domingo, novembro 30, 2025

Curiosidade do dia

"The Danish postal service has said it will deliver its last letter at the end of this year, instead focusing on packages to respond to changing forms of communication.

PostNord said on Thursday it would cut 1,500 jobs in Denmark and remove 1,500 red postboxes, citing the “increasing digitalisation” of society.
...
The Danish postal service has been responsible for delivering letters in the country since 1624, but since 2000 the number of letters has declined by more than 90%, it said."

A decisão da Dinamarca é mais do que a história de um serviço de correio. É um exemplo de como lidar com mudanças profundas, irreversíveis e estruturais.

E deixa um desafio implícito: Temos coragem, política, institucional e cultural para fazer o mesmo quando chegar a nossa vez noutros serviços?

Claro que a pergunta é académica, claro que sabemos a resposta, somos os reis e rainhas dos direitos adquiridos. Boa sorte!

Trechos retirados de "Danish postal service to stop delivering letters after 90% drop in numbers

A lei de Gall (parte I)

A Lei de Gall é um princípio do design de sistemas, da ciência da complexidade e da aprendizagem organizacional que afirma:

“A complex system that works is invariably found to have evolved from a simple system that worked.”

— John Gall, Systemantics (1975) 

E o seu corolário:

“A complex system designed from scratch never works and cannot be patched up to make it work. Start over with a working simple system"

O verdadeiro sentido da Lei de Gall é que a complexidade que funciona tem de surgir de forma gradual, e não ser construída de uma só vez. Os sistemas complexos bem-sucedidos — sejam biológicos, tecnológicos, organizacionais ou de gestão — desenvolvem-se por iterações sucessivas, e não através de um grande desenho inicial. Não se constrói um avião começando por um plano perfeito no papel; começa-se por um planador simples, experimenta-se, aprende-se e evolui-se a partir daí.

Da mesma forma, os sistemas simples falham de forma controlada, enquanto os sistemas complexos falham de modo catastrófico. Implementações gigantes, procedimentos demasiado concebidos ou sistemas ISO exageradamente pesados tendem a colapsar sob o peso das suas próprias ambições. Já os sistemas simples revelam os seus problemas mais cedo, com menor custo e com menor risco para a organização.

No fim, a evolução vence sempre a especificação. O refinamento progressivo gera estabilidade; os projectos demasiado desenhados geram frustração. A maturidade de um sistema constrói-se passo a passo, permitindo que a complexidade certa emerja apenas quando é realmente necessária.

É por isso que as pequenas experiências, feitas em partes controladas do sistema, são tão valiosas. Permitem validar ideias, filtrar o que funciona e, sobretudo, podar o que não serve. Quando se testa uma solução em pequena escala, os erros aparecem cedo, sem grande custo e com impacto limitado. As interacções entre pessoas, processos e tecnologia tornam-se visíveis e compreensíveis. É neste espaço reduzido e seguro que nasce a aprendizagem verdadeira, a que ajuda a perceber o que deve ser simplificado, reforçado ou abandonado.

Ao contrário, quando um sistema é implementado de uma vez, com documentação exaustiva, processos totalmente redesenhados e novas práticas impostas de cima para baixo, tudo fica mais frágil. As falhas surgem onde menos se espera, as pessoas recorrem a atalhos, a utilização real diverge do plano, e a organização vê-se obrigada a remendar continuamente para manter o sistema vivo. Um sistema concebido em grande escala tende a falhar de forma igualmente grande; um sistema que cresce a partir de pequenas experiências falha em modo “seguro”, permitindo aprender e ajustar rapidamente.

É essa capacidade de evoluir por iterações, de experimentar e refinar antes de escalar, que separa os sistemas resilientes dos sistemas pesados que ninguém usa. Ao começar com uma versão simples — suficientemente clara para funcionar e suficientemente pequena para ser corrigida — criam-se as condições para que a complexidade futura seja uma resposta natural às necessidades reais, e não uma construção teórica desligada do terreno. As pequenas experiências tornam-se, assim, o laboratório da organização: o espaço onde se valida, se elimina, se poda, se afina e, finalmente, se constrói algo duradouro.

Em suma: sistemas vivos crescem por evolução, não por desenho grandioso. E a evolução começa sempre com experiências pequenas, concretas e disciplinadas, capazes de revelar o que funciona, o que não funciona e o que nunca devia ter sido tentado. 

Lembro-me logo da nossa constituição.

Continua.

sábado, novembro 29, 2025

Outro momento de especulação

Ontem no FT um artigo interessante sobre estratégia, "H&M moves upmarket to avoid being fast-fashion victim".

A H&M está a mover-se para um posicionamento mais "upmarket" - produtos de maior qualidade, margens mais altas e menos dependência do modelo clássico de fast-fashion — para evitar ser ultrapassada pela concorrência chinesa ultrarrápida como a Shein e a Temu.

""an industry that is changing at a furious pace".

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H&M has been increasingly squeezed from above by the likes Zara and from below by cheaper rivals including Shein, Temu and Primark." [Moi ici: A H&M está a subir na escala de valor para evitar ser vítima do fast-fashion ultrarrápido (Shein, Temu)]
...

Daniel Ervér told the Financial Times that the Swedish fast-fashion retailer was on "a very long journey" towards increased profitability

... 

Operating margins fell from more than 20 per cent in 2010 to 3 per cent in 2022. They reached 8.6 per cent in the third quarter this year, up from 5.9 per cent a year earlier. [Moi ici: A empresa está numa trajectória de longo prazo para melhorar margens e rentabilidade]

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With the right product, we sell more with less. It becomes a more effective way of running the business," said Johanna Klingspor, H&M's head of creative development.

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"We need to stop doing what doesn't make a difference for the customer and really shift resources and money to what makes the difference." [Moi ici: A estratégia passa por simplificar a gama, reduzir complexidade e vender mais com menos]

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One top-ten shareholder said: "H&M were caught in between - not in Zara's price point, and definitely not in Shein's. They let the margins slide for too long." A fashion analyst added: "Ervér's elevation strategy is taking the company in the right direction as it helps to reduce the H&M brand's exposure to value fashion - the most competitive segment of the market and the most exposed to competition from not only the likes of Shein, but also second-hand platforms."

