sexta-feira, novembro 07, 2025

O futuro não se subsidia — constrói-se.


Ontem no FT uma coluna trazia "AI may fatally wound online advertising model, warns Berners-Lee". O artigo começa assim:

"The multibillion-dollar advertising model that has underpinned the internet economy could "fall apart" due to the rise of generative artificial intelligence, according to the inventor of the World Wide Web.

Speaking at the FT Future of AI Summit in London yesterday, Sir Tim Berners-Lee warned that large language models (LLMs) might eventually replace humans in consuming the internet.

"If web pages are all read by LLMs, then people ask the LLM for the data and the LLM just produces the result, the whole ad-based business model of the web starts to fall apart," he said.

This system threatens the collapse of the decades-long advertising-based model that has led to the likes of Google and Meta becoming multitrillion-dollar businesses on the back of powerful ad networks."

A implicação mais profunda é que o tráfego humano — base do valor publicitário — torna-se irrelevante. É uma ameaça ao célebre; se é de graça, tu és o produto. 

Ao ler as declarações de Tim Berners-Lee e dos restantes participantes no FT Future of AI Summit, impressiona a serenidade com que enfrentam o abalo sísmico que a inteligência artificial está a provocar. Não há negação, nem nostalgia.

Há lucidez pragmática ao estilo Mr Spock: o modelo económico que sustentou a internet durante 25 anos — a publicidade baseada na atenção humana - está a esgotar-se. E há uma pergunta prática: o que vem a seguir e como o criamos?

O contraste com o que se passa em Portugal, a reacção dominante da imprensa tradicional à revolução digital tem sido quase a oposta: esperar protecção em vez de procurar reinvenção.

É o reflexo de uma cultura institucional que encara a mudança tecnológica como uma tragédia que exige indemnização, e não como uma oportunidade de reinvenção.

Enquanto uns, lá fora, se reúnem para imaginar como reconstruir o modelo económico da informação, por cá discute-se como manter vivo um modelo morto com fundos públicos.

O problema é que proteger modelos obsoletos não os torna sustentáveis — apenas atrasa o inevitável. Enquanto se discute a criação de fundos de apoio à imprensa, as grandes mudanças acontecem noutro plano: a IA está a transformar a forma como a informação é criada, distribuída e consumida.

Cada euro gasto a tentar conservar o passado é um euro não investido em experimentar novas formas de credibilidade, de financiamento e de relação com o público.

Talvez o que falta à imprensa portuguesa não seja apoio, mas estratégia: perceber que o seu valor não está em vender notícias, mas em construir confiança num mundo saturado de informação gerada por máquinas. Essa poderia ser a sua vantagem competitiva.

quinta-feira, novembro 06, 2025

Curiosidade do dia

Pacheco Pereira tem razão ao denunciar a precariedade dos trabalhadores da Glovo e a ausência de protecção social e laboral. Mas o problema não está apenas na falta de direitos: está na própria natureza destes empregos.

Melhorar as condições, garantir salário mínimo, segurança social, férias e horários decentes — tornaria estas funções economicamente inviáveis para as empresas que se baseiam no modelo da “gig economy”. Ou seja, se lhes dermos dignidade, deixam de ser “viáveis” na lógica actual. O que revela que o sistema, em si, é moralmente insustentável.

Não é por acaso que muitos portugueses não querem esses empregos. Não é preguiça, nem vergonha: é porque não permitem uma vida digna. E é precisamente por isso que se recorre a imigrantes, muitas vezes vulneráveis e sem alternativas, dispostos a aceitar condições que outros recusam. Eles não “roubam” trabalho; ocupam o espaço criado pela nossa aceitação social de empregos indignos.

O verdadeiro debate, portanto, não é se devemos proteger mais ou menos estes trabalhadores, mas se devemos aceitar a existência de um trabalho que só sobrevive à custa da dignidade humana.

No mercado de bens transaccionáveis quando isto acontece, temos o encerramento das empresas e a procura é satisfeita com a produção em países mais baratos. No mercado de serviços não transaccionáveis é interessante que importemos os trabalhadores desses países mais baratos. Impedindo, assim, que empresas ineficientes fechem ou que os consumidores sejam obrigados a pagar o valor justo por esses serviços.



Não se faz com mais betão

Ontem, com "Trepar às árvores com muita rapidez", deu para ver o resultado de investir na subida na escala de valor.

Entretanto, é tempo de ir buscar um texto publicado no The Times do passado dia 21 de Outubro, sobre Inglaterra, mas muito aplicável a um certo Portugal político, à esquerda e à direita. 

O texto é de William Hague, ainda me lembro dele como ministro, e intitula-se "Less build, build, build: more think, think, think":

"Just as Labour MPs know that their entire fate will probably rest on whether Rachel Reeves can get her budget right next month, so almost everything in politics rests on good economics.

This year the prize  [Moi ici: Nobel prize for economics] has gone to three economists who have demonstrated how sustained economic growth is driven by innovation.

...

 Sustained growth, he has shown, depends on science and technology evolving together, a high level of mechanical competence to make the most of them, and a society open to disruptive change.

The other two winners, Philippe Aghion and Peter Howitt, also showed how innovation is the key driver of growth, through a process of "creative destruction" of established companies by new products and processes [Moi ici: A grande lição que aprendi em 2007 com Maliranta sobre a evolução da produtividade na Finlândia]. While the work of all three economists is about how innovation unfolds, it is clear from their conclusions that such innovation is the main and overwhelmingly important determinant of whether we live in a growing or a stagnating economy.

...

