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quinta-feira, outubro 30, 2025

Uma advertência

Nos primeiros anos da década de 90 a revista The Economist publicou um artigo, que tenho algures guardado, com uma tabela que ilustrava a competição interna, doméstica, no Japão dessa altura. Uma concorrência impiedosa. Os números impressionavam. Por exemplo, mais de 20 marcas diferentes a produzir pneus e a concorrer entre si de forma impiedosa.

Em Julho recordei um texto de Porter de 1996 sobre as empresas japonesas e a brutal competição entre elas. Agora já quase não se fala nessa palavra, mas era o tempo dos keiretsu que forneciam apoio financeiro e partilha de cadeias de distribuição.

Entretanto, nos últimos tempos uma palavra tem aparecido muito nos jornais internacionais, "involution".

Por exemplo, no WSJ de 20 de Outubro, "China Grapples With 'Involution' Choking Economy".
 
O artigo descreve como a economia chinesa enfrenta um problema profundo identificado como “involution” – uma espiral de competição interna tão intensa que destrói lucros, pressiona trabalhadores, gera deflação e ameaça o crescimento económico sustentável. O excesso de produção e a falta de procura conduzem a guerras de preços e a queda das margens. Apesar dos avanços tecnológicos e da aposta em indústrias do futuro, a China vê-se presa a um ciclo de sobrecapacidade, exportações agressivas e fragilidade do consumo interno, num contexto de crescimento lento e desemprego crescente.

No FT do passado dia 24 de Outubro, "For China, involution' is a blessing as well as a curse". Que pode ser resumido desta forma:
  • O sistema político chinês recompensa líderes regionais pela industrialização e pelo crescimento económico. -> 
  • Isto cria uma competição feroz entre as províncias para lançar novos projectos industriais. ->
  • Cada região tenta superar as demais em investimento, produção e inovação. Resultado: investimentos duplicados em sectores “da moda” (IA, semicondutores, veículos elétricos, painéis solares). ->
  • Consequências imediatas da involution - Sobrecapacidade industrial -> fábricas subutilizadas, excesso de produção. -> Queda de margens -> empresas vendem a preços muito baixos para sobreviver. -> Preços caem pela saturação da oferta. -> Desperdício de recursos -> investimentos redundantes e não produtivos.
  • Efeitos positivos inesperados (“bênção”). A mesma dinâmica cria campeões nacionais altamente competitivos. Empresas aprendem a escalar rapidamente, a cortar custos e a sobreviver com margens mínimas. Estas empresas tornam-se superprodutivas e agressivas nos mercados globais.
  • Efeitos negativos internos (“maldição”). A economia doméstica fica presa a ciclos de excesso de capacidade e de margens apertadas. A instabilidade económica cresce, pois muitos investimentos não geram retornos sustentáveis.
Resultado dual
  • Para dentro da China: desperdício, excesso, pressão deflacionária.
  • Para fora: supremacia em sectores estratégicos (painéis solares, baterias, veículos elétricos, semicondutores, etc.), o que transforma o glut interno em poder global.
No NYT do passado dia 24 de Setembro, "A downside to China's economic fix":
"Competition in China is often far more cutthroat than in the United States. America has a handful of carmakers; China has more than 100 electric vehicle makers struggling for market share. China has so many solar panel makers that they produce 50 percent more than global demand. About 100 Chinese lithium battery producers churn out 25 percent more batteries than anyone wants to buy.
This forces Chinese manufacturers to innovate, but it also leads to price wars, losses and bad debt — and that's becoming a problem.
China is heading toward deflation, the often catastrophic downward spiral of prices that sank Japan in the 1990s. Its leaders are blaming a culprit they call "involution", a term that has come to mean reckless domestic competition. They want to rein it in by browbeating companies into keeping prices steady and instructing local governments to scale back subsidies. It won't work. At best, those are temporary fixes for China's more fundamental problem. Its economy relies so heavily on investment for growth, rather than consumer spending, that it produces enormous surpluses that wreck profits at home and provoke trade wars abroad."
Há um termo que costumo usar aqui no blogue, "crescimento canceroso" (BTW, uma terminologia que vai ser proíbida na doente Espanha). 

No fundo, a involution é um espelho que a China nos mostra hoje. É uma advertência sobre os riscos de um crescimento baseado apenas na capacidade de produzir mais. A alternativa não está em produzir menos, mas em produzir melhor: criar valor reconhecido pelos clientes, investir em inovação significativa e a cultivar mercados que premeiem a qualidade. Essa é a diferença entre ser arrastado pela espiral da competição interna ou subir na escala do valor — e transformar excesso em verdadeira prosperidade.