...

given how the competitive landscape has changed, we need to step up our game,""

Diagnóstico? O baixo custo deixou de ser um lugar seguro.

A H&M foi, durante anos, sinónimo de fast-fashion. Mas o modelo que lhe deu escala e margem já não funciona porque:

  • Shein, Temu e Primark ocupam o extremo ultra low-cost com velocidade e custos impossíveis de igualar.
  • Zara ocupa o espaço imediatamente acima, com moda mais rápida, mais sensorial e com preços mais altos.

A H&M está espremida entre:

  • uma pressão descendente (concorrentes mais baratos e mais rápidos)
  • uma pressão ascendente (concorrentes mais caros e mais desejados)

O meio é o pior lugar para estar.

O CEO da H&M reconhece isto explicitamente:

“We sell more with less – it becomes a more effective way of running the business.”

Ou seja, só há uma saída — subir na escala de valor

Curiosidade do dia

Mais um exemplo de Kronos e o desplante de comer os seus filhos.

Como é que alguém pensa que isto não vai rebentar nas mãos de um qualquer Passos?

Café, Paris e Mongo


No FT de ontem um artigo sobre Mongo, "In Paris, the next coffee revolution is quietly brewing".

O artigo descreve a nova revolução do café em Paris, caracterizada por uma mudança profunda na forma como a cidade consome e produz café. 
"In 2010, The New York Times published an article questioning why coffee was so bad in Paris. But by 2019, the FT's Simon Kuper was celebrating a Parisian coffee revolution - a transformation marked by independent roasters, many founded by immigrants familiar with high-quality coffee from Australia or the US, who introduced a focus on artisanal roasting methods and espresso drinks like the cortado or flat white. Today, the city's coffee culture has entered an exciting new phase, which is less centred on shaking off a bad reputation and more on micro-roasteries pushing for higher degrees of coffee nerdery and distinctiveness. In most neighbourhoods, you can find coffee shops championing single-origin beans and state-of-the-art brewing techniques. It doesn't come cheap, but it means consumers enjoy coffees that are layered and lingering - more akin to a €15 glass of wine than a €1.50 shot of espresso."
Pequenos micro-torrefactores e cafés como o Taná e o Substance Café lideram esta evolução, em que o café é tratado quase como um vinho: camadas aromáticas, terroir, fermentação controlada, co-fermentação com frutos, experiências com variedades raras. O consumidor parisiense, cada vez mais informado, procura cafés únicos, expressivos e tecnicamente impecáveis. As lojas investem em processos, estética minimalista e rituais de preparação que elevam o café a uma experiência sofisticada e identitária.
"This meticulous focus on origin, processing and brewing precision isn't unique — but part of a larger trend shaping Paris's speciality coffee scene. Kévin David of Moklair, a Reims roastery stocked across Paris, says the future lies in varietal diversity, refined drying techniques, and "processes that make coffee both clearer and deeper".
So while David chases clarity, Morceau pursues purity and Gagnaire values innovation, it somehow all adds up to a scene that feels unmistakably Parisian."

Durante décadas, o café parisiense era previsível, homogéneo, com pouca variação — exatamente o tipo de mercado “suave” e uniforme do século XX, onde todos correm atrás do mesmo pico e se copiam mutuamente.

Agora, o que Paris tem é o oposto:

  • micro-torrefações,
  • fermentações esotéricas,
  • co-fermentações com frutas,
  • perfis sensoriais raros,
  • cafés tratados como terroirs únicos.

Não há um pico para o qual todas as lojas correm. Há mil picos pequenos, um para cada tribo de gosto, exactamente como na minha metáfora de Mongo. Paris saiu do século XX e entrou em Mongo.

No texto lá em cima sobre Mongo escrevi:

"Um planeta, um mercado, pleno de diversidade que resulta do casamento das oportunidades que a tecnologia disponiliza para aumentar a variedade das ofertas, com o estilhaçar das barreiras mentais e culturais que condicionavam as opções pessoais de cada um."

É isto que o artigo mostra: consumidores capazes de distinguir cafés fermentados 30 horas vs. 70 horas, cafés lavados vs. anaeróbicos, notas de uva, maçã, flor de laranjeira.

O consumidor já não quer “um café”. Quer o seu café, adaptado ao seu pico, ao seu nicho, à sua tribo de gosto. 

Em "Diferenças entre a concorrência no século XX e em Mongo" escrevi:

"Mongo é onde não faz sentido copiar o que o outro faz, é onde faz sentido ser diferente"

E o artigo mostra lojas como:

  • Taná, focado em fermentações extremas,
  • Substance Café, obcecado pela precisão e pela clareza,
  • Terres de Café, com cafés raros de origem única.

Cada loja escolhe um pico, uma tribo, um gosto. Não tentam agradar a todos. Não tentam competir no centro.

E não estão em guerra umas com as outras — estão distantes nos seus próprios nichos.

Isto é textbook Mongo competitivo:

  • picos numerosos,
  • baixa volatilidade entre empresas,
  • clientes fiéis ao seu nicho,
  • produtos muito estáveis e diferenciados.

Nos modelos do século XX, as empresas mudam constantemente para roubar clientes na zona central comum (o “dance around the peak”) 

Em Mongo, é diferente:
  • cada empresa foca-se no seu pico,
  • aprofunda a técnica, e
  • procura diferenciação radical.
O artigo descreve exatamente aquilo que defini como Mongo: 
  • um mercado hiper-fragmentado,
  • milhões de nichos, 
  • a morte do mercado de massas, 
  • empresas que não competem em imitação mas em profundidade, 
  • consumidores que procuram a sua tribo, o seu gosto, o seu pico, 
  • estabilidade competitiva dentro de nichos muito diferenciados.
A revolução do café em Paris não é só uma tendência gastronómica; é um estudo de caso perfeito da minha metáfora de Mongo em acção.

sexta-feira, novembro 28, 2025

Curiosidade do dia

Um certo tipo de arrastão demográfico a que já estamos habituados em Portugal, agora visto na Inglaterra. Socialismo, seja ele de direita ou de esquerda, não consegue produzir outra coisa, sobretudo quando o peditório para a redistribuição aumenta, mas a riqueza criada cresce cada vez menos.

