho?

Há talvez uma dúzia de postais aqui no blog que registam momentos importantes no meu crescimento intelectual acerca da postura competitiva das PMEs. Quatro desses postais são:

No postal do Evangelho do Valor existem dois gráficos que mereciam ser mais conhecidos. Um sobre o papel destruidor dos descontos e o outro sobre o poder do aumento do preço.

Vamos olhar para este segundo sobre o aumento dos preços (a parte inferior da figura abaixo):

 

A curva é uma curva de isolucro. Ao longo da curva, para diferentes pesos dos custos variáveis no preço, quando se aumenta o preço perdem-se clientes, mas como se tem uma margem superior, quanto é que se pode perder e manter o mesmo nível de lucro? Por exemplo, se os custos variáveis representam 50% do preço actual (abcissas), perante um aumento de 10% no preço a empresa pode perder até 18% nas vendas e continuar a ganhar o mesmo lucro.

Agora reparem nestes trechos do Jornal de Notícias de hoje:

"As projeções da Confederação do Turismo de Portugal são claramente animadoras". disse Francisco Calheiros. "Este será o ano da recuperação", anunciou, embora preocupado com os desafios. "Temos como prioridade agilizar soluções que permitam encontrar mão de obra suficiente e de qualidade para responder à elevada procura que teremos", disse.

Na maior região turística portuguesa, os hotéis "vão ter de deixar de vender quartos ou fechar restaurantes devido à falta de pessoal", assumiu Hélder Martins, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos TuristiCOS do Algarve. No Porto e Norte, a situação é idêntica 

...

Depois de dois anos com pouca ou nenhuma atividade devido à pandemia, o setor enfrentará desafios, este ano, "para receber todos esses turistas com a qualidade que esperam de nós e de forma a aumentar valor", explicou Cristina Siza Viera, diretora-executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).

...

Ana Jacinto, líder da AHRESP, alerta que "a falta de trabalhadores poderá, de facto, comprometer a qualidade de serviço das nossas empresas" e o problema só pode ser resolvido com "vontade política" para que, nomeadamente, "se invista em programas de imigração controlada e com todas as condições de trabalho, quer ao nível da formação, da inserção profissional e familiar, quer ao nível da habitação"".[Moi ici: E quem paga a formação, a inserção profissional e a habitação? Os contribuintes, aka os saxões?]

Temos um país que recebe milhões de turistas, repito milhões de turistas, e que não consegue ser atraente para o mercado de trabalho. Pensem bem nisto, mas pensem a sério. Atraem milhões de turistas e não se conseguem sustentar?! Não acham estranho?

Depois, claro, estamos em Portugal, lá falta o pedido do apoiozinho do papá-Estado.

Na minha leitura reaccionária da realidade, um sector com milhões de clientes e incapaz de se autosustentar tem de mudar de vida. Por que raio têm os saxões de suportar ainda mais impostagem para ajudar a suportar negócios privados?

Na minha leitura da realidade continuamos a ser o tal país de turismo de pé descalço. Na minha leitura da realidade, segundo a minha visão do mundo, o que as empresas têm de fazer é subir preços. Vão perder clientes? Claro que sim, mas as que merecem continuar sobrevivem e até podem prosperar. As outras fecham e libertam pessoas e outros recursos para empreendimentos mais rentáveis. 

Algures no tempo introduzimos na nossa sociedade esta falta de vergonha das empresas em ser coitadinhas e precisarem de um apoio para sobreviverem, para suportarem custos.

Existem apoios que podem fazer sentido, apoios para investir na actualização de meios de produção, apoios para subir na escala de valor. Agora apoios para ajudar a suportar custos que o negócio não consegue por si próprio suportar, mesmo quando tem muito sucesso. Afinal são milhões de turistas… é mais um exemplo do tipo de cultura infantil que temos de deixar para trás se quisermos, como sociedade, ter melhor nível de vida.

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

Seremos todos Odemira

Há dia publiquei este postal "Algumas questões" sobre a falta de trabalhadores para trabalhar na indústria automóvel em Castelo Branco (interior profundo, vítima de hemorragia demográfica e envelhecimento)

Ontem, no Jornal de Notícias, "Viana do Castelo desespera por centenas de trabalhadores"

"A empresa do setor automóvel BorgWarner dá emprego a 1200 pessoas de nove nacionalidades" nas suas duas unidades em Viana e tem vagas em aberto. "Pretendemos crescer com mais 200 postos de trabalho este ano. Temos conseguido encontrar talentos, mas começamos a notar alguma dificuldade [de recrutamento] nos perfis técnicos, como manutenção, automação, robótica e programação", adiantou Ana Silva, diretora de recursos humanos da Borg Warner
...
as dificuldades de recrutamento crescentes em setores como construção civil, indústria automóvel, hotelaria, carpintaria e metalomecânica. E que já levaram até à perda de novos potenciais investimentos."

Ando eu a escrever o quão importante é o investimento directo estrangeiro em Portugal, para subir na escala de valor, por exemplo, Não são elas que precisam de Portugal, Portugal é que precisa delas. E começo a recear que mesmo que se arranje esse investimento já não há gente para trabalhar nele.