In Britain and the rest of Europe, while governments have many initiatives that support innovation, much of their activity fails to give it sufficient priority and most of their policies actively stifle it. That is why they are stuck in stagnation and running out of money.

Ministers continue to believe that building infrastructure and spending more money creates growth. [Moi ici: Por momentos viajei no tempo e ouvi Sócrates a dizer que era preciso mais betão, mais betão e mais betão. A cena de assar sardinhas com fósforos.] But if innovation is the key driver of growth, they are wrong.

...

Ministers like to "build, build, build", because new towns and infrastructure are things you can touch, point at and for which they can claim credit. The trouble with putting effort into new ideas is that they are uncertain, you can't see them, they are risky and the National Audit Office finds it hard to measure them. Yet the only hope of growth is to encourage people to "think, think, think".

...

Listen to many economists and political leaders and you might think growth comes from government spending, or entirely depends on interest rates, small tax changes, stability or consumer confidence. These things do matter, day to day. But to grow sustainably we need the freedom to have new ideas and implement them. Literally everything will depend on it."

Subir na escala de valor é o nosso “think, think, think”.

Não se faz com mais betão — faz-se com mais ideias, mais liberdade e mais coragem para arriscar.

BTW, vejo pessoas que apoiam o actual governo muito contentes com a taxa de desemprego e o crescimento do PIB, mas ao mesmo tempo a produtividade arrasta-se.



quarta-feira, novembro 05, 2025

Curiosidade do dia

 
"O que estamos a enfrentar neste momento, na degradação dos serviços públicos, é pura e simplesmente o nosso passado, que nos apanhou. Quisemos acreditar que tudo era possível, virar a página da austeridade nos segmentos eleitorais do Governo PS e de quem o suportava, fazer do PS um partido financeiramente responsável e, ao mesmo tempo, ter um futuro de serviços públicos de qualidade. Infelizmente o tempo mostrou que isso era impossível. O que temos de fazer agora é mais difícil e vai exigir de quem nos governa coragem e capacidade de execução, assim como apoio dos principais partidos. Não é tarefa fácil."

Trecho retirado de "A factura do passado nos serviços públicos

Trepar às árvores com muita rapidez

No FT da passada segunda-feira encontrei um artigo muito interessante, "Reforms turbocharge China's biotech boom".

Este gráfico deixou-me verdadeiramente impressionado:


O gráfico da esquerda mostra a proporção de acordos de licenciamento de medicamentos inovadores realizados por empresas chinesas, divididos em três categorias:
  • Licensed imports (importações licenciadas de medicamentos estrangeiros para a China);
  • Domestic deals (acordos internos entre empresas chinesas);
  • Overseas licensing (licenciamento de medicamentos chineses para empresas estrangeiras).
Até cerca de 2018, predominavam as importações licenciadas e os acordos domésticos. A partir de 2020, observa-se uma mudança estrutural: a percentagem de overseas licensing cresce de forma acentuada — isto é, as empresas chinesas passam a vender ou licenciar internacionalmente os direitos de comercialização dos seus próprios medicamentos inovadores.
Em 2025, a fatia de licenciamento externo é a maior da série, o que indica que a China deixou de ser apenas um mercado comprador e passou a ser um fornecedor global de inovação farmacêutica.

A rapidez com que esta evolução ocorreu é deveras impressionante. Os macacos não voam, mas podem subir às árvores com grande rapidez.
""Ten years ago, China didn't have a biotech sector to speak of. For the most part, the companies were developing generic drugs. Fast forward to today, and every big pharma is doing most of their shopping in China for novel therapies," said Brad Loncar, an expert on Chinese biotech.
Beijing introduced reforms in the mid-2010s that made it easier for biotech companies to raise capital and pursue innovation. These changes, coupled with the relative speed and low cost of doing drug development and clinical trials, have turbocharged the industry's growth."
O impacte disto na produtividade agregada de um país é tremendo.





terça-feira, novembro 04, 2025

Curiosidade do dia


Ler sobre a realidade inglesa é tão triste. Como é que um país que dominou o mundo agora padece de tantos e tantos males que nos habituamos a ver em Portugal, só que nos ultrapassou de longe e está pior do que nós?

A coluna semanal sobre política britânica na revista The Economist, Bagehot, esta semana tem o título de "The idolatry of victimhood":
"There is no better summary of the increasingly dominant role victims play in British politics. Since the start of 2020 "victims" have been mentioned in Parliament 16,515 times, more than "Brexit" (10,797 times), "welfare" (9,978), "immigration" (8,644), "pensioners" (3,438) and "voters" (2,540). [Moi ici: O estatuto da vítima domina a política britânica contemporânea] It was not always like this. Once, the British state cared little about the victims of its failures.
...
Only in the late 1990s and 2000s did this attitude begin to shift. Victims could fight back. The Human Rights Act made it simpler to challenge government failure. And so began the ascent of the victim in political life.

Now, victims dominate. A victims' commissioner (the current one a victim herself) was created in 2010. Inquiries, once a rarity, became an instinctive reaction to any government mistake. Laws named after victims pass Parliament with ease, dealing with everything from mould in flats to terrorism. [Moi ici: As vítimas tornaram-se actores políticos centrais]
...
Victims petrify politicians. They are apex stakeholders. Normal rules for decisions - risk, cost, proportionality - are thrown away when they are involved. What if a headline suggests ministers snubbed victims? Write the cheque. Civil servants, always cautious, become cowards. Campaigners know this. The unedifying spectacle of a grieving parent wheeled in front of cameras to push a particular policy, whether limits on smartphones or ninja swords, has become a political trump card.
...
In this way British politics becomes an autocracy of lived experience, in which politicians advise and victims decide. For a politician as vapid as Sir Keir oras cynical as Mr Farage perhaps this is no bad thing. A world in which rape victims are compelled to argue with each other over the future of a government minister, cheered on by elected politicians, is a depressing one. But it is the one Britain inhabits. It is a final dereliction of duty to people the state has already failed once and now does again."