No The Times de ontem em "Youngsters are a bigger loss than non-doms":
"It breaks my heart," says a friend, "my son only went for a year to work and surf in Sydney." Now the recently - qualified doctor has bought a flat in Australia and got engaged, and his mother fears she will see him only once a year. Another friend's child is finishing his postgraduate architectural studies in Sweden and has already been offered myriad jobs. He's not coming home. Nor is Mia, who has become a baker in Denmark, or Matt, who is working as an engineering consultant in Singapore, while his younger sister has set up a booming pet-grooming business in Poland.
...
entrepreneurial, creative and aspirational, who were departing "in droves". These aren't the 940,000 Neets (not in education, employment or training) or the quiet quitters who want to do the minimal amount from under a duvet, but the competitive, skilled, driven and much-needed future taxpayers who are fleeing Britain because they don't like being derided for aspiring to a high standard of living and a better life than their parents. They want a fair chance of being rewarded if they work hard.
...
According to the Adam Smith Institute, 28 per cent of 18 to 30-year-olds said they were actively planning or had seriously considered emigrating, worried about being overtaxed, underhoused and undervalued. The British Council last year reported that nearly three quarters of that age group in the UK would consider living abroad, an all-time high this century."

Já aqui escrevi várias vezes que os políticos vão, mais tarde ou mais cedo, querer uma guerra para justificar um reset. A outra alternativa será um "Afuera".


 

Um momento de especulação



O que tem mudado no contexto externo de uma empresa como a Sicasal? Quando se pensa a sério, vê-se um oceano de mudança profunda e desfavorável. 

O retalho alimentar transformou-se no actor dominante, com o hiperdomínio das marcas próprias do Continente, Pingo Doce e Lidl. Estas marcas ocupam hoje quase todas as categorias de charcutaria e carnes transformadas, impondo preços muito baixos e margens reduzidas aos fornecedores. Apenas empresas de grande escala conseguem acompanhar esta pressão, deixando empresas médias como a Sicasal numa posição estruturalmente frágil.

Ao mesmo tempo, os custos operacionais subiram de forma significativa: matérias-primas voláteis, energia extremamente cara num sector dependente do frio e da refrigeração, mão de obra mais escassa e dispendiosa e requisitos sanitários cada vez mais exigentes. Quando os preços de venda estão comprimidos e os custos sobem simultaneamente, a margem desaparece rapidamente.

Por exemplo, a nível da matéria-prima:
"O grau de orientação exportadora de Portugal para a carne de suíno em 2020 situou-se nos 20,1%, longe dos 8,1% do ano 2010."
A concorrência internacional agravou ainda mais a situação. Espanha consolidou um sector de carnes transformadas com empresas muitíssimo maiores, custos unitários mais baixos e logística integrada, invadindo com facilidade o mercado português. O consumo também mudou: menos carne de porco, maior preocupação com a saúde, procura por produtos clean label e substituição por alternativas mais baratas. As empresas dependentes de produtos tradicionais ficaram especialmente expostas.

O resultado é um ambiente externo muito mais hostil, em que a escala, a eficiência e a capacidade de adaptação deixaram de ser vantagens competitivas — tornaram-se pré-requisitos mínimos para sobreviver.

O último parágrafo, para quem conhece este blogue, abre a porta para a alternativa: fugir desta pressão, fugir da comoditização. 

Enquanto escrevo isto, o olhar foge-me para um segundo ecran onde leio o último parágrafo do artigo "Britain must remove the pension triple lock", publicado no FT de 26 de Novembro:
"The longer we delay taking action, the more we bake in future cost pressures that will be harder to unwind."

É a estória do campo de possibilidades que encolhe, e dos graus de liberdade que se perdem, 

O contexto externo muda e, muitas vezes, como neste caso, de forma muito desfavorável, mas as empresas podem mudar e adaptar-se ao novo mundo. O problema é que mudar implica sair da zona de conforto. Ainda esta semana, numa reunião, falávamos sobre reconhecer a dor, os sintomas que nos dizem que a empresa tem um problema, quando um dos participantes nos alertou para algo mais subtil, para a facilidade com que mascaramos os sintomas com "medicamentos" com expedientes legais, mas estrategicamente mortais. Sair da zona de conforto é, por exemplo, perceber que há um potencial que parece estar a ser perdido, mas explorá-lo implica mudar algo na identidade da organização. 

A Sicasal chegou a um ponto em que continuar a jogar o jogo do “barato e massificado” deixou de ser uma opção viável. O mercado mudou mais depressa do que a empresa, e a combinação de pressão das marcas próprias, da concorrência espanhola, de custos elevados e de alterações nos hábitos de consumo empurrou o negócio para margens cada vez mais frágeis. Mas isso não significa que não haja um caminho possível — apenas que esse caminho já não passa pela lógica tradicional de volume. Passa, sim, por foco, diferenciação e valor acrescentado.

O primeiro passo teria sido — e ainda pode ser — olhar de frente para os números. Uma análise rigorosa, categoria a categoria, cliente a cliente, para perceber onde se ganha realmente dinheiro e onde se perde. Muitas empresas industriais carregam consigo um “cemitério de produtos”: referências que ocupam capacidade, geram complexidade e não trazem margem. Eliminar 20 ou 30% desses produtos liberta caixa, simplifica as operações e devolve controlo ao planeamento. Sem esta limpeza inicial, qualquer transformação assenta em areia. Recordo sempre o regresso de Jobs à Apple.

Depois, a Sicasal teria beneficiado de reduzir drasticamente a dispersão do portefólio. Em vez de tentar agradar a todos os canais, deveria ter construído três pilares claros: 
  • uma linha B2B e food service, onde conta a consistência, o corte, o porcionamento e a fiabilidade;
  • uma gama premium ancorada na tradição portuguesa, no porco preto e em produtos curados com identidade; e 
  • uma linha moderna, clean label, menos sal e rótulos curtos, capaz de competir em nichos do retalho onde se valoriza saúde e qualidade. Este tipo de foco não só cria valor, como devolve sentido à marca.
Finalmente, a Sicasal teria de desenvolver os mercados onde pode ser escolhida pelo que é, e não pelo preço por grama: exportação selectiva para comunidades portuguesas e nichos mediterrânicos; parcerias com chefs, hotéis e cantinas; presença em retalho especializado; e um relacionamento mais forte com o canal Horeca, onde o serviço e a adaptação contam mais do que o preço.

