domingo, maio 18, 2025

Está na moda. Mas será que muda?

Na passada segunda-feira à noite tive uma interessante e inspiradora conversa sobre inteligência artificial no futuro da consultoria. Ao final da tarde desse mesmo dia, durante uma sessão de jogging tinha começado a ouvir um podcast sobre inteligência artificial e, sobretudo sobre "AI agents", "AI AGENTS EMERGENCY DEBATE: These Jobs Won't Exist In 24 Months! We Must Prepare For What's Coming!" (Voltarei a este podcast mais tarde)

Durante a conversa nocturna a certa altura recordei o paralelismo entre a transição do vapor para a electricidade, e fiquei com a incerteza sobre como será a transformação com a inteligência artificial e quanto tempo demorará. (Voltarei a este paralelismo mais tarde)

Entretanto, no dia seguinte (?), ou terá sido na quarta-feira (?), li este artigo no Jornal de Negócios, "IA cada vez mais na moda em Portugal. A cada hora, 12 empresas adotaram tecnologia".

O artigo descreve o crescimento expressivo da adopção da IA pelas empresas portuguesas.
Em 2024, cerca de 96 mil empresas em Portugal adoptaram a IA pela primeira vez, o que representa 41% do total das empresas no país — um aumento face aos 35% registados no ano anterior.
As startups destacam-se nesta tendência: 62% já utilizam IA, e 35% estão a desenvolver produtos e serviços com base nesta tecnologia. Por outro lado, as grandes empresas e as PME têm sido mais cautelosas, adoptando a IA sobretudo para automatizar processos e obter ganhos de eficiência.
Segundo o relatório da Amazon Web Services, a IA baseada na nuvem contribuiu com mais de 647 milhões de dólares para o PIB de Portugal em 2023. Contudo, a falta de competências digitais, a percepção de custos iniciais elevados e a insegurança quanto à regulamentação estão a travar uma adopção mais generalizada.

Com algum cinismo pensei:
  • Em Portugal a IA está a ser adoptada em massa, mas sem evidência de mudança estrutural nos processos ou na cultura das empresas. Está-se a “colocar IA onde antes estava Excel” — uma modernização de superfície, sem reconfiguração;
  • Muitas empresas estão a adoptar IA “para parecer modernas” ou por “pressão competitiva”, sem saber bem para quê ou com que finalidade. Isso sugere uma adopção não pensada, mais estética do que estratégica;
  • Estamos numa fase em que a maioria das empresas ainda está no modo “adição”, não “reconfiguração”. Estão a colocar IA em cima dos processos existentes, não a redesenhá-los com base nas novas possibilidades (ex. decisão autónoma, personalização em escala, análise preditiva).
Continua.

sábado, maio 17, 2025

Curiosidade do dia

No FT da passada quinta-feira li "Stellantis warns on China competition":

"The future of western brands in China is at risk as local carmakers close in on the last remaining stronghold held by the likes of Volkswagen and Toyota, Stellantis has warned Asked at the Financial Times' Future of the Car summit yesterday whether western auto groups would be able to compete with local brands in China, Maxime Picat, Stellantis chief operating officer for Asia-Pacific, Middle East & Africa, said: "I'm quite an optimistic guy; but not on that one."

...

Foreign brands' market share in China stood at 32 per cent in the first two months of this year, less than half the 64 per cent they held in 2020. BYD has overtaken VW's long-held position as the best-selling brand, according to Shanghai consultancy Automobility. But VW and Toyota are still the top two manufacturers of petrol vehicles in China with a combined market share of 34 percent."

No mesmo dia o Twitter brindou-me com este vídeo:

Pois ...

Japão - uma mudança estrutural profunda




Não há “crise” macro no Japão, mas há uma mudança estrutural profunda. Estes cortes parece que resultam de quatro forças que se combinaram nos últimos 2/3 anos:
  • Pressão por rentabilidade e ROE - A Bolsa de Tóquio passou a expor empresas com baixo price-to-book; os investidores activistas ganharam terreno; e os conselhos de admionistração querem mostrar “disciplina de capital”.
  • Demografia e rigidez do emprego para toda a vida - A força de trabalho está a encolher, mas está envelhecida e é cara. A lei permite pacotes de saída voluntária generosos dos 50 anos para cima.
  • Mudança tecnológica brusca - A electrónica de consumo perdeu quota de mercado para a Coreia e a China. O sector automóvel vira-se para os veículos eléctricos, software e Advanced Driver Assistance Systems (ADAS). 
  • A IA/automação substitui funções administrativas.
  • Economia global volátil, iene fraco, margens sob pressão de custos - Energia e matérias--primas importadas ficaram mais caras, mesmo com as exportações a subirem. As empresas estão a refazer os seus portefólios migrando para para actividades com margens mais altas.
Não é um sintoma de recessão, mas sim de reformulação estratégica num país onde o “emprego para a vida” já não é sustentável. 

Num postal futuro vou ligar estes números ao que estou a ouvir num longo podcast sobre a IA e os seus agentes.

sexta-feira, maio 16, 2025

Curiosidade do dia

No FT de ontem encontrei, "Denmark looks at lifting reactor ban after Iberian power outage". O pragmatismo dinamarquês, que se manifesta em tantas situações, é algo que sempre apreciei.

A Dinamarca está seriamente a considerar levantar a sua proibição de 40 anos à energia nuclear, motivada por preocupações com segurança energética e estabilidade da rede face à intermitência das renováveis. A análise política em curso, o interesse por reactores modulares pequenos (SMRs) e o investimento privado crescente apontam para uma possível reviravolta na política energética dinamarquesa.