É fácil olhar para Inglaterra e pensar que é um fenómeno distante — mas será mesmo?

Também entre nós, a emoção tem entrado pela porta grande da política. Tragédias transformam-se em leis com nome próprio. A indignação pública dita o ritmo da legislação, enquanto o tempo para compreender, ponderar e corrigir fica para depois.

Tudo começa na empatia — e é legítimo que assim seja. O problema é quando a compaixão substitui o critério e o debate se reduz a quem sente mais, não a quem pensa melhor.

Em Portugal, os exemplos acumulam-se: das leis apressadas que nascem de crimes mediáticos às medidas imediatistas após desastres colectivos, é cada vez mais difícil distinguir entre governar e reagir. 

Talvez seja hora de perguntarmos: quando o Estado legisla com o coração, quem é que fica encarregado de usar a cabeça?

 

A produtividade continua a evoluir a passo de caracol

A propósito desta "Economia numa imagem - Na última década, os bens e serviços intensivos em tecnologia e conhecimento foram os que mais contribuíram para o ganho de quota das exportações portuguesas na UE" por um lado temos:
"Os bens de alta tecnologia e os serviços de alta tecnologia ou intensivos em conhecimento representaram mais de 60% do ganho de quota na última década: o contributo dos bens de alta tecnologia foi de 5,2 pp e o dos serviços de alta tecnologia e/ou intensivos em conhecimento de 5,0 pp."

Vamos ao lado positivo: As exportações portuguesas aumentaram em valor e ganharam quota de mercado internacional, sobretudo em bens e serviços de média-alta e alta tecnologia (por exemplo, maquinaria eléctrica, produtos farmacêuticos e TIC). Observa-se uma mudança gradual na estrutura exportadora, menos dependente de sectores tradicionais, como o têxtil e o calçado.

Portugal conseguiu crescer mais rapidamente do que o comércio mundial em alguns segmentos, demonstrando capacidade de adaptação e de melhoria da competitividade externa. 

Agora o lado negativo: Apesar da melhoria nas exportações de sectores mais sofisticados, a produtividade total da economia continua a crescer lentamente. 

O avanço das exportações não se traduz automaticamente em aumentos de produtividade, pois muitas empresas exportadoras operam com baixo valor acrescentado e integração limitada em cadeias de valor globais. A competitividade continua, em muitos casos, baseada em custos e não em diferenciação.

Recordo o que temos quando temos competitividade sem produtividade:


O crescimento do turismo não contribui significativamente para o aumento da produtividade agregada, pois é um sector intensivo em trabalho, com baixo valor acrescentado por hora e com fraca incorporação tecnológica.

Assim, a evolução referida pelo BdP evidencia sucesso comercial, mas não progresso estrutural. Em termos económicos, significa que Portugal ganha quota de mercado em setores de baixa intensidade tecnológica, o que limita o potencial de convergência da produtividade com a média europeia.

Daqui:

"Annual labour productivity growth in Portugal over the past ten years is at 0.4%, below the OECD regional average of 0.9%. The strongest labour productivity growth is observed in Centro at 1.3% annual growth, and the weakest in Algarve where labour productivity fell by 0.5% annually."[Moi ici: Será que está relacionado com a massificação associada aos imigrantes como trabalhadores baratos?]

Temos de ter marcas no B2B para suportar preços mais elevados nas nossas exportações.

segunda-feira, novembro 03, 2025

Curiosidade do dia

Muito interessante a evolução da produtividade na região de Lisboa entre 2012 e 2022 (durante a última década, Lisboa registou um aumento do emprego em serviços pessoais, restauração, turismo urbano e plataformas logísticas, todos de baixa produtividade média):

O Centro surpreende-me positivamente.



Fonte aqui.





Governos e ausência de estratégia (aka clichés)


O The Times de ontem traz um interessante texto de opinião assinado por Daniel Susskind, "My radical budget to get Britain growing: first, end the triple lock".

É uma reflexão sobre o que o Partido Trabalhista britânico, agora no governo, deve fazer no seu próximo orçamento para tirar o Reino Unido da estagnação económica. O autor argumenta que o governo de Keir Starmer precisa de enfrentar escolhas difíceis: se quer crescimento, terá de abandonar políticas que travam a produtividade e aceitar que a prosperidade futura exige reformas dolorosas no Estado social, no sistema fiscal e nas prioridades de despesa.

E depois, aborda um tema que me é muito querido e que o teste de reversão de Roger Martin ajuda a desmascarar: o uso de estratégias da treta, ao optar por aquilo que chamo de catequese, ao tentar conciliar objectivos incompatíveis: crescimento, transição energética, protecção social e disciplina orçamental. 

O autor defende que é tempo de priorizar o crescimento, mesmo que isso implique decisões impopulares. Se o governo não o fizer, o país continuará preso à estagnação e ao declínio. Como não recordar Joaquim Aguiar e as suas críticas à distribuição sem olhar para a criação de riqueza.
"Joaquim Aguiar costuma escrever que não se pode seguir em frente sem primeiro reconhecer os erros do passado. Por isso, ele usa a metáfora das rotundas. O país está numa rotunda há mais de 20 anos, focado na distribuição de riqueza que é gerada por outros povos e que se transforma em dívida para as gerações de escravos no futuro."