Eventualmente, será necessário algum tipo de investimento para aumentar a eficiência e reduzir custos operacionais.

A tese estratégica é simples: a Sicasal não tem futuro como fornecedora de produtos baratos num mercado dominado pelas marcas brancas. O futuro, se existir, está naquilo que ainda só ela pode ser: portuguesa, fiável, adaptável, com identidade e com valor. Menos volume, mais margem. Menos dispersão, mais foco. Menos sobrevivência diária, mais construção deliberada de uma empresa que sabe exactamente para quem quer produzir — e porquê. Claro, a Raporal e a Purdue ilustram que é preciso ter paciência estratégica e o que acontece quando não se a tem.

Mas isto é reflexão de um outsider que vê as coisas de longe e filtradas por aquilo que chega aos jornais.

BTW, isto fez-me recuar ao dia 10 de Setembro de 2001, seguia no meu carro vindo do Norte para realizar uma auditoria de certificação na cidade de Montijo. Ao chegar à cidade, ficou-me gravada na memória uma série de ruínas industriais associadas ao sector do porco. Certamente, já resultado da adesão à CEE e de algumas alterações na distribuição grande em Portugal.

Esta semana ouvi mais um episódio de Fall of Civilizations, desta feita sobre a queda do império persa. Já nos últimos 30 minutos, acompanhamos a entrada do exército macedónio comandado por Alexandre na Ásia Menor, território pertencente ao império persa. Os persas perguntaram aos mercenários gregos que tinham ao seu serviço como combater os macedónios. Estes disseram-lhes, não tentem um confronto directo. Eles estão tarimbados por anos e anos de guerras ao serviço de Filipe para unificar a Grécia, e vocês não têm uma guerra a sério há muito tempo. E depois deram a solução: queimem-lhes a logística, incendeiem as cidades e campos que eles vão pilhar para se alimentar. 

E os persas horrorizados responderam:
- Queimar as nossas cidades?! Destruir as nossas cidades?! Não, isso não. 

A maravilha do império persa, que era a sua rede de estradas, fez com que os macedónios limpassem o império em pouco tempo.

quinta-feira, novembro 27, 2025

Curiosidade do dia

Mão amiga mandou-me este infográfico:


Obrigado Tó, Pedro e Marina.


Um momento para pensar com calma

A propósito de "Grupo de Guimarães vai adaptar fábrica para produzir botas para militares"

Há notícias que pedem celebração imediata e outras que pedem reflexão serena. A entrada da AMF Safety Shoes no segmento militar é, sem dúvida, um sinal de dinamismo industrial e ambição: uma empresa de Guimarães capaz de produzir 900 mil pares por ano, que exporta 90% da sua produção, e que quer entrar num mercado onde a Europa está a reforçar orçamentos de defesa e em que existe procura real. 

Mas há momentos em que vale a pena parar e fazer duas perguntas difíceis — não por pessimismo, mas por responsabilidade estratégica.

Será que este segmento faz sentido para esta empresa?

O mercado militar é muito diferente do mercado de calçado técnico para a indústria. No papel, trata-se de uma oportunidade: volumes elevados, estabilidade contratual, visibilidade europeia. Mas na prática, o processo de aquisição militar assenta frequentemente num princípio simples: ganha quem oferece o preço mais baixo. (recordar a cena do filme Armageddon)

E isto levanta uma questão essencial: Será que o cliente militar está disponível para pagar aquilo em que esta empresa é realmente boa?

Ou será que o processo de concurso tenderá a esmagar o valor acrescentado para que caiba num preço mínimo?

É uma dúvida legítima.

Num segmento onde a diferenciação técnica existe, é importante perceber se esses factores são valorizados ou se, no fim, a variável dominante é o preço unitário.

Se o valor não for pago, a excelência deixa de ser vantagem e torna-se apenas um custo.

Será que faz sentido fazer este produto na mesma fábrica que produz séries pequenas e inovadoras?

Outra questão que merece ponderação é a mistura de lógicas industriais.

Produzir botas inovadoras, com séries pequenas, ciclos curtos, experimentação rápida e grande flexibilidade, é uma coisa. Produzir equipamento militar para concursos públicos, com volumes elevados, especificações rígidas e margens apertadas, é outra coisa completamente diferente. A notícia refere que a empresa prevê “duas linhas diferenciadoras: uma com inovação e outra mais tradicional". Isso mostra que a própria AMF já reconhece a necessidade de separar as lógicas produtivas. A questão é saber se essa separação será suficiente.

Porque misturar operações com ADN tão distinto pode gerar tensões reais (e recordo o velho Skinner e a sua plant within a plant:

  • competição interna por recursos;
  • prioridades contraditórias;
  • custos fixos mais elevados do que o segmento militar suportará;
  • risco de a linha “inovadora” perder agilidade;
  • risco de a linha militar contaminar a cultura industrial com uma lógica de custo mínimo.

Não é raro ver empresas excelentes a perderem o foco quando tentam servir dois mundos com expectativas e modelos económicos incompatíveis.

Não é um problema técnico — é um problema estratégico.

Misturar estas duas lógicas (calçado inovador e calçado militar) na mesma linha, com as mesmas pessoas, os mesmos gestores, as mesmas métricas e a mesma cultura operacional é pedir problemas.

Skinner ensinou-nos que uma fábrica tem de ser ‘focused’. Quando duas lógicas industriais coexistem — inovação de alta variedade e concursos públicos de grande volume — a empresa entra num conflito interno permanente. A solução não é misturar; é separar. Seja fisicamente, seja criando PWPs: mini-fábricas com identidade própria, métricas próprias e cultura própria.

Uma reflexão final

Nada disto diminui o mérito da AMF Safety Shoes.

Antes, pelo contrário: quando uma empresa chega onde esta chegou, merece exatamente este tipo de reflexão séria — porque está numa posição em que decisões estratégicas moldam décadas, não anos.

O objetivo não é travar a ambição, mas garantir que ela assente sobre três perguntas que todos os líderes responsáveis devem fazer:

Este cliente valoriza realmente aquilo que nos diferencia?