Esta decisão surge após os apagões recentes na Península Ibérica e crescentes preocupações com a estabilidade energética. A Dinamarca depende fortemente da energia eólica e de interconexões com países vizinhos, mas começa a considerar os SMRs como uma forma de garantir carga base não fóssil.

Não espere por uma crise para acelerar



Um dos arquétipos de Peter Senge é o da "Escalada"


Muitas empresas vivem este arquétipo no dia-a-dia, intuitivamente. Penso que a maior partes das vezes é um péssimo estado. Péssimo porque a vida comercial não é uma batalha em que a sobrevivência de uma empresa depende da morte dos concorrentes. A vida comercial é um desafio para cativar e satisfazer clientes. Gosto cada vez mais daquela definição que aprendi com Roger Martin:
"Strategy is about making an integrated set of choices that compels desired customer action."
Dito isto, achei muito interessante o tema da escalada na evolução dos drones na guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia que encontrei no FT do passado dia 12 de Maio em "Ukraine battles to stay one step ahead of Russia in drone war".

O artigo relata a corrida tecnológica entre a Ucrânia e a Rússia no domínio dos drones. Oleksandr Yakovenko, director-executivo da TAF Drones, explica que Kyiv já esteve várias etapas à frente mas hoje mantém apenas uma ligeira vantagem, obrigando-se a inovar constantemente. A Ucrânia gasta centenas de milhões em drones e componentes - muitos provenientes da China - e adapta-se rapidamente a novas tácticas russas, como sistemas de interferência ou drones com fibra-óptica impossível de bloquear. Moscovo, por seu lado, profissionalizou a produção, reduziu custos e introduziu drones kamikaze de longo alcance. O artigo sublinha que o "campo de batalha" não é só tecnologia: é capacidade de alterar estratégias, cadeias de abastecimento e processos de I&D em tempo recorde.

Algumas lições para o mundo das PME:
"Two years ago we were two steps ahead of the Russians... Now, though, we are just one step ahead of them." - Oleksandr Yakovenko [Moi ici: A vantagem competitiva é sempre temporária. Mesmo que uma empresa lidere o mercado hoje, um concorrente pode recuperar terreno rapidamente se conseguir apresentar uma oferta que os clientes passem a preferir, graças a uma inovação mais ágil]
...
We tend to innovate first. But when we create something new they quickly come up with a response. [Moi ici: Inovar exige ciclos curtos e coragem para agir rápido. Recordar Boyd!!! Não basta inovar uma vez e ficar à sombra da bananeira. É fundamental manter a cadência e a velocidade de resposta – como num jogo de xadrez em tempo real]
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In the past three years China has provided most of the thermal cameras, carbon frames and battery cells for the first-person-view drones. [Moi ici: Repensar a cadeia de abastecimento é parte da inovação. Redesenhar cadeias de abastecimento pode desbloquear velocidade e independência face a fornecedores críticos]
...
[The battlefield] is not about new technology... It's about how to adapt to new strategies. [Moi ici: A aprendizagem contínua é um activo estratégico. As equipas que reflectem, testam e corrigem rapidamente terão sempre vantagem sobre as que apenas planeiam. Veio-me logo à mente esta imagem de 2007]
...
Russia goes step by step. If it continues like this [year], yes, for us it becomes impossible [for us] to go on defending. [Moi ici: A complacência é uma ameaça invisível. Quem ignora sinais de mudança (mesmo vindos de um concorrente atrasado) arrisca-se a perder terreno de forma irreversíve. Recordar este artigo recente, e este outro, e ainda este outro]

Num mundo em que a inovação já não é uma vantagem, mas uma condição de sobrevivência, as PME não podem esperar por momentos de crise para se mexerem. A história dos drones na guerra da Ucrânia mostra-nos o essencial: quem lidera hoje pode estar a defender-se amanhã.

Olhe para a sua empresa com honestidade:
  • Estamos verdadeiramente atentos aos nossos clientes-alvo? Sabemos como estão a evoluir as suas preferências, os seus critérios de escolha, o que valorizam hoje mais do que há um ano? Ou continuamos a oferecer-lhes o que sempre funcionou, esperando que as suas expectativas não mudem?
  • Estamos a melhorar mais depressa do que os nossos concorrentes?
  • Temos ciclos curtos de decisão, aprendizagem e acção?
  • A nossa cadeia de fornecimento é robusta, flexível e estratégica?
  • Observamos os concorrentes apenas como indicadores de mudança na preferência dos clientes — e não como inimigos?

Não espere por uma crise para acelerar. Monte hoje a sua própria "unidade de drones". Teste. Aprenda. Adapte. Repita.

Não para vencer ninguém, mas para continuar a merecer ser escolhido.

quinta-feira, maio 15, 2025

Curiosidade do dia

 


"With the opening of the restaurant concept Burgerbots in Los Gatos, California, ABB has demonstrated how automation is setting new standards in the hospitality industry. At the center, according to a statement, is a state-of-the-art robotic cell in which the Delta robot IRB 360 Flexpicker and the Cobot Yumi prepare a custom-made burger in just 27 seconds—hygienically, precisely, and fully automated.

...

With each order received, a freshly grilled burger patty is placed on a bun in a burger box. The box is then placed on a transport tray equipped with a QR code. As the tray moves on a conveyor belt, the IRB 360 Flexpicker adds the desired toppings according to the data stored in the QR code. Yumi then completes the burger.

...

According to an ABB study, 89 percent of decision-makers in the hospitality industry are open to using robotics to automate tasks within their operations."