Vamos ao texto de Susskind:

""Growth," declared Keir Starmer at the start of 2024, "is the lever that I intend to pull." The trouble with that line is that it makes the task at hand seem too easy. A far better metaphor is a wheel, not a lever. This captures the real, more difficult, choice: whether to steer the economy towards more growth but, at the same time, to accept that also means turning away from other things Labour believes are important.

Until now, the government has been unwilling to make that trade-off. That is what must change in this budget if stagnation is to end. [Moi ici: O governo precisa de fazer escolhas reais, não apenas ajustes técnicos. Governar não é puxar uma alavanca fácil, mas escolher uma direcção, e aceitar os sacrifícios que ela implica. Starmer evita decisões difíceis.]

Labour is introducing new workers' rights that will cost businesses £5 billion a year according to the government's own analysis. But if this budget is serious about growth at all costs, it would delay these reforms - not because they don't matter, but because ending stagnation matters more.

Labour is pursuing a net-zero agenda that is driving up energy bills, decimating traditional industries and will cost the economy a fortune. But this budget should dilute these ambitions not because the climate is unimportant, but because this price is too high given the economic calamity unfolding.

Labour is protecting the pension triple lock, [Moi ici: Esta cena do "triple lock" consegue ser pior do que qualquer coisa feita em Portugal sobre o tema nos últimos 40 anos] which the Office for Budget Responsibility expects to cost £15.5 billion a year by 2030. But if growth is the main goal, Labour would scrap this and use the savings to, for instance, fund tax cuts for small and medium-sized businesses and entrepreneurs - not because the triple lock isn't nice, but because this money could be used in pursuit of prosperity. Labour is failing to reform a welfare system that keeps 25 per cent of working-age people in big cities such as Birmingham, Liverpool and Blackpool on out-of-work benefits. With growth the priority, this system should be overhauled - not to save money, but because it is inefficient to condemn millions of people, full of new ideas, to worklessness.

Labour will not consider a customs union with our biggest trading partner, the EU, despite the fact that Reeves is likely to blame Brexit for the state of Britain. But if growth really is the be all and end all, then this is the moment to set out the intention to revisit that relationship. Putting the British economy first demands it. [Moi ici: Estes 4 exemplos ilustram a incapacidade de fazer trade-offs. Por isso estas políticas actuais contradizem o objectivo de crescimento]

...

This is the challenge that sits at the heart of Britain: a tension between what the economy needs and what Labour allows.

...

The budget must make clear that Labour's titanic ambitions for the state are no longer compatible with how poor we have become.

...

Finally, the budget must be blunt that this is the end of the road. If Labour does not prioritise growth, if it is unwilling to give up other things that it values in its pursuit, then it is likely to end up with little at all.

My fear is that only an external crisis will force Labour to seriously change direction. My hope is that an internal crisis will happen within Labour before that. [Moi ici: Não acredito, os deputados têm ainda mais medo que o medroso Starmer]"

Vamos ao teste de Roger Martin. Em vários pontos o governo tenta evitar escolhas entre opções plausíveis:

  • Crescimento vs. preservar todos os benefícios actuais. O inverso ("crescer e rever benefícios") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia. 
  • Crescimento vs. ritmo/desenho do net-zero. O inverso ("ajustar o net-zero para priorizar o crescimento no curto prazo") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
  • Crescimento vs. manter o triple lock. O inverso ("rever o triple lock para libertar investimento") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
  • Estabilidade pós-Brexit vs. reaproximação económica à UE. O inverso ("revisitar a relação com a UE") é plausível → requer escolha; ao evitá-la, não há estratégia.
Se o inverso de uma afirmação é absurdo, não estamos perante uma estratégia — temos uma banalidade, um cliché, enfim treta. Estratégia implica escolher entre opções válidas; o inverso pode fazer sentido para alguém noutro contexto.

domingo, novembro 02, 2025

Curiosidade do dia


Recordar esta outra "Curiosidade do dia".

"The men were dressed as construction workers in high-visibility vests. Few seemed to notice as they quickly walked toward a building and forced their way inside.
Then they were gone, zipping through the city with millions of dollars in stolen jewelry and other treasures.
It didn't happen in Paris. It happened in suburban Queens.
Just three days before burglars in neon safety vests broke through a second-floor window of the Louvre and absconded with roughly $102 million worth of jewelry, a band of burglars in similar disguises staged a miniature version of the heist in the Jamaica Hills neighborhood."

Trecho retirado de "Burglars Disguised as Construction Workers. Millions in Jewels Taken. In Queens." publicado no NYT de 31.10.



A melhoria não é o problema: o que falta à ISO 9001 (parte II)

Parte I gerou uma troca de ideias. Um leitor comentou, com razão, que, pelo que eu escrevia, parecia decorrer que os auditores deveriam ter formação em gestão de empresas para compreender a estratégia e os projectos de melhoria.


É um ponto interessante, mas não creio que seja assim. Essa formação extra não faria mal, é certo, mas o papel do auditor não é avaliar se a estratégia é boa ou má. O apetite pelo risco e as escolhas estratégicas pertencem à gestão. O papel do auditor é outro: avaliar se a política da qualidade está alinhada com a orientação estratégica da organização, se os objectivos traduzem essa política e se os projectos de melhoria fazem sentido para alcançá-los.

O papel do auditor é verificar a coerência, não julgar escolhas.
O auditor não é um consultor nem um gestor-sombra. O seu trabalho não é discutir se a organização devia apostar noutro mercado ou adoptar outro posicionamento.