Este segmento tem margem para pagar o nosso nível de competência?

É prudente misturar lógicas industriais tão diferentes sob o mesmo tecto?

Se a resposta for sim — óptimo.

Se a resposta for talvez, vale a pena investigar.

Se a resposta for não, é sinal de que a empresa precisa afinar a sua direcção antes de avançar.

Decisões estratégicas só são fortes quando nascem da dúvida certa.

E estas duas dúvidas, neste caso, não são apenas legítimas, mas também essenciais. Mas isto é reflexão de um outsider que vê as coisas ao longe e filtradas por aquilo que chega aos jornais.


quarta-feira, novembro 26, 2025

Curiosidade do dia



Ontem, o The Times publicou quatro artigos espalhados pelo jornal que ajudam a construir uma imagem de uma certa Europa.

Na primeira página a notícia, "Nuclear 'fish disco' to save one salmon a year" de que para salvar um (1) salmão por ano ...
"More than £700 million is being spent at Hinkley Point C nuclear power station on environmental measures expected to save just 0.083 salmon and
0.028 sea trout per year."
Na página 2, "Half of Britons back scrapping HS2 to plug budget shortfall". Na página 23, a coluna de opinião de William Hague, "Europe risks going the way of imperial China". Na página 25 outra coluna de opinião, "We shouldn't expect democracy to last for ever".

De vez em quando, vários sinais isolados começam a alinhar-se como peças de um puzzle maior. Estes quatro artigos formam exactamente esse padrão: a Europa está a mostrar sintomas de um sistema que perdeu vitalidade, ambição e capacidade de execução.

O HS2, que prometia revolucionar o transporte no Reino Unido, tornou-se num símbolo perfeito da incapacidade europeia de concluir obras estratégicas. Derrapagens orçamentais superiores a 100%, atrasos de décadas, cortes sucessivos e um alcance final muito aquém da ambição inicial. Não é apenas uma linha ferroviária que falhou — é a manifestação física de um continente preso a procedimentos, hesitações e ao medo de decidir. O HS2 não é um acidente. É a metáfora perfeita de um continente que debate tudo, decide pouco, executa quase nada ao ritmo do mundo moderno.

Ao mesmo tempo, William Hague alerta que a Europa corre o risco de seguir o destino da dinastia Qing: uma potência cultural e económica que, confiando demasiado no passado, ignorou a revolução tecnológica que se aproximava. Hoje, a Europa olha para os EUA e a China a correrem em IA, defesa, energia, biotecnologia e software... enquanto continua absorvida em divisões internas, regulações infinitas e ilusões de conforto.

James Marriott acrescenta a última peça do quadro: a democracia europeia, que nos habituámos a ver como permanente e sólida, está a envelhecer. A confiança pública deteriora-se, o cinismo alastra, as fissuras geracionais aumentam e o próprio sistema parece incapaz de produzir líderes com visão. Não estamos perante um colapso súbito; estamos perante a erosão lenta de um modelo que já viveu melhores dias.

Cada artigo, a seu modo, aponta para o mesmo ponto fraco:

A Europa comporta-se cada vez mais como um continente que já não controla plenamente os seus próprios mecanismos de funcionamento. 

Não controlamos a tecnologia que usamos, nem a defesa que nos protege.
Não controlamos grandes obras públicas nem orçamentos que alguma vez fiquem dentro do previsto.
Não controlamos a demografia que sustenta o futuro, nem a capacidade de executar políticas que realmente mudem vidas.

E Portugal é um microcosmo dessa mesma fragilidade. Quando olhamos para o nosso país, vemos sintomas idênticos em escala nacional: um SNS em que médicos tarefeiros conseguem facturar milhões num par de fins de semana; centros de saúde que registam dez mil imigrantes “por engano”; sistemas informáticos incapazes de detectar abusos; regras que ninguém fiscaliza; procedimentos que não funcionam; responsabilidades que se diluem. Uma espécie de “bar aberto” institucional, onde todos sabem que há falhas, mas ninguém assume o controlo.

O problema não é apenas operacional — é civilizacional.

É a perda lenta, mas visível, da capacidade de governar, vigiar, corrigir, planear e garantir que o sistema funciona para quem dele depende.

E talvez o mais grave seja isto: tal como na Europa, também em Portugal estamos a perder a confiança dos cidadãos. As pessoas sentem que o Estado já não controla nada — nem os seus próprios processos, nem as suas próprias fronteiras, nem os seus próprios serviços.

É a sensação de um país e de um continente que vive da memória do que já foi capaz de fazer, enquanto o mundo — e os problemas — avançam muito mais depressa do que nós conseguimos reagir.

Tem um Frankenstein?

 Há tempos, usei esta imagem:


E outra parecida, para promover umas sessões de coaching sobre sistemas de gestão. Na "landing page" escrevi:
"Procedures written years ago — by people who've already left.
Too much paperwork nobody reads.
Too little connection between what’s written and what’s done."
Era — e continua a ser — o retrato fiel de muitas organizações.

Os procedimentos foram escritos aquando da implementação inicial do Sistema de Gestão da Qualidade: uma espécie de "instalação 1.0". O tempo passou, o contexto mudou, as pessoas que conheciam o sistema saíram, e aquilo que era claro e útil começou a encher-se de pequenas camadas: anexos, remendos, excepções, atalhos, práticas antigas que ninguém usa, mas que continuam lá, fossilizadas.
"Layering over, not uninstalling."
Acrescenta-se. Nunca se remove. Até que, imperceptivelmente, o sistema transforma-se num monstro: pesado, incoerente, difícil de seguir, impossível de explicar.

A imagem do Frankenstein é perfeita exactamente por isto: cada parte foi, em algum momento, adicionada com a melhor das intenções. Mas o resultado final? Uma criatura desajeitada, lenta, disforme e incapaz de cumprir o papel para o qual foi criada.

A coincidência que não é coincidência. Na passada segunda-feira, Roger Martin publicou “Revisiting Management Systems – The Nervous System of Strategy”.