As implicações mais gerais da automação de tarefas como a produção de hambúrgueres - neste caso com robôts da ABB — são profundas e tocam em múltiplas dimensões económicas. 

Tarefas repetitivas e de baixo valor acrescentado deixam de justificar emprego humano. Isto acelera o declínio de certos tipos de trabalho no retalho, restauração e indústria leve. A instalação, manutenção e programação destes sistemas criam novas oportunidades - mas exigem competências diferentes (robótica, mecatrónica, IA). A robotização impõe um tecto à subida de salários em sectores que antes dependiam da escassez de mão-de-obra. A automação transforma serviços (como a restauração) em actividades quase industriais. É uma forma de "reshoring" interno.

Para quando o modelo "Robotics-as-a-Service", que transformará um investimento fixo num custo variável, mais acessível a PME?

Trechos retirados de "ABB Automates Burger Production With Burger Bots

É melhor agir enquanto ainda temos escolha



Mão amiga mandou-me uma imagem com este artigo no LinkedIn


É claro que a "estória" só acaba quando a senhora gorda cantar, mas quero focar a atenção no último parágrafo:
"Et vous, dans votre entreprise, avez-vous le courage de remettre en question votre modèle économique avant que le marché ne le fasse pour vous?"

E volto a este postal sobre pelo menos ter um plano, pode até ser um mau plano, mas dá para começar a caminhar e apanhar inputs do contexto, como os desta outra velha estória de como um mapa dos Pirinéus serviu para descobrir o caminho nos Alpes

Num mundo em que o ciclo de vida das empresas encurta dramaticamente, a maior ameaça já não é o que os concorrentes fazem — é o que nós deixamos de fazer. A verdadeira disrupção não vem de fora: nasce da nossa incapacidade de questionar o que sempre funcionou.

Esperar que o mercado force a mudança é como esperar que a casa comece a arder para procurar extintores. Quanto mais tarde se age, menos graus de liberdade restam, mais estreito é o corredor de soluções possíveis, maior o custo político e emocional da mudança.

A lição da Michelin não é sobre pneus. É sobre coragem estratégica. Senard não reagiu a um incêndio — criou voluntariamente uma zona de desconforto antes que ela fosse imposta de fora. Isso não elimina o risco, mas desloca o controlo para dentro da empresa, enquanto ainda há margem de manobra.

Como disse Andy Grove, da Intel:

"Success breeds complacency. Complacency breeds failure. Only the paranoid survive."

Portanto, sim - é melhor agir enquanto ainda temos escolha, do que reagir com as calças na mão quando o modelo já estiver a arder.

quarta-feira, maio 14, 2025

Curiosidade do dia


Afinal não é só em Portugal, também em Inglaterra o SMN cresce acima da produtividade, com consequências:
"In Britain, the fast-rising minimum wage is catching up with the bottom rungs of white-collar work. Indeed, it appears that a growing number of workers outside the traditional low-paid sectors are not even getting the legal minimum rate of pay.
How did we get here? In 2016, Britain's Conservative government began to push up the minimum wage sharply relative to the pay of the median worker. In a stagnant era in which median pay was barely rising in real terms, successive governments continued to increase the wage floor in order to make sure that workers at the very bottom, at least, received pay rises. As a result, the UK minimum wage is now about two-thirds of median pay. By this measure, the UK government says the country has the second-highest minimum wage rate in the G7."

Trecho retirado de "Minimum wage is coming for white-collar work" publicado no FT do dia 13 de maio passado. 

Esquizofrenia, alquimia e mortalidade infantil

Lembram-se de 2019?

Na altura escrevi "Mortalidade infantil e esquizofrenia" onde registei:

"E, com base estatística pude concluir que nada mudou, tudo farinha do mesmo saco.

Não se vislumbra nenhum sinal nas cartas de controlo, simples flutuação estatística."

A isto chamo de esquizofrenia, um tema antigo aqui no blogue. Só a título de exemplo em 2023 listei alguns artigos sobre o tema, de 2008 a 2019 em "Fugir da esquizofrenia" 

Ontem, no Twitter vi estes dados associados ao frenesim esquizofrénico do momento:

Desta vez pedi ao ChatGPT:
"Consegues criar as cartas de controlo estatístico para valores individuais e amplitude móvel, como Donald J Wheeler propõe nos seus livros, com base nos dados da imagem anexa (x os anos e y a taxa de mortalidade infantil)"

E obtive:


Ou seja, não há qualquer sinal de que tenha havido alteração no sistema para lá da mera flutuação estatística.

Aos esquizofrénicos de 2025 e de 2019 recomendo a leitura de "Conversa de humano" de 2012 porque estão a dizer que o saco está a criar bolas out-of-thin-air.

BTW, perguntei ao ChatGPT se, com base nas cartas devemos reagir. A resposta foi:
"Não há evidência estatística para intervenção correctiva imediata — não se detectou instabilidade.
Mas há fundamento para análise e vigilância reforçada, sobretudo se 2025 confirmar a tendência de subida."

terça-feira, maio 13, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist do passado dia 12 de Maio, encontrei "To grasp Europe’s fragmentations, look to a 31- year treasure hunt". 