O seu papel é confirmar se o sistema de gestão tem lógica interna:
  • Se a política expressa uma direcção clara e coerente com o que a empresa declara ser a sua orientação; 
  • Se os objectivos traduzem essa direcção em resultados concretos e mensuráveis; e
  • Se os projectos de melhoria estão efectivamente ligados a esses objectivos. (Já agora, não ajuda nada que a ISO 9001 não considere obrigatório ter estes planos por escrito)
Quando o auditor avalia esta coerência, está a cumprir a função mais nobre da auditoria: verificar se a organização faz o que diz e se o que diz faz sentido à luz do seu rumo.

Uma ferramenta simples ajuda muito nesta tarefa: o teste de reversão de Roger Martin.
A ideia é esta — uma boa política implica uma escolha. E toda a escolha implica um “não”.
O auditor pode testá-lo perguntando: “O inverso desta política também poderia ser verdade?”
Se sim, há uma escolha real. 
Se não, a política é genérica e não orienta nada.

Durante a auditoria, em vez de pedir apenas o texto da política, o auditor pode seguir três perguntas simples:
  1. A política identifica uma direcção concreta? (ou é uma lista de boas intenções?) 
  2. Os objectivos derivam dessa direcção? (ou foram definidos porque "a norma pede"?) 
  3. Os projectos de melhoria ajudam a atingir esses objectivos? (ou são acções dispersas?)
A auditoria da qualidade não deve avaliar se a estratégia é acertada, mas sim se o sistema a traduz com coerência. O auditor é, antes de tudo, o guardião dessa coerência interna entre propósito, objectivos e melhoria. Quando cumpre bem esse papel, a auditoria deixa de ser um ritual de conformidade e transforma-se num exercício de inteligência organizacional.

sábado, novembro 01, 2025

Curiosidade do dia


Na revista The Economist desta semana em "Time-warp" reporta-se acerca das eleições no estado mais pobre da Índia, Bihar.

O rendimento médio anual é um terço da média nacional. Em média, ganha-se o equivalente a 800$ por ano. 

Politicamente, o estado é governado por uma coligação liderada por Nitish Kumar, cuja popularidade baseia-se em programas sociais — como bicicletas gratuitas para raparigas e subsídios a mulheres empreendedoras. Por momentos, pensei numa coligação Moedas-Leitão-Ferreira. Contudo, o principal problema continua a ser o desemprego, com apenas um terço dos jovens a participar na força de trabalho. A oposição, em vez de propor soluções estruturais, promete criar milhões de empregos públicos, reforçando o ciclo vicioso de dependência e de clientelismo político.

O texto termina lamentando que os políticos prefiram disputar fatias de um bolo pequeno em vez de procurar formas de o tornar maior — ou seja, de gerar verdadeiro crescimento económico.

"The single biggest complaint is the lack of decent jobs. Workers from Bihar can be found on factory floors across India. But their own state hosts a mere 1% of the country's factories. Around half of Bihar's workforce toils on farms that are less productive than elsewhere in India. Many young Biharis have given up looking for work. Only about one-third of 15-to-29year-olds are in the labour force, among the lowest rates in the country.

The opposition is making hay from these problems. But its solution is exasperating: to promise more government posts. Tejashwi Yadav, 35, is Mr Kumar's main rival. His party says that within 20 months of taking office, it will deliver enough government jobs to guarantee at least one per family. That could require creating over a million new posts a month.
This pledge sounds fantastical, but it has wide appeal. India's cities celebrate techies and people who have gone to business school; in Bihar status, financial stability and money for things such as dowries come from entering the bureaucracy. Women prefer men with government jobs, sighs a student outside a coaching centre in Sasaram district, where he is preparing for the civil-service entrance exams.
...
Growth would transform lives in Bihar, more than anywhere else in India. If only politicians would spend more time debating how to make the pie bigger-and less time fighting over how to slice it up."
É curioso e triste ver como o contágio destas políticas clientelares não conhece fronteiras. Também por cá, os partidos parecem ter descoberto que é mais fácil prometer subsídios, isenções e perdões do que falar de produtividade, investimento e valor acrescentado. Em vez de desenharem um país capaz de “fazer o bolo crescer”, disputam migalhas — quem oferece o passe mais barato, o cheque mais gordo, o perdão mais oportuno. No fundo, a democracia corre o risco de se tornar uma feira de benesses, em que o eleitor é tratado como cliente, e não como cidadão.

A melhoria não é o problema: o que falta à ISO 9001


Christopher Paris escreveu recentemente que a introdução do conceito de "improvement" na ISO 9001:2000 ajudou a estragar a norma, em "Why the Addition of "Improvement" Helped Ruin ISO 9001". 


A sua tese é simples: até então, a ISO 9001 servia para conferir confiança aos clientes de que os fornecedores conseguiam cumprir consistentemente os requisitos. Ao introduzir a melhoria contínua, os autores criaram algo difícil de auditar, subjectivo, que retirou clareza e desviou a norma do seu propósito inicial.

Concordo que a norma perdeu clareza, mas não acredito que o problema esteja na ideia de melhoria. O problema está noutro ponto: o mundo mudou e a excelência operacional deixou de ser suficiente para garantir o sucesso do negócio. A norma não tem sabido salientar este ponto com a devida ênfase, e isso percebe-se muito bem na forma como a política da qualidade é escrita, comunicada e frequentemente auditada, como um texto genérico, desligado da verdadeira orientação estratégica da organização.