E é curioso como o seu argumento é exactamente o que tenho visto e escrito ao longo dos anos — mas dito com a clareza conceptual que só ele tem. Martin explica que os sistemas de gestão, quando não são mantidos, acumulam camadas — regras, procedimentos, políticas e artefactos que já não se encaixam entre si:
“Management systems tend to accumulate over time like barnacles on the hull of a ship.”
Barnacles. Cracas presas ao casco de um navio.
E tal como as cracas tornam o barco mais lento, instável e ineficiente, os sistemas de gestão cobertos de resíduos do passado transformam-se em máquinas de fricção. Não ajudam — atrapalham.
O resultado?

Desvio estratégico. Lentidão. Capacidade de execução reduzida. E uma sensação difusa de que a organização está sempre atrasada, sempre presa, sempre a entrar em reuniões para discutir o que "já devia estar a funcionar".

Martin resume numa frase aquilo que qualquer consultor, auditor ou gestor sente todos os dias:
"In this way, if the WTP/HTW choice is the heart of strategy, then MHC are the muscles and EMS its nervous system — the network of signals, incentives, and feedback loops that translate strategic intent into coherent, day-to-day action."
Ou seja: O sistema nervoso tem de fazer com que os músculos trabalhem ao serviço do coração.

Traduzido para a realidade das organizações:
  • O sistema tem de reflectir a realidade, não uma ficção confortável.
  • O sistema tem de orientar as decisões, não de as bloquear em nome de uma conformidade bacoca.
  • O sistema tem de simplificar a acção, não de adicionar camadas de complexidade.
  • O sistema tem de ligar a execução ao que realmente interessa — a estratégia, o propósito, a criação de valor.
Um SGQ que não faz isto é apenas papel. Papel morto. Papel que assusta, se arrasta e olha para nós com aquele ar de Frankenstein institucional.

O que Martin chama “barnacles”, eu vejo todos os dias como:
  • procedimentos com 20 páginas quando bastariam 2; 
  • instruções escritas há 10 anos por pessoas que já nem lembramos;
  • práticas que mudaram no chão de fábrica mas continuam no papel;
  • auditorias internas feitas como checklists automáticas;
  • equipas que já não acreditam no sistema porque o sistema já não acredita nelas.
No fundo, tanto Martin como eu estamos a dizer a mesma coisa: Um sistema de gestão deve ser vivo. Respirar.
Atualizar-se. Acompanhar a mudança.
Ser uma ferramenta de clareza — nunca de confusão.
E se isso não está a acontecer?
Então não tem um sistema de gestão.
Tem um Frankenstein.

terça-feira, novembro 25, 2025

Curiosidade do dia

O WSJ de ontem trazia um artigo interessante, "Two Sisters: How AI Affects Their Different Career Paths".

"The Texas sisters' divergent career paths reflect the shifting dynamics: White-collar jobs that once seemed solid are no longer, and some skilled blue-collar work is looking like a safer bet."

O artigo conta a história de duas irmãs americanas, Sophia e Hannah Talley, cujas carreiras estão a ser afectadas, de forma oposta, pela evolução da inteligência artificial.

  • Sophia, 22 anos, queria ser escritora de não-ficção. Entrou no mercado de trabalho como editora freelancer, mas enfrenta grande dificuldade: muitos trabalhos de escrita, edição e comunicação estão a ser automatizados ou substituídos por ferramentas de IA. Envia CVs, faz entrevistas, mas suspeita que está a perder oportunidades porque as empresas filtram candidatos com IA e descartam perfis "não ideais". Está a ponderar obter uma certificação em Al prompt-writing como "fallback".
  • Hannah, 25 anos, saiu da universidade para se tornar mecânica automóvel. Os mecânicos, ao contrário de muitas profissões de escrita, ainda têm pouca exposição à automação: apenas 19% das tarefas são automatizáveis. Trabalha na Firestone, ganha cerca de 53 mil dólares, tem 401(k), formação em serviço e oportunidades reais de progressão. Clientes chegam com ideias e "diagnósticos" gerados por IA, mas ela nota que "a IA não tem mãos".

Os pais, ambos frequentes utilizadores de IA no trabalho, apoiam as duas filhas, mas reconhecem que o impacto da IA não é igual para todos. A mensagem final do artigo é que a IA está a redefinir carreiras, abrindo portas para algumas e fechando portas para outras — e que as pessoas precisam de se adaptar, mas nem todas as carreiras são igualmente vulneráveis.

O caso da Sophia mostra um fenómeno já visível em Portugal: jovens qualificados em áreas de escrita, comunicação, marketing ou jornalismo a entrar num mercado saturado — e agora tecnologicamente substituível. Enquanto isso, as profissões técnicas (EFA, IEFP, cursos profissionais) têm escassez de candidatos.




Quando o contexto revela o caminho (Parte II)

Parte I.

E há ainda uma dimensão fascinante neste processo: a reacção autocatalítica que se instala entre o político (ou a organização) e o seu contexto. Geoffrey Moore ajuda-nos a perceber esta dinâmica: aquilo que primeiro faz sentido apenas para uma pequena vanguarda — os early adopters — raramente é, à partida, uma estratégia clara para o mercado inteiro. É uma intuição, uma postura, uma nuance que só alguns conseguem ler. E, no início, esses “alguns” são exactamente as pessoas que validam a oportunidade emergente.

Quando o político ou a empresa tenta fazer o famoso fine-tuning, quando procura melhorar o “fit”, faz o seguinte movimento: ajusta-se internamente a algo que começou fora dela. Refina a mensagem, torna o gesto mais nítido, afina a identidade. Mas, ao fazer isso, algo subtil acontece: essa mensagem, antes insípida e percebida apenas pela tal vanguarda, torna-se mais clara para os demais. O sinal externo ganha expressão. A postura emergente passa a influenciar o próprio contexto que a descobriu.

É este o carácter autocatalítico:

  • a vanguarda detecta algo que a organização ainda não compreendeu;
  • a organização tenta alinhar-se com essa descoberta;
  • ao alinhar-se, torna a descoberta mais evidente para públicos menos vanguardistas;
  • ao tornar-se mais evidente, reforça a validação externa;
  • e esse reforço externo leva a organização a aprofundar ainda mais o alinhamento.