Descobri esta "treasure hunt" há anos no canal Travel. No entanto, o que me chamou a atenção no artigo foi o final do artigo:

"But the game’s fans in 1993 offered a foretaste of society in 2025. The owlers were among the first online communities anywhere in the world, connected by Minitel, a French precursor of the internet that ran online discussions on the chouette from 1993. Using pseudonymous handles—there were Gandalf and Argos, Météor and Neo49—the sleuths queried the gamemaster online (for a fee) years before others had ever heard of such forums. Later, internet groups emerged and rival owlers’ associations met in person to share their theories. Once Europeans lived in cohesive societies, with institutions such as churches, trade unions or political parties structuring public life. Owlers were in the vanguard of a trend towards something different: people disappearing into their own little clans, with their own rituals and networks. Jérôme Fourquet, a French political analyst, describes the “archipelagisation” of society, [Moi ici: Aquilo a que chamo de Mongo] a shift in recent decades from a unified national identity bound together by common experience to a collection of distinct and often disconnected groups with their own interests. We live side by side, but not entirely together. From watching the same evening news, we are all consuming our own corner of the web. From all voting for one of two or three political parties, more niche outfits have emerged—including, across Europe, populist ones that have benefited from the fraying of our bonds. We all dwell in bubbles of our own making these days, a wise old owl might conclude."

Este parágrafo final serve como metáfora para a transformação social dos últimos 30 anos. Usando a história dos owlers como alegoria, o autor sugere que a sociedade contemporânea perdeu as grandes estruturas colectivas que antes uniam as pessoas — como os partidos, a igreja, os sindicatos — e entrou numa era de “balkanização” social, onde pequenos grupos fragmentados seguem as suas próprias crenças, interesses e rituais. A caça à coruja foi uma prefiguração do mundo de hoje: conectado digitalmente, mas socialmente disperso.


Conclusão:

A chouette d’or não foi só uma caça ao tesouro — foi também uma premonição da “archipelagização” social de que hoje somos parte: vivemos lado a lado, mas cada vez menos juntos.

Fornecedores e vantagem competitiva


Um artigo útil para reflexão acerca da relação entre compradores e fornecedores, "Supplier experience as antecedent to supplier satisfaction - An explorative study of SMES" publicado na revista Industrial Marketing Management 125 (2025) 226-238.
"Suppliers play a crucial role in creating a competitive advantage. Therefore, firms should pay close attention to the supplier experience and the factors contributing to its formation. The more positive the experience, the more willing suppliers will be to cooperate to secure mutual benefits and to award preferred customer status. Our research shows that the supplier experience is reflected through four dimensions: communication, relational practices, the use of power, and the use of digital technology. The supplier experience is formed along different customer touchpoints, including cognitive and affectual elements. Hence, to develop an excellent supplier experience, a firm should focus on all four dimensions identified in this research and consider the moments of truth in the relationship.

First, communication should be open, transparent, timely, and use the correct tone. Developing the communication skills of each customer-facing employee is important and can be achieved through training and encouraging frequent reflection. Regular updates and meetings are important to discuss ongoing projects, expectations, and any potential issues. Clear roles and contact persons should be agreed on. Using digital technology to aid communication (e.g., collaboration platforms) can enhance openness and transparency, facilitating prompt information sharing. However, face-to-face meetings are important in building trust and closer relationships. Clear rules and policies about polite communication practices could be provided.
Second, cooperation should be enhanced through mutual learning in diverse situations, with clear responsibilities and communicated commitment and trust. Personal relationships should also be fostered through regular meetings and informal communication. Joint training programs could be organized to help both parties understand each other's processes and challenges. Developing skills supports operational efficiency and nurtures the supplier experience. It would be beneficial to establish common goals and performance metrics and jointly review them regularly to ensure alignment and mutual understanding.
Third, the use of power should be acknowledged; non-coercive methods are more effective than demanding compliance. These methods rely on trust and mutual respect rather than duress. Establishing trust by being transparent, reliable, and consistent is important. It is important to demonstrate respect for suppliers' expertise and contributions by listening to their concerns and ideas. Sharing success stories relating to partnerships and best practices could motivate suppliers. Support and resources could be offered to improve suppliers' performance (e.g., training and technical assistance).
Fourth, digital technology can foster transparency, effectiveness, and automation. However, customers must understand the challenges its use can create for suppliers, even if supporting digitalization among its suppliers is not an objective. Further, it is important to ensure that digital meetings do not replace real discussions, which are essential for building personal relationships. The effective use of digital technology requires skilled employees, resources for investment in new technology, and a digital strategy. When implementing new digital technologies in buyer-supplier relationships, assessing and maintaining system compatibility is crucial. Additionally, the transfer of tasks from buyer to supplier, facilitated by digitalization, should be approached with caution.
Finally, since the supplier experience is shaped by touchpoints and moments of truth with the customer, it is wise to analyze these aspects in every relationship. Such analysis can reveal weaknesses in the four elements described above and spur remedial action that improves the supplier experience."

O artigo demonstra que a experiência do fornecedor — isto é, como este vive a relação com o cliente — influencia directamente a sua vontade de colaborar, inovar e priorizar esse cliente. Essa experiência depende de quatro factores: comunicação, práticas relacionais, uso do poder e tecnologia digital. As PME que constroem relações justas, abertas e confiáveis com os seus fornecedores têm mais hipóteses de obter melhor serviço, acesso à inovação e reforçar a sua vantagem competitiva.

Os fornecedores não são todos iguais nem tratam todos os clientes da mesma forma. Fornecedores atribuem prioridade, recursos e até inovação a clientes com quem têm boas experiências de relacionamento, não apenas a quem paga mais ou encomenda mais. Isto significa que não basta negociar preço — é preciso cultivar uma relação de confiança, respeito e cooperação.

O artigo explica como práticas como comunicação clara, responsabilidade partilhada e uso justo do poder negocial aumentam a probabilidade de uma PME ser vista como um parceiro valioso. Isto pode resultar em melhor serviço, prazos prioritários e acesso a inovação, mesmo sem ter o poder de compra de uma empresa grande.

