Recordo-me muitas vezes de um programa de debate na RTP que aconteceu há muitos anos. Debatia-se Camarate e as hipóteses de acidente ou atentado. A certa altura um dos convidados esgrimiu um argumento que para mim, alguém que estudou química com profundidade e gosto, era absurdo. Quase todos os convidados eram advogados ou juristas e debatiam com base em técnicas de retórica ou oratória, com jogos de palavras e sei lá que mais. O que ficou gravado para mim naquele momento, foi o perceber que um comentador habitual de política nos media portugueses estava a usar um argumento que, se fosse verdade, implicava o sucesso da alquimia. Pensei logo na quantidade de temas que não domino e que aquele e outros comentadores comentam com autoridade.
Como não recordar
Sérgio Figueiredo e o fim do calçado, ou
André Macedo e o fim do têxtil, ou
Pais Mamede e os preços mais baratos para exportação do que para o mercado nacional. Sim, o panorama mediático está cheio de gente sem noção da realidade que ocorre no terreno e, por isso, com ou sem intenção malévola, mistifica a realidade.
Ontem encontrei mais outra dessas mistificações típicas de quem está longe da realidade. Neste texto, "
Uma década gloriosa para António Costa", um texto lúcido com o qual concordo em muitos aspectos, Manuel Carvalho estatela-se em grande ao escrever:
"É bom que António Costa sublinhe a importância da educação e da ciência, uma feliz recuperação das políticas de Mariano Gago que, ao contrário do que a direita neoliberal apregoava, foram decisivas para que a agricultura, a têxtil ou o calçado sejam o que são hoje."
Extraordinária mistificação!!!
Como é possível escrever isto?!
Como é possível acreditar que a recuperação dos sectores tradicionais da economia, dizimados pela concorrência externa aconteceu sob a orientação da academia?
A academia passou completamente ao lado desta recuperação porque ela foi feita com base num novo paradigma competitivo. A academia estava, e muita ainda está, tão embrenhada no paradigma anterior, tão prisioneira de modelos tornados obsoletos que nunca teria a liberdade para a tentativa e erro que foi necessário desenvolver até chegar a algo viável.
Basta visitar as fábricas de calçado para perceber que foi gente do terreno, gente sem alternativa de vida que deu a volta, contra os académicos que previam o Armagedão. Basta visitar as fábricas têxteis e perceber que foi uma revolução bottom-up, como aqui relatei inúmeras vezes, enquanto a direcção da associação patronal do sector combatia o Paquistão e apelava ao proteccionismo, as pessoas do terreno deram a volta.
BTW, recordar a
passerelle.