É um ciclo virtuoso: o exterior afina o interior; o interior clarifica o exterior. Cada volta do ciclo aumenta a coerência, amplia o público e confere à estratégia emergente um corpo que antes não tinha. O que começou como um acidente, interpretado por poucos, transforma-se numa proposta estratégica clara, reconhecível e com poder de atracção.

As melhores estratégias — as que resistem ao tempo — não são apenas as que respondem ao contexto. São as que se tornam parte do próprio contexto, moldando-o. É por isso que uma organização ou um político que sabe ler a vanguarda, trabalhar a insipidez inicial e reforçar o sinal com consistência acaba, muitas vezes, por criar um fit poderoso, desses que não são impostos, mas conquistados. É o momento em que a estratégia deixa de ser uma resposta e passa a ser uma força — uma força que atrai, influencia e reorganiza o que a rodeia.



segunda-feira, novembro 24, 2025

Curiosidade do dia

"The adverse judgment on Brexit is not a forecast. It is a reality. "The Economic Impact of Brexit", whose authors include Stanford's Nicholas Bloom, recently published by the US National Bureau of Economic Research, delivers the verdict: its estimates "suggest that by 2025, Brexit had reduced UK GDP by 6 per cent to 8 per cent ... We estimate that investment was reduced by between 12 per cent and 18 per cent, employment by 3 per cent to 4 per cent and productivity by 3 per cent to 4 per cent." If this is even roughly correct, Brexit has been nothing short of an economic disaster. As a thought-provoking paper "Getting Britain out of the hole: A plan for the economy" by Andrew Sissons of the innovation agency Nesta and John Springford of the Centre for European Reform argues, the UK's biggest error has been to make war on its own strengths. Brexit is, arguably, the most striking example of this. 
...
No wonder so many people think Farage cannot be worse than what they have been experiencing. This is a forlorn hope: populists always make things worse. But orthodox politicians have been doing so poorly that it is indeed a perfectly natural temptation.
So, what do I hope for from Wednesday's Budget? Some sight of a workable and coherent long-term economic strategy. I do not expect it. It may already be too late. But, without that, it is hard to be optimistic about the UK's future."

 

Trechos retirados de "How to get the UK out of its economic hole" no FT de hoje. 

Quando o contexto revela o caminho

Não vejo televisão o suficiente para apanhar estas coisas, mas o Twitter faz o serviço:

Não acredito que o candidato Cotrim de Figueiredo tivesse pensado nesta postura de início. Ele vinha e vem, tal como Catarina Martins, pagar ao partido o favor de o terem posto nas férias de Bruxelas por pelo menos quatro anos. Acontece que algures, perante o contexto de candidatos adversários mais ou menos acinzentados, terá tropeçado na oportunidade de fazer figura de candidato fora do sistema, e a coisa terá resultado. Ele e a sua equipa terão percebido o feedback e terão decidido aprofundar a postura e seguir cada vez mais por aí.

Não sei se vai ter sucesso, ou melhor, não sei qual o grau de sucesso que vai ter, mas isso é irrelevante para o tema deste blogue. É assim que algumas empresas descobrem as chamadas estratégias emergentes.

Há momentos em que uma empresa — ou um candidato político — tropeça numa oportunidade inesperada. Não foi planeada, não constava nos memorandos internos, não decorre de grandes quadros teóricos nem de modelizações exaustivas. Surge quase por acidente: um gesto, uma reacção do público, um comentário nas redes sociais, uma pequena polémica ou, simplesmente, um contraste favorável com concorrentes mais pálidos (mais beges). É o início de uma estratégia emergente. Arrisco mesmo escrever, se ele esperasse e quisesse mesmo vencer, estaria tão compartimentado, tão crente num Grande Plano, que nunca arriscaria seguir uma intuição.

No princípio, esta descoberta é frágil, tímida, pouco definida. Não tem nome, não tem doutrina, não tem manual. Tem apenas uma coisa: um sinal inicial de validação externa. Aquele instante em que o público reage com mais energia do que o esperado, em que se percebe que ali há qualquer coisa, ainda difusa, que pode diferenciar.

Mas essa validação inicial é apenas o ponto de partida. Uma estratégia emergente não nasce pronta. É insípida, não porque seja má, mas porque ainda não tem forma, ainda não encontrou o seu “porquê” e o seu “como”. Sabe-se apenas que funciona um pouco, num contexto específico, com certas pessoas. Falta-lhe profundidade. Falta-lhe consistência. Falta-lhe alinhamento com o que a organização é por dentro. E aqui entra a liderança: transformar aquele pequeno sinal em algo coerente, repetível, robusto. Uma oportunidade só se torna estratégia quando a liderança a trabalha, refina, torna nítida, disciplina e a articula com os recursos, capacidades, cultura e rotinas da organização.

Este processo de dar forma a algo que surgiu do fora para o dentro é delicado. Implica criar o tal fit, a harmonia entre o exterior e o interior, entre o que o público percebe e o que a organização pode entregar de forma consistente. Implica abandonar ideias antigas, reconfigurar práticas internas, ajustar mensagens, e sobretudo reconhecer que o contexto descobriu uma possibilidade antes da organização a compreender plenamente. É assim que surgem algumas das melhores estratégias: não como planos elaborados em salas fechadas, mas como sementes vindas do mundo real, que uma liderança atenta rega, poda e transforma numa identidade forte e credível.

A estratégia emergente é, em última análise, a capacidade de aproveitar uma onda antes de saber exactamente para onde leva, e depois aprender, corrigir e construir enquanto se navega. As organizações que sabem fazer isto criam uma vantagem rara: conseguem alinhar-se com o futuro enquanto ele ainda está a acontecer.

Continua.

domingo, novembro 23, 2025

Curiosidade do dia

 ""Cada euro investido [na Defesa] entrega três euros de retorno à economia. Não é coisa pouca", ", diz Nuno Melo, ministro da Defesa."

Quando ouço afirmações como "cada euro investido na Defesa gera três euros de retorno", não consigo evitar um sorriso. É sempre impressionante como estes multiplicadores aparecem com uma precisão decimal admirável, mas raramente com a explicação por trás. Especialmente quando a literatura económica mais séria sugere exactamente o contrário: que o gasto em defesa tem benefícios estratégicos, geopolíticos e industriais, sim... mas dificilmente um retorno económico líquido positivo para o conjunto da economia.