O artigo dá pistas práticas para melhorar o desempenho da cadeia de abastecimento A experiência do fornecedor impacta diretamente a fiabilidade da entrega, a cooperação em momentos críticos e a fluidez do trabalho conjunto.

O artigo permite reflectir sobre como diferentes estratégias podem beneficiar (ou prejudicar) a experiência dos fornecedores (recordo um artigo de Veronica Martinez):

1. Estratégia de custo mais baixo - Pode induzir práticas coercivas, pressão sobre preços e uso instrumental da digitalização para transferir tarefas para o fornecedor. Isso deteriora a experiência e coloca a empresa em risco de perder acesso a recursos em momentos críticos, como mostrado no estudo.

2. Estratégia baseada em serviço à medida (customização) - Requer colaboração intensa, comunicação aberta e confiança — exactamente os factores que o artigo aponta como geradores de experiências positivas e motivação acrescida por parte do fornecedor.

3. Estratégia de inovação - O estudo mostra que fornecedores partilham ideias e investem mais em clientes com os quais mantêm boas relações. Assim, a experiência positiva do fornecedor é pré-condição para co-inovação, acesso prioritário a novos produtos e envolvimento em melhorias.

segunda-feira, maio 12, 2025

Curiosidade do dia


A propósito de "ABB Plans to Spin off Its Robotics Division":
"“The board believes listing ABB Robotics as a separate company will optimize both companies’ ability to create customer value, grow and attract talent. Both companies will benefit from a more focused governance and capital allocation. ABB will continue to focus on its long-term strategy, building on its leading positions in electrification and automation.”

ABB Robotics provides intelligent automation solutions to its global customer base.  Customer value is created through the differentiated offering of the broadest robotics platforms, including Autonomous Mobile Robots, software and AI combined with proven domain expertise to a broad range of traditional and new industry segments. More than 80 percent of the offering is software/AI enabled."
A separação da ABB Robotics é um sinal claro de que a robótica é agora um sector estratégico autónomo, com potencial de crescimento próprio. Esta operação confirma que a robótica e a IA deixaram de ser "apêndices tecnológicos" — são agora sectores estratégicos que justificam empresas autónomas com lógica própria de crescimento, financiamento e talento.

A mudança externa não avisa com antecedência


Mais um interessante artigo no FT, desta feita de 10 de Maio passado, que ilustra como o tema da estratégia e do contexto são uma presença quotidiana, se estivermos atentos. O artigo intitula-se, "WeightWatchers blames diet drugs and social media for Chapter 11 bankruptcy":
"A one-two punch of diet drugs and TikTok undermined one of the most trusted brands in fat loss, lawyers for Weight Watchers told a US bankruptcy judge, as the bankrupt company seeks to reorganise into a slimmer version of itself.

WeightWatchers, officially known as WW International, Inc, filed for Chapter 11 bankruptcy protection this week in a Delaware federal court, with the company having already cut a pre-packaged deal to hand control of the business to secured lenders and bondholders.
As recently as 2018, WeightWatchers, whose core business relied on hosting workshops for people sharing the experience of fighting fat together, had $1.5bn in annual revenue and a market capitalisation of more than $7bn.
Oprah Winfrey owned a tenth of the company and joined its board of directors. But the Coronavirus pandemic gutted the WeightWatchers workshop model and annual revenue fell to under $800mn by 2024.
...
"Consumers are increasingly prioritising holistic health and rejecting traditional weight-loss narratives," WeightWatchers wrote in a court filing submitted this week.
It added: "The rise of free and low-cost do-it-yourself ("DIY") weight-loss apps reflects consumers' growing demand for self-guided, flexible solutions. The DIY trend is further fuelled by influencers sharing personal success stories and guidance via social media, including Instagram, TikTok and YouTube."
In 2023, WeightWatchers bought the telehealth start-up, Sequence, for $106mn. Sequence then became the company's clinical offering that could prescribe GLP-1s such as Ozempic and Wegovy.
Still, the company remained largely wedded to the workshop model, even as its subscriber count fell 12 per cent to 3.3mn in 2024 and its new prescription business failed to make up the difference."
Este caso é um alerta claro para todas as empresas, independentemente do sector. Ignorar alterações no contexto externo - sejam tecnológicas, culturais ou regulatórias - pode destruir até marcas fortes e bem estabelecidas.

Lições para as empresas:
  • A lealdade dos clientes não é eterna. As preferências mudam rapidamente, especialmente quando surgem soluções mais eficazes ou mais convenientes.
  • Novos participantes com modelos digitais e inovadores podem alterar por completo o mercado (ex: apps e influencers que substituem a proposta da WW).
  • Mudanças tecnológicas e científicas (ex: medicamentos GLP-1) podem tornar obsoletos modelos de negócio bem sucedidos.
  • A inovação reactiva pode não ser suficiente. A WeightWatchers tentou adaptar-se tarde demais, e de forma pouco integrada com o novo paradigma.
  • Monitorizar o contexto externo não é opcional. É uma disciplina essencial para a sobrevivência e a relevância.
Quantas empresas continuam a operar como se o seu mercado fosse o mesmo de há 10 anos? Quantas estão a monitorizar seriamente as mudanças tecnológicas, sociais, regulatórias ou demográficas que as podem afectar?

A WeightWatchers é um lembrete brutal: a mudança externa não avisa com antecedência. 