Nos anos 80 e 90, falar de qualidade era falar de Garantia da Qualidade. O foco estava em garantir, objectivamente, que o fornecedor produzia peças conformes. O jogo competitivo era claro: reduzir defeitos, aumentar eficiência, controlar custos. Num mundo em que a excelência operacional fazia a diferença, a certificação ISO 9001 era uma poderosa credencial.

Com a ISO 9001:2000, o conceito evoluiu para o de Gestão da Qualidade. A definição de sistema de gestão é explícita: trata-se de “estabelecer políticas e objectivos e trabalhar para alcançar esses objectivos”. Isto deslocou o foco do presente (o produto ou serviço está OK) para o futuro — a organização deve gerir-se como um sistema, considerar o contexto, antecipar riscos e planear mudanças.

Convém também recordar a origem da ISO 9001. A norma foi criada não para auditorias de terceira parte, mas para que os clientes pudessem auditar os seus fornecedores e, dessa forma, assegurar-se da conformidade dos produtos adquiridos. A certificação por entidades independentes só se generalizou mais tarde. Essa génese explica muito do seu desenho inicial: verificar se o fornecedor era capaz de atender aos requisitos do cliente, ponto final. O foco era o controlo, não a estratégia.

Essa herança ainda hoje se sente. Veja-se a cláusula 8.2, que trata da determinação de requisitos relativos a produtos e serviços. O texto é praticamente mudo sobre algo decisivo numa lógica de gestão: a necessidade de escolher clientes-alvo, de procurar e conquistar os clientes certos. A norma continua presa à ideia de “cumprir os requisitos do cliente”, como se todos os clientes fossem iguais e como se não houvesse escolhas estratégicas a fazer.

Já em 1996, Michael Porter alertava para o perigo de confundir a eficiência operacional com a estratégia. Os japoneses tinham revolucionado a gestão com qualidade total, kaizen e normalização, mas ao competir todos com os mesmos métodos, ficaram presos numa “armadilha de eficiência” — todos iguais, todos competindo pelo preço.

Nos meus textos sobre a “cristalização” e a mudança de paradigma que levou ao fim da minha marca Redsigma, desenvolvi esta ideia: houve uma altura em que reduzir a variabilidade e apostar na normalização bastava para diferenciar. Mas isso esgotou-se. Quando o mundo foi invadido por produtos chineses a preços muito competitivos, a excelência operacional não foi suficiente para assegurar o sucesso do negócio. Agora, o sucesso não vem da uniformidade, mas da capacidade de criar variedade, diferenciação e valor.

É aqui que a ISO 9001 falha em ser explícita. Ao falar da política da qualidade, dos objectivos e da melhoria, a norma não sublinha suficientemente que a qualidade deve ser entendida como criação de valor no futuro, e não apenas como garantia de eficiência no presente.

Na prática, isto traduz-se em políticas de qualidade redigidas de forma genérica, que não expressam escolhas estratégicas, e em auditorias que verificam a conformidade documental, mas não questionam se a política realmente orienta a organização para o futuro.

O que está em causa não é retirar o conceito de melhoria da norma. Pelo contrário: a melhoria é essencial, mas deve ser entendida como a ponte entre a eficiência operacional e a diferenciação estratégica.

A norma deveria reforçar que:
  • A Garantia da Qualidade continua a ser necessária — garantir os requisitos vigentes é a base.
  • A Gestão da Qualidade só tem sentido se for usada para preparar a organização para o futuro — ligar o contexto, os riscos, as oportunidades e as escolhas estratégicas.
  • A política da qualidade deve deixar de ser uma formalidade e passar a ser a tradução clara da direcção da empresa, onde se vê como pretende criar valor e diferenciar-se.
A ISO 9001 não se perdeu por ter introduzido a melhoria. Perdeu relevância porque não tem sabido ligar-se de forma clara à realidade de que a excelência operacional, por si só, já não garante sucesso. O desafio hoje não é apenas fazer bem o que todos fazem, mas escolher onde ser diferente, onde criar valor, onde apostar recursos.

Uma boa norma de gestão da qualidade deve ajudar as organizações a percorrer esse caminho. Se não o fizer, ficará condenada a um papel cada vez mais burocrático, longe das decisões que realmente definem o futuro das empresas.

Uma das razões para recentemente ter lançado este curso Turn Your Quality Policy Into a Strategic Compass.

sexta-feira, outubro 31, 2025

Curiosidade do dia

Mão amiga mandou-me isto há dias:



Para reflexão.




Estratégia trocada em miúdos


O conceito de estratégia numa linguagem comum.

No artigo que escrevi (Parte XII) (original de 2015 aqui), tentei mostrar a importância de distinguir quais os processos que merecem excelência e quais os que apenas precisam de fiabilidade. Usei a metáfora do decatlonista: um atleta completo, capaz de competir com outros generalistas, mas que perde inevitavelmente quando enfrenta especialistas — os chamados salami slicers. O mesmo acontece com empresas que tentam ser boas em tudo sem decidir onde realmente têm de brilhar.

É nesse ponto que as palavras de Joe Rogan ressoam. Ele explica que não é possível ser o melhor em todas as frentes ao mesmo tempo. Para alcançar o topo, é preciso aceitar limites, escolher onde colocar foco e energia e reconhecer que esse foco transforma não só o desempenho, mas também a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo.


A estratégia, como Michael Porter nos recorda, é sobre escolhas e compromissos.
  • Não se pode ser o melhor em tudo.
  • Hiperfocar numa área acarreta custos noutras.
  • A arte está em decidir conscientemente: o que priorizar e o que deixar para trás?
Para as empresas — e também para as pessoas — o mesmo princípio aplica-se. O sucesso não vem de
fazer mais, mas de escolher deliberadamente onde se quer ser excelente e aceitar os sacrifícios que
acompanham essa escolha.

Onde é que a sua empresa escolheu ser excelente — e o que decidiu não seguir? 

quinta-feira, outubro 30, 2025

Curiosidade do dia

É impressionante como, em praticamente toda a Europa, os governos continuam a gastar energia e recursos para defender o passado, em vez de abraçar o futuro. Seja nos media tradicionais, seja na indústria automóvel, as políticas parecem sempre desenhadas para prolongar modelos já ultrapassados. Depois, admiram-se com a baixa produtividade e com o atraso crescente face aos Estados Unidos. 

Enquanto uns se dedicam a proteger estruturas que já não se sustentam, outros apostam em inovação, novas tecnologias e na criação de valor. O resultado está à vista. 


Quando se está num buraco, a primeira coisa a fazer é deixar de cavar.


Uma advertência

Nos primeiros anos da década de 90 a revista The Economist publicou um artigo, que tenho algures guardado, com uma tabela que ilustrava a competição interna, doméstica, no Japão dessa altura. Uma concorrência impiedosa. Os números impressionavam. Por exemplo, mais de 20 marcas diferentes a produzir pneus e a concorrer entre si de forma impiedosa.

Em Julho recordei um texto de Porter de 1996 sobre as empresas japonesas e a brutal competição entre elas. Agora já quase não se fala nessa palavra, mas era o tempo dos keiretsu que forneciam apoio financeiro e partilha de cadeias de distribuição.

Entretanto, nos últimos tempos uma palavra tem aparecido muito nos jornais internacionais, "involution".

Por exemplo, no WSJ de 20 de Outubro, "China Grapples With 'Involution' Choking Economy".
 
O artigo descreve como a economia chinesa enfrenta um problema profundo identificado como “involution” – uma espiral de competição interna tão intensa que destrói lucros, pressiona trabalhadores, gera deflação e ameaça o crescimento económico sustentável. O excesso de produção e a falta de procura conduzem a guerras de preços e a queda das margens. Apesar dos avanços tecnológicos e da aposta em indústrias do futuro, a China vê-se presa a um ciclo de sobrecapacidade, exportações agressivas e fragilidade do consumo interno, num contexto de crescimento lento e desemprego crescente.

No FT do passado dia 24 de Outubro, "For China, involution' is a blessing as well as a curse". Que pode ser resumido desta forma:
  • O sistema político chinês recompensa líderes regionais pela industrialização e pelo crescimento económico. -> 
  • Isto cria uma competição feroz entre as províncias para lançar novos projectos industriais. ->
  • Cada região tenta superar as demais em investimento, produção e inovação. Resultado: investimentos duplicados em sectores “da moda” (IA, semicondutores, veículos elétricos, painéis solares). ->
  • Consequências imediatas da involution - Sobrecapacidade industrial -> fábricas subutilizadas, excesso de produção. -> Queda de margens -> empresas vendem a preços muito baixos para sobreviver. -> Preços caem pela saturação da oferta. -> Desperdício de recursos -> investimentos redundantes e não produtivos.
  • Efeitos positivos inesperados (“bênção”). A mesma dinâmica cria campeões nacionais altamente competitivos. Empresas aprendem a escalar rapidamente, a cortar custos e a sobreviver com margens mínimas. Estas empresas tornam-se superprodutivas e agressivas nos mercados globais.
  • Efeitos negativos internos (“maldição”). A economia doméstica fica presa a ciclos de excesso de capacidade e de margens apertadas. A instabilidade económica cresce, pois muitos investimentos não geram retornos sustentáveis.
Resultado dual
  • Para dentro da China: desperdício, excesso, pressão deflacionária.
  • Para fora: supremacia em sectores estratégicos (painéis solares, baterias, veículos elétricos, semicondutores, etc.), o que transforma o glut interno em poder global.
No NYT do passado dia 24 de Setembro, "A downside to China's economic fix":
"Competition in China is often far more cutthroat than in the United States. America has a handful of carmakers; China has more than 100 electric vehicle makers struggling for market share. China has so many solar panel makers that they produce 50 percent more than global demand. About 100 Chinese lithium battery producers churn out 25 percent more batteries than anyone wants to buy.
This forces Chinese manufacturers to innovate, but it also leads to price wars, losses and bad debt — and that's becoming a problem.
China is heading toward deflation, the often catastrophic downward spiral of prices that sank Japan in the 1990s. Its leaders are blaming a culprit they call "involution", a term that has come to mean reckless domestic competition. They want to rein it in by browbeating companies into keeping prices steady and instructing local governments to scale back subsidies. It won't work. At best, those are temporary fixes for China's more fundamental problem. Its economy relies so heavily on investment for growth, rather than consumer spending, that it produces enormous surpluses that wreck profits at home and provoke trade wars abroad."
Há um termo que costumo usar aqui no blogue, "crescimento canceroso" (BTW, uma terminologia que vai ser proíbida na doente Espanha). 

No fundo, a involution é um espelho que a China nos mostra hoje. É uma advertência sobre os riscos de um crescimento baseado apenas na capacidade de produzir mais. A alternativa não está em produzir menos, mas em produzir melhor: criar valor reconhecido pelos clientes, investir em inovação significativa e a cultivar mercados que premeiem a qualidade. Essa é a diferença entre ser arrastado pela espiral da competição interna ou subir na escala do valor — e transformar excesso em verdadeira prosperidade. 



quarta-feira, outubro 29, 2025

Curiosidade do dia



Os anúncios nos jornais internacionais sobre despedimentos aqui e acolá vão se acumulando e tornando mais frequentes do que os relatos nacionais de mortes em acidentes com tractores.

Entretanto, hoje descobri:



A campanha provocou forte reacção pública e mediática: desde a indignação de sindicatos, fóruns de design e redes sociais, até críticas de que a mensagem denota desprezo pelos trabalhadores humanos. 

A mim fez-me recordar aquela frase: "O futuro já cá está, embora esteja irregularmente distribuído."

Pode ser muito mais do que treta

A propósito de "Bosch avança com lay-off na fábrica de Braga após centenas de despedimentos"

"Estrangulada por falta de chips, a fábrica da Bosch de Braga, a maior do país do grupo alemão, vai avançar para lay-off na próxima semana, mandando para casa a maioria dos cerca de 3.300 trabalhadores, avança o Negócios."

Muitas vezes ouço dizer que a análise de contexto e a análise de riscos organizacionais, exigidas pela ISO 9001, são pura burocracia. Um exercício formal, sem utilidade prática. Mas basta abrir os jornais para perceber como estas ferramentas podem ser vitais para a sobrevivência de uma empresa.

Veja-se este exemplo da Bosch em Braga.

A fábrica, por falta de chips, avança para o lay-off da maioria dos seus 3.300 trabalhadores. A produção fica parada por tempo indeterminado.

A origem do problema não está na fábrica de Braga, nem nos trabalhadores, nem nos processos internos. Está fora: uma crise geopolítica envolvendo a Nexperia, fornecedora de semicondutores. O governo holandês interveio na empresa por questões de propriedade intelectual; o governo chinês respondeu com restrições à exportação. Resultado: chips bloqueados, cadeias de fornecimento estranguladas e a Bosch em Braga parada.

Ora, é exactamente aqui que entram as cláusulas da ISO 9001 que muitos consideram “treta”:

  • Análise de contexto (cláusulas 4.1 e 4.2): uma organização deve identificar factores externos que podem influenciar a sua capacidade de cumprir os objectivos. Neste caso, a dependência de fornecedores críticos de chips, localizados em regiões vulneráveis a tensões políticas, seria um factor de peso.
  • Análise de riscos e oportunidades (cláusula 6.1): a empresa deveria avaliar a probabilidade de interrupção no fornecimento de semicondutores e o impacto devastador que tal interrupção teria na produção. Isto obrigaria a pensar em medidas: diversificação de fornecedores, contratos alternativos, stocks de segurança, planos de contingência para suspender e retomar a produção.
  • Objectivos da qualidade (cláusula 6.2): não faz sentido definir metas de entrega e produtividade desligadas da realidade externa. Se não se consideram os riscos da cadeia de abastecimento, os objectivos ficam sempre em risco de não serem cumpridos.

Este exemplo mostra que a ISO 9001 não se resume a garantir produtos conformes. Ela obriga as organizações a olhar para fora, a ler os sinais do contexto e a antecipar riscos.

No fundo, é uma questão de resiliência. Quem encara a ISO 9001 como burocracia perde a oportunidade de usá-la como radar e bússola. Quem a leva a sério tem mais hipóteses de resistir a choques, proteger empregos e garantir futuro.

A qualidade não está apenas no produto que sai da linha. Está também na capacidade de uma organização se preparar para o inesperado. 

Quer evitar que a sua empresa seja apanhada de surpresa por factores externos como os que afectaram a Bosch em Braga?

Posso ajudar a sua organização a fazer uma análise estruturada de contexto e de riscos, transformando o que parece ser apenas burocracia da ISO 9001 numa ferramenta prática de resiliência e tomada de decisão.

Se a sua empresa precisa de alinhar objectivos com a realidade do mercado, antecipar riscos críticos e preparar-se para o inesperado, fale comigo. Não sou bruxo, mas ando nisto há muitos anos e este blogue é a evidência do que faço e analiso.

terça-feira, outubro 28, 2025

Curiosidade do dia

Numa época de Big Brothers, de câmaras de vigilância em todo o lado, onde nos podemos esconder, como podemos passar incógnitos? 

Só mesmo à vista de todos. Brilhante!!!

Foi o que retirei de "At Louvre, Neon Safety Vests Made Thieves All But Invisible" publicado no NYT de passado dia 24 de Outubro:
"When clothing manufacturers first made high-visibility jackets, the purpose was to make the laborers who wore them as visible as possible. But brightly colored safety clothes are now so ubiquitous that they often have the opposite effect so that the wearer blends in, even as the bold colors catch the eye.

That can make safety gear a key part of the criminal's toolkit. On Sunday, when thieves broke into the Louvre Museum in Paris and stole $102 million worth of jewelry, two of them wore neon-colored safety vests. 
...
Experts say the neon items help criminals operate in plain sight.

"High-vis clothing carries a strange paradox," said Caroline Stevenson, the program director of cultural and historical studies at the London College of Fashion. "It's meant to make the wearable visible in industrial or hazardous spaces, yet often it renders the wearer socially invisible," she said.
...
If you are dressed as "a police officer, construction worker or maybe a priest," Brand said, "people think you're fine."
Craig Jackson, a professor of occupational health psychology at Birmingham City University in England, said that high-visibility safety jackets had become such a ubiquitous symbol of authority - like a clipboard or a reporter's microphone — that they were like "a cloak of invisibility.""