A armadilha de que falava Nogueira Leite, A armadilha, ainda é mais funda do que parece à primeira vista.

Nesta cena da demografia caminhamos a passos largos para uma disrupção violenta.

sexta-feira, setembro 03, 2021

A sério?! Não percebe?!

Ontem, no comentário matinal, Camilo Lourenço disse que não percebia esta reacção da hotelaria, "Hotéis em Portugal sobem preços em 20% na pandemia. 5 estrelas têm o maior aumento".

A sério?! Não percebe?!

Primeiro, não é uma reacção portuguesa:

"Mas a tendência de aumento generalizados dos custos por noite não se ficou por Portugal. O estudo da Mabrian Technologies comparou os preços de 73 mil quartos, anunciado no Booking, Expedia e TripAdvisor, em cinco destinos no Mediterrâneo (Grécia, Itália, Espanha, Portugal e Turquia) e concluiu que a maioria dos países aumentaram os custos face aos valores pré-covid."

Segundo, os custos unitários da oferta aumentaram:

  • novas actividades tiveram de ser realizadas (segurança Covid);
  • os custos fixos tiveram de ser distribuídos por um menor número de clientes.
Terceiro, talvez o ponto mais importante, a elasticidade da procura durante a pandemia:
  • durante a pandemia quem recorria a hotéis não o fazia de ânimo leve, precisava mesmo de o fazer.

segunda-feira, agosto 10, 2020

Para reflexão

"Quantas empresas vão secar e morrer no decorrer desta crise? A líder mundial dos seguros de crédito, a francesa Coface, estudou o assunto e tem uma resposta. Assustadora, por sinal. Em França, 21% das empresas não resistirão; em Espanha, 22%; na Holanda, 36%; na Inglaterra e na Itália, 37%. Só a Alemanha fica um pouco melhor na fotografia. Poderá perder apenas 12% do atual tecido empresarial. A concretizar-se este cenário, a árvore capitalista sofrerá uma grande limpeza.
O estudo, que eu saiba, não inclui Portugal. Admitindo, no entanto, que o nosso país poderá estar entre o mínimo, 12%, e o máximo, 37%, isso significa que desaparecerão entre 156 mil e 481 mil de um total de pouco mais de 1,3 milhões de empresas.
Cenário possível tendo em conta os mais recentes alertas de algumas associações empresariais. Em 2018, o conjunto das micro, pequenas e médias empresas representava 99,9% do universo. E é aqui que se incluem os sectores mais vulneráveis e de maior risco: pequeno comércio, restauração, hotelaria e alguns tipos de serviços.
Quase 100 mil empresas, envolvendo cerca de 850 mil trabalhadores, ainda estavam em lay-off no final de julho. Muitas nem sequer aderiram. Outras nem reabriram. Isto confirma que estamos em vésperas de uma extensa regeneração empresarial e de um gravíssimo problema social."
BTW, lembram-se dos zombies pré-pandemia? Lembram-se de "Deixem as empresas morrer!"

Trecho retirado de "Os “ramos secos” da pandemia" publicado no semanário Expresso do passado dia 8 de Agosto de 2020.

sábado, maio 23, 2020

Sacrificar a economia, para salvar a Segurança Social?


Stressors are information. Uma frase que aprendi com Nassim Taleb.

Na última semana tenho pensado no papel do prolongamento do lay-off.

Qual deve ser o papel da figura do 'lay-off'?

Uma coisa é um choque contra a parede e ser preciso tempo para ganhar fôlego, e perceber qual o novo contexto. Outra coisa é perceber que o contexto mudou profundamente e que não vai haver um retorno elástico porque se entrou numa zona de deformação plástica.


A partir do momento em que se percebe que a deformação é plástica, se os turistas não vêm sofre(m):

  • a hotelaria;
  • o alojamento local;
  • a restauração;
  • o aluguer de automóveis;
  • a limpeza de casas;
  • os fornecedores do canal horeca (carne, peixe, legumes, vinho, ...)
  • ...
Manter toda esta rede de trabalhadores em 'lay-off' é adiar o inevitável, é mascarar uma situação, é atrasar a procura de uma nova posição competitiva. 

"Stressors are information", são sinais para calibrarmos a quantidade relativa de exploration versus exploitation. Perante os stressors há os que os agarram e, como os ratos do livro "Quem mexeu no meu queijo", interagem com a nova realidade. E há os que, como o Pigarro do mesmo livro, resistem à mudança e solicitam o apoio e a protecção dos governos, gerando toda uma série de doenças por causa do veneno do activismo. Como escrevi na passada Quinta-feira, "Discovery beats planning". Sem stressors, poucos são os que se metem ao caminho, e menos ainda são os que estão dispostos a cortar com muito ou pouco do passado para ganhar uma oportunidade de ter futuro. Isto fez-me lembrar, as "127 horas" de Aron Ralston no Blue John Canyon.