Como é que a sua organização está a ler o contexto?

domingo, maio 11, 2025

Curiosidade do dia

No WSJ do passado dia 8 de Maio podia ler-se "High-School Juniors Attract Job Offers Topping"

O artigo descreve como programas de formação técnica desenvolvidos nas escolas secundárias nos EUA estão a atrair cada vez mais estudantes, oferecendo-lhes oportunidades de carreira bem remuneradas em áreas como soldadura, canalização ou manutenção industrial — muitas vezes antes mesmo de terminarem o ensino secundário. Esta tendência é impulsionada pela escassez de mão-de-obra qualificada, a reforma dos baby boomers e uma nova cultura que se está a impor e que valoriza o ensino técnico como via viável e lucrativa.

"Elijah Rios won't graduate from high school until next year, but he already has a job offer - one that pays $68,000 a year.

Rios, 17 years old, is a junior taking welding classes at Father Judge, a Catholic high school in Philadelphia that works closely with companies looking for workers in the skilled trades. Employers are dealing with a shortage of such workers as baby boomers retire. They have increasingly begun courting high-school students like Rios—a strategy they said is likely to become more crucial in the coming years.

...

All 24 graduating seniors in the welding programme have job offers starting at $50,000 and above."

...

Employers ranging from the local transit system to submarine manufacturers make regular visits to Father Judge’s welding classrooms every year, bringing branded swag and pitching students on their workplaces."

Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China

O FT de ontem trazia o artigo "Yamaha finds sax appeal as piano sales fall in China".

O artigo descreve como a Yamaha, o maior fabricante mundial de instrumentos musicais, está a ajustar-se à mudança demográfica da China, onde o envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade estão a reduzir drasticamente as vendas de pianos. A empresa está a apostar agora em instrumentos como o saxofone digital, que está a tornar-se popular entre idosos reformados, especialmente mulheres, que descobrem na música uma nova forma de expressão e lazer.

A Yamaha vê os reformados como um novo segmento promissor e aposta em instrumentos como saxofones, mais acessíveis e digitais. É o que apelidam de "silver economy"), o crescimento do consumo por parte dos maiores de 60 anos, que procuram hobbies para uma nova fase da vida.

Não é só inovação de produto — é leitura de contexto, visão de futuro e realinhamento com intenção.

O contexto muda. Sempre mudou.

Mas hoje muda depressa, em simultâneo, em várias frentes - demografia, clima, tecnologia, valores. Os líderes que se destacam são os que não tratam a mudança como ameaça, mas como bússola.

E a sua organização? Está a resistir ou a realinhar?

sábado, maio 10, 2025

Curiosidade do dia



No FT de hoje em "Welcome to the new age of geoeconomics":
"Fifth and finally, industrial policy is back. This started in America under President Joe Biden. But Trump is doubling down, with tariffs. To understand this, look at a striking new book called Industrial Policy for the United States by Marc Fasteau and Ian Fletcher, two economists beloved by the Maga crowd. They champion tariffs but also stress the need for other industrial policies too, citing South Korea, Japan, China and Germany as examples to emulate. It is unclear if Trump will follow their advice. But what is evident is that there is rising acceptance in the US that government should shape commerce in the national interest. This will invariably prod regions such as Europe to follow suit.
All of which will horrify many observers, particularly those raised in that neoliberal era. But don't expect the intellectual pendulum to swing back soon - even if the US cuts a few trade deals, as Dan Ivascyn of Pimco notes, Trump's love of tariffs runs deep. For better or worse, we all need to learn to navigate geoeconomics. We cannot just wish it away."

É preciso passar da reacção à transformação (parte IV)


Já depois de escrever a Parte III li um artigo que parece retirado deste blogue, desde os seus primeiros anos, "Winning the Right Customers Isn’t Just a Sales Issue" de Scott Edinger (Harvard Business Review, Maio de 2025)"
"If you’re trying to lead growth of any kind, from revenue to margin expansion, it’s critical that your sales organization has a clear understanding of your go-to-market strategy. Here are three areas to focus on to ensure your sales team not...

Does your organization sell what you want, to whom you want, the way you want? Or do you have too many instances of selling whatever you can, to whomever you can, however you can? If your strategy is built on winning in specific target markets with solutions you’ve invested in to drive high-margin growth, the latter approach undermines that focus.

It’s easy to point to the skills (or lack thereof) of your sales team as the cause of the problem. There are always opportunities for sellers to improve the way they interact with customers and prospects. But not winning enough of the right customers, selling what you’ve prioritized and invested most in, at the prices you need, is a leadership and strategy issue, not only a sales issue."
A maioria das equipas de vendas não entende a estratégia. Os executivos avaliam a compreensão da estratégia de entrada no mercado em 6,4 em 10, mas as equipas de vendas avaliam-na em apenas 3,7. Esta discrepância é perigosa, pois cada interacção comercial representa a aplicação (ou falha) da estratégia no mercado.

O autor aponta três áreas-chave para alinhar vendas com estratégia:
  • Evitar os clientes errados. 
"Everyone knows you can’t be everything to everyone. Yet sales teams often pursue suboptimal opportunities. How many times have you wondered why time, money, and energy were being spent on acquiring or serving clients that are not a great fit for your company?
Get clear with your sales leaders and teams about the kinds of business you expect them to pursue, and just as importantly, not pursue, by aligning your strategy with actions your sales teams can execute. Communicate precisely and in detail about your ideal client profile, including industry, size and scale, and circumstances.

  • Identificar os tipos de clientes que não queremos servir para focar os esforços nos que realmente trazem valor.