É claro que a Defesa pode e deve ser financiada - por razões de segurança nacional, capacidade industrial, autonomia estratégica ou compromissos internacionais. Tudo isso faz sentido. O que já é mais difícil é transformar esse argumento legítimo num conto de fadas macroeconómico em que cada euro se multiplica por três, como se fosse um fundo de investimento milagroso.

Se o ministro tivesse dito: "Temos de investir mais porque o mundo mudou, porque a UE exige, porque a indústria precisa de escala e porque a segurança tem um custo", eu concordaria sem ironias. Mas quando se entra no território dos multiplicadores mágicos, a discussão deixa de ser económica para passar a ser...  poética. E a economia, infelizmente, não muda com poesia.

Recomendo esta Curiosidade do dia de 13 de Março deste ano. Recomendo também:

Trecho retirado de ""Retorno para a economia nacional é um fator decisivo" nas compras para Defesa, diz Nuno Melo"

Outra redefinição de identidade

Ontem escrevi "Uma redefinição da identidade ao vivo e a cores" sobre a reformulação da estratégia da Unilever e suas consequências para a sua identidade.

Agora, escrevo sobre outra redefinição de identidade em curso, os vinhos franceses e uma certa identidade agrícola francesa, com base em "Vineyards are disappearing in France" na revista The Economist desta semana.

O artigo descreve o desaparecimento progressivo das vinhas no Languedoc-Roussillon, uma das maiores regiões produtoras de vinho de França. A paisagem, antes preenchida por vinha contínua, está a transformar-se num mosaico de campos abandonados, raízes arrancadas e novas culturas mais resistentes à seca.

A região enfrenta uma combinação de factores: secas persistentes, falta de água para rega, aumento dos custos de produção e um declínio global no consumo de vinho — especialmente entre os jovens franceses. Os agricultores sobrevivem como podem, alguns arrancando vinhas com apoio estatal, outros convertendo-se a culturas alternativas. O sector tenta adaptar-se mudando para vinhos mais premium, naturais ou biológicos, mas o movimento é insuficiente para travar o desaparecimento. [Moi ici: Falta-lhes um ministro da Agricultura como o português, que já nos habituou ao discurso de que vai salvar o vinho do Douro. Claro que estou a ser irónico.]

"This year farmers have ripped out 14% of vines in the department of Pyrénées-Orientales, which surrounds Perpignan. It is a secular trend. Between 2000 and 2020 the department lost nearly half its vines."

Façamos o paralelismo com a Unilever.  

Tal como algumas categorias da Unilever, o "vinho de entrada de gama" está em:

  • declínio estrutural, 
  • com consumidores mais jovens que não se identificam, 
  • concorrência intensa de outras bebidas, e
  • preferências a deslocarem-se para menos volume e mais qualidade.
É exactamente o mesmo problema que leva a Unilever a "desinvestir". Se o mercado já não cresce, insistir em volume é ficar para trás.

A estratégia racional passa a ser: "concentrar onde posso ganhar amanhã". A Unilever está a focar-se em segmentos com crescimento real:

  • beleza, 
  • skin care, e
  • cuidados pessoais premium.

O equivalente para os vinicultores seria:

  • vinhos premium,
  • vinhos naturais/biológicos com preço superior, 
  • novas castas resistentes à seca, 
  • diversificação para azeite, pistácio, pomares ou frutos mediterrânicos.

Foco nos segmentos que pagam margens, não nos que pagam nostalgia.

Se o Languedoc quiser sobreviver, tem de fazer o que a Unilever está a fazer

Três movimentos estratégicos:

  1. Reduzir o "portfolio agrícola" que já não tem futuro: áreas sem água, castas vulneráveis, vinhos baratos que já ninguém bebe.
  2. Reinvestir onde há futuro real (vinhos premium, enoturismo, castas resistentes à seca, agricultura de alto valor acrescentado).
  3. Transformar a paisagem económica e não apenas a paisagem rural

Por cá, enquanto andamos entretidos a dar soro aos produtores de uvas do Douro, adiamos estas decisões difíceis, adiamos estas metamorfoses. Pois, quando uma sociedade rejeita desconforto, reformas, ajustamentos, rupturas curtas para evitar colapsos longos — o campo não se mantém estático: estreita-se. Perdem-se graus de liberdade.

No fundo, tanto a Unilever quanto o Languedoc mostram a mesma lição dura e simples: identidades não são monumentos de pedra, são construções vivas que mudam quando as condições mudam. Quando o clima, os consumidores, os custos e as preferências se reorganizam, a identidade que não souber adaptar-se será, ela própria, arrancada como as velhas vinhas do sul de França. A história dá conforto, mas não paga salários; o passado dá orgulho, mas não garante futuro. Sobrevive quem aceita que a paisagem muda — e age antes de ser obrigado a agir.

E é precisamente aqui que reside o risco português: confundir protecção com preservação e preservação com imobilismo. Socorrer o produtor hoje, não substitui a coragem de redesenhar a identidade agrícola para o amanhã. Tanto o Douro como o Languedoc podem continuar belos — mas só se forem capazes de se tornarem diferentes. Resistir à mudança nunca salvou ninguém; planear a metamorfose, sim. O mundo estreita-se para quem insiste em ficar igual.



sábado, novembro 22, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist, "Why governments should stop raising the minimum wage."

Depois de uma década de subidas agressivas, uma nova investigação começa a desafiar o antigo consenso: o salário mínimo não é a ferramenta simples e sem custos que muitos governos imaginam.

A evidência recente mostra que grandes aumentos não eliminam empregos de imediato - deterioram a qualidade do trabalho, reduzem horários estáveis, cortam benefícios e fazem subir os preços. E quando os preços sobem, são os mais vulneráveis que acabam por pagar a maior factura.







Uma redefinição da identidade ao vivo e a cores

A Unilever está a considerar vender várias marcas britânicas históricas — Marmite, Colman’s e Bovril — como parte de um esforço para cortar custos e recentrar o negócio nas áreas de beleza e cuidados pessoais, consideradas core. A decisão insere-se numa estratégia mais ampla, liderada pelo novo CEO Fernando Fernández, para alienar marcas de baixo desempenho e simplificar o portefólio global.
"Unilever, the consