domingo, novembro 02, 2025

A melhoria não é o problema: o que falta à ISO 9001 (parte II)

Parte I gerou uma troca de ideias. Um leitor comentou, com razão, que, pelo que eu escrevia, parecia decorrer que os auditores deveriam ter formação em gestão de empresas para compreender a estratégia e os projectos de melhoria.


É um ponto interessante, mas não creio que seja assim. Essa formação extra não faria mal, é certo, mas o papel do auditor não é avaliar se a estratégia é boa ou má. O apetite pelo risco e as escolhas estratégicas pertencem à gestão. O papel do auditor é outro: avaliar se a política da qualidade está alinhada com a orientação estratégica da organização, se os objectivos traduzem essa política e se os projectos de melhoria fazem sentido para alcançá-los.

O papel do auditor é verificar a coerência, não julgar escolhas.
O auditor não é um consultor nem um gestor-sombra. O seu trabalho não é discutir se a organização devia apostar noutro mercado ou adoptar outro posicionamento.

O seu papel é confirmar se o sistema de gestão tem lógica interna:
  • Se a política expressa uma direcção clara e coerente com o que a empresa declara ser a sua orientação; 
  • Se os objectivos traduzem essa direcção em resultados concretos e mensuráveis; e
  • Se os projectos de melhoria estão efectivamente ligados a esses objectivos. (Já agora, não ajuda nada que a ISO 9001 não considere obrigatório ter estes planos por escrito)
Quando o auditor avalia esta coerência, está a cumprir a função mais nobre da auditoria: verificar se a organização faz o que diz e se o que diz faz sentido à luz do seu rumo.

Uma ferramenta simples ajuda muito nesta tarefa: o teste de reversão de Roger Martin.
A ideia é esta — uma boa política implica uma escolha. E toda a escolha implica um “não”.
O auditor pode testá-lo perguntando: “O inverso desta política também poderia ser verdade?”
Se sim, há uma escolha real. 
Se não, a política é genérica e não orienta nada.

Durante a auditoria, em vez de pedir apenas o texto da política, o auditor pode seguir três perguntas simples:
  1. A política identifica uma direcção concreta? (ou é uma lista de boas intenções?) 
  2. Os objectivos derivam dessa direcção? (ou foram definidos porque "a norma pede"?) 
  3. Os projectos de melhoria ajudam a atingir esses objectivos? (ou são acções dispersas?)
A auditoria da qualidade não deve avaliar se a estratégia é acertada, mas sim se o sistema a traduz com coerência. O auditor é, antes de tudo, o guardião dessa coerência interna entre propósito, objectivos e melhoria. Quando cumpre bem esse papel, a auditoria deixa de ser um ritual de conformidade e transforma-se num exercício de inteligência organizacional.

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