"For each of your prospect or client types, there are likely a handful of reasons why they will choose you over competing alternatives. Help your sales team understand specifically what advantages you expect them to focus on during their interactions with prospects and customers. Make sure they're clear on your company's points of greatest value and differentiation, including a deep understanding of the kinds of client issues and objectives that lead to your premium offerings and the solutions you've invested most in creating. Absent this level of understanding, sellers will default to talking about what they're most comfortable and familiar with-often a laundry list of features and benefits."
  • Reconhecer que a experiência de venda é parte essencial da experiência do cliente
“The sales experience also accounts for 25% or more of the decision to work with your organization.”
Ou seja, a experiência de compra é determinante e pode pesar mais do que marca ou serviço na decisão do cliente.

Isto reforça uma verdade fundamental: dizer não a alguns tipos de cliente é essencial para dizer sim ao crescimento certo. Focar-se nos clientes certos é uma escolha estratégica, não apenas uma opção comercial.

sexta-feira, maio 09, 2025

Curiosidade do dia

No WSJ do passado dia 5 de Maio encontrei um artigo super-interessante, "Food Industry Wrestles With Shopping App":

"Nothing gets into Dendy Young's supermarket shopping cart unless it first passes the Yuka test.

Yuka is a mobile app. It features an orange carrot icon and lets users scan product bar codes. For food, it generates a score from one to 100 based on nutritional quality, additives and whether it is organic.

Shoppers like Young heed Yuka's advice. The 77-year-old entrepreneur said he has sworn off Hellmann's mayonnaise ever since the app pointed out that it is made with calcium disodium EDTA, a synthetic additive used to preserve foods.

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Already food-scanning apps are changing what grocers sell and consumers buy, and prompting some manufacturers to reformulate their products to boost scores.

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The apps' growing popularity poses a new challenge for food companies. Chicago-based Conagra, maker of Healthy Choice frozen meals, says its products are among the healthiest in the category, low in fat, calories, and sodium, with high-quality protein and no artificial colors. Yuka, however, recently rated 12 out of 16 Healthy Choice products at a Chicago supermarket as "poor," due in part to additives such as sodium phosphate and carrageenan. Products under the brand's Simply Steamers line, which tend to have more protein and fewer additives, received an "excellent" rating. Conagra Chief Executive Sean Connolly said that no one app is the authority over nutrition. "There are a lot of opinions out there," he said, adding that the opinions that matter most to Conagra are those of its consumers.

But Conagra's consumers use Yuka, too. Thousands have complained about additives in the company's products, using a feature on the app that enables shoppers to send a pre-drafted message via email or social media asking food makers to remove additives.

Companies including Campbell's and Chobani have responded to such requests concerning dipotassium phosphate or other additives, according to emails viewed by The Wall Street Journal. They largely defend the use of their ingredients, citing federal approval. Chobani said it appreciates and encourages consumers' feedback. The company said that after two years of work, its oat milk recipe-which had included dipotassium phosphate-now contains only natural ingredients.

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Yuka launched in France in 2017 and in the U.S. three years later. Nearly one-third of Yuka's 68 million users are in the U.S., Chapon said, and an average of 25,000 new U.S. users have joined daily since the start of the year. At the beginning of May, it ranked as the No. 1 health-and-fitness app in Apple's app store.

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She said that in France, the number of additives in food products declined as Yuka grew in popularity. Noting the app's influence, French supermarket chain Intermarché since 2019 has reformulated more than 1,100 products, removing about 140 additives.

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Jack McNamara, CEO of seltzer maker Tru, said he first learned about Yuka while handing out samples at a Los Angeles Costco. Shoppers began pulling out their phones and scanning Tru's bar code. Yuka gives Tru drinks a score of 43 or 48 out of 100"poor"-in part because they contain stevia and erythritol, sweeteners that Yuka says carry risks. McNamara said he doesn't fully agree with Yuka's methodology, which deducts points for drinks that aren't water, but he takes the app's input seriously.

"Platforms like Yuka are going to have massive repercussions," McNamara said.

Tru, which he said rates better than many competitors, is trialing new versions of its drinks that would fetch higher scores, using less or none of the sweeteners."

Vivemos numa época em que os consumidores têm, literalmente na palma da mão, o poder de influenciar a indústria alimentar. A aplicação Yuka é um exemplo de como a tecnologia pode devolver às pessoas o controlo sobre aquilo que consomem. Simples de utilizar, transparente nos critérios e eficaz na mobilização — a Yuka não apenas informa, como transforma.

Milhões de utilizadores já mudaram os seus hábitos graças à aplicação. Produtos que antes passavam despercebidos são agora lidos à lupa: não apenas pelas calorias ou pelo açúcar, mas pelos aditivos, pelo grau de processamento, pela ausência de informação clara. E o impacto é real. Marcas como a Chobani reformularam receitas. Cadeias de supermercados como o Intermarché reformularam mais de mil produtos. Este é o novo normal.

Perante isto, o caminho não é negar ou ridicularizar a mudança, como fizeram a Conagra ou a Consumer Brands Association, que preferem desvalorizar a autoridade da aplicação em nome da “complexidade nutricional”. Essa resistência soa, cada vez mais, a receio de perder o controlo da narrativa.

Aplicações como a Yuka não vêm substituir os reguladores; vêm acelerar a mudança que os consumidores há muito desejam. A mensagem é clara: quem quiser continuar relevante, terá de ser transparente, escutar e estar pronto a melhorar.

Em vez de combater estas ferramentas, as empresas fariam melhor em estudá-las, aprender com elas, e usá-las como bússolas para inovar com sentido. 