No livro "Antifragile" no mesmo período em que Nassim Taleb usa a palavra stressors também se lê:
"Just as spending a month in bed leads to muscle atrophy, complex systems are weakened or even killed when deprived of stressors....The economic class doesn't realize an economy lives by stressors rather than by top-down control."
Em Janeiro de 2016 escrevi:
Existe um problema de fundo: talvez a nossa forma de trabalhar já não se ajuste à realidade que entretanto mudou.
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Esse problema de fundo manifesta-se em sintomas: preços baixos; excesso de produção; ...
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Perante um problema de fundo devíamos optar por uma solução de fundo. Contudo, é mais fácil, é mais rápido, é menos doloroso para nós, procurar um remendo que mascara a situação e diminui a dor provocada pelos sintomas. Só que o remendo gera efeitos secundários que se vão acumular e acumular até que a comporta vai rebentar e não mais será possível recorrer a um remendo... terá de se ir em busca de uma solução de fundo.
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O tempo de acumulação dos efeitos secundários é o tempo em que o pau vai e vem e as costas folgam. Quando a comporta rebenta, os que ficam com a criança nos braços são os que são chamados de quererem ir "além da troika".
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Quando os políticos se metem nestas cenas, temos o caldo entornado. Fragilistas encartados e com bolsos muito fundos, à custa dos contribuintes, têm uma capacidade de acumular efeitos secundários muito para além do seu consulado e de moldar todas as mentes a este arquétipo de reacção a problemas de fundo com base em remendos.
Em termos de economia estamos falados, e a economia é que conta. Outra possibilidade passa por sacrificar a economia, para salvar a Segurança Social. Basta imaginar que o dinheiro europeu vá pagar 'lay-off', mas não subsídios de desemprego.

terça-feira, abril 28, 2020

Let that sink in, quietly

O Jornal de Negócios de ontem traz um artigo, "O que esperam para 2020 os principais setores da economia?", que ajuda a perspectivar o que aí vem na economia portuguesa:
"Até final de abril, cerca de 70% da indústria têxtil e do vestuário terá entrado em lay-off total ou parcial, com a quebra na faturação de 50% a 70% este mês. As estimativas são do líder da associação do setor (ATP), frisando, porém, que “a quebra nas receitas será maior”, pois “os clientes estão a atrasar os pagamentos vencidos de encomendas entregues”. Mário Jorge Machado admite “uma quebra no emprego de 5% a 10%” no conjunto do ano.
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De acordo com o último inquérito de conjuntura semanal da APICCAPS, quase metade (46%) das empresas da “indústria mais sexy da Europa” está atualmente fechada. “Mas deverão voltar ao trabalho regular em maio”, sinaliza Paulo Gonçalves. Do total das empresas inquiridas, 92% reportam um impacto negativo com a pandemia.
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Composto por 15 mil empresas, o setor da metalurgia e metalomecânica está a contar com uma redução de faturação próxima dos 3,5 mil milhões de euros no segundo trimestre (quebra homóloga entre 40% e 50%), que “decorre essencialmente de adiamentos de encomendas e não de cancelamentos”.
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O cluster do mobiliário, que inclui também colchoaria, tapeçaria ou iluminação, num total de 4.500 empresas e 31 mil trabalhadores, estima que a crise do novo coronavírus, que vai pôr dois terços do setor em lay-off, terá um impacto negativo de 30% na faturação anual, em relação a 2019.
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O setor da construção estima um impacto mensal de 493 milhões de euros com a paragem da atividade, tendo em conta a perda de volume de negócios e a manutenção de despesas com trabalhadores e com a banca. Apesar de continuar a haver obras no terreno, o impacto da covid-19 já se faz sentir, designadamente no emprego, com o aumento do número de desempregados, em março, em 11,3%.
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A Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) espera uma quebra de 50% em 2020, o mesmo cenário admitido pelo Governo para todo o setor. “Teremos choques de receita de 50% face a 2019”,
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O último estudo da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) revela que, para o conjunto de 2020, 55% das empresas preveem um declínio das vendas superior a 20%.
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Há subsetores, como o das flores e plantas, que apontam para quebras na faturação na ordem dos 70%, devido ao corte nas exportações. Mas as empresas mais penalizadas da indústria agroalimentar são as que dependem “em mais de 50%” da hotelaria e da restauração. Como acontece com a indústria do vinho, que registou nas últimas semanas perdas que oscilam entre 20% e 100%, sendo que a média situa-se nos 50%,
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O setor automóvel no seu conjunto representa 19% do PIB, emprega diretamente 200 mil pessoas e pesa 25% nas exportações de bens, com sete das 10 maiores exportadoras em 2019. Nos componentes, a AFIA estima uma quebra de 30% na faturação este ano. A ACAP admite uma quebra de pelo menos 25% na produção automóvel e de mais de 35% nas vendas de veículos.
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Na semana de 13 a 17 de abril, quase um quinto das empresas de construção e atividades imobiliárias já dava conta de uma redução superior a 75% no volume de negócios, enquanto mais de metade apontava para quebras entre os 10% e os 50% nessa semana."