O salto que falta dar

Um artigo muito interessante que merece reflexão, "How Spain's Indie Fashion Scene Nailed Global Growth".
"The brand is one of a number of independent, digitally native Spanish labels, including jewellery maker Simuero and womenswear label Gimaguas, expanding into new territories..."
"They've opened pop-ups in locations like Paris and Seoul, but many have also started to plant more permanent roots, opening physical retail locations in Paris, London and New York."
"In March, Spanish womenswear brand Paloma Wool opened its first flagship in SoHo..."
O artigo explora a ascensão de várias marcas espanholas independentes e nascidas no mundo digital, como La Veste, Simuero, Gimaguas, Flabelus e Paloma Wool, que estão a expandir-se para mercados internacionais (como os EUA, Paris, Londres e Seul) com grande sucesso. 
"Spanish labels' unexpected, bright pieces are a welcome alternative to the minimalist wardrobe staples..."
"It's a relaxed atmosphere, being close to the beach, to the sun... That's a big part of Spanish culture..."
"Many of the brands, like Simuero and La Veste, also produce their wares exclusively in Spain..." "They are all digitally native," said La Veste's García-Gallardo.
Estas marcas distinguem-se pelo seu estilo colorido e descontraído, produção local em Espanha, e forte ligação às suas comunidades digitais
"The Spanish market has its limits, and the local audience is often inclined to favour native high street giant Inditex..."
"Despite not having a permanent stateside store, 40 to 45 percent of its sales already come from the US market..."
"...helped it gain traction in the US, now its second-largest market after Spain."
Apesar do mercado doméstico limitado e dominado por gigantes como a Inditex (Zara), estas marcas encontraram um público leal no estrangeiro, especialmente nos EUA.
"Growth has to come with profit," said de los Mozos. "If not, it doesn't make sense because in the end, you just have something very big, but useless."
"We don't want to be overexposed, and we don't aim to be in every corner of every store," said García-Gallardo.
"Hosting pop-ups... and connecting with its community in-person has been Simuero's sweet spot."
"Unlike French digital-native successes Polène or Sézane ... Spanish founders often have extroverted, open presences on social media..."
Uma parte super-interessante e querida a este blogue (recordar "Volume is vanity; profit is sanity" de 2006). Estas marcas apostam em crescimento controlado, em manter a integridade artesanal dos seus produtos e o contacto pessoal com os clientes através de pop-ups e redes sociais. 

O seu sucesso é alimentado por uma combinação de autenticidade, marketing pessoal (fundadores visíveis nas redes), e um estilo que contrasta com o minimalismo nórdico dominante.

É interessante. Muitas empresas portuguesas que trabalham "a feitio" (em regime de subcontratação para marcas estrangeiras) acumulam competências valiosas em produção de qualidade, flexibilidade, rapidez de resposta, know-how técnico e capacidade industrial. No entanto, como estão maioritariamente viradas para o modelo de serviço B2B, com margens reduzidas e pouca ou nenhuma ligação directa ao consumidor final, não desenvolvem marca própria nem identidade distinta. Ficam, por isso, invisíveis no mercado global - apesar de fabricarem para marcas prestigiadas.

O salto que muitas empresas portuguesas não conseguem dar não é técnico, é cultural e estratégico. Continuam a jogar num mercado onde são peças de bastidores e não protagonistas. Para sair disso, é preciso assumir um posicionamento diferenciado, mesmo que não seja para massas, e trabalhar marca, estética, comunidade — e não só produto e preço.

É preciso ter coragem de ser pequeno com identidade, em vez de grande e genérico. Evitar a armadilha do crescimento a qualquer custo. A La Veste não tem lojas físicas nos Estados Unidos e consegue 40 a 45% das suas vendas nesse mercado. o que mostra que uma marca pode internacionalizar-se sem lojas físicas permanentes, através de e-commerce, redes sociais e pop-ups estratégicos.


Marca própria: risco maior, margem maior, e produtividade maior.

quinta-feira, maio 08, 2025

Curiosidade do dia

A revista Bloomberg Businessweek deste mês traz um gráfico impressionante sobre a evolução histórica das tarifas alfandegárias nos Estados Unidos:

O gráfico recordou-me uma passagem de The Visionary Realism of German Economics: From the Thirty Years’ War to the Cold War, de Erik Reinert. O autor apresenta uma leitura histórica que contrasta com o pensamento económico dominante, especialmente em torno da questão do livre comércio.

Uma das razões profundas da Guerra Civil americana residiu nas divergentes perspectivas económicas do Norte e do Sul quanto às tarifas alfandegárias. O Norte, com uma indústria nascente e vulnerável à concorrência britânica, defendia tarifas proteccionistas como instrumento de crescimento e autonomia económica. Já o Sul, agrícola e dependente das exportações, favorecia o livre comércio para aceder livremente aos mercados internacionais.

A tese de Reinert é que o livre comércio só é mutuamente benéfico entre países com níveis de desenvolvimento semelhantes. A abertura prematura de economias menos desenvolvidas pode perpetuar a sua dependência e impedir a consolidação de sectores industriais próprios. É neste contexto que Reinert revisita os argumentos de David Ricardo a favor do livre comércio – lembrando que Ricardo falava a partir de um Reino Unido já industrialmente consolidado.

No final do ano passado ouvi um discurso do presidente argentino (na ONU ou no G7) onde prometia acabar com tarifas alfandegárias. Recordei Reinert e pensei, só vão conseguir criar um sector industrial em torno daquilo em que têm vantagem competitiva: agricultura.

É possível não ter barreiras alfandegárias e criar uma economia sustentável? Julgo que sim, mas é difícil, porque os governos criam barreiras a que isso aconteça. Por exemplo, se a Ucrânia fizer algum dia parte da União Europeia será ainda mais anti-económico produzir cereais-commodity em Portugal. Qual o governo de turno que aceita acabar com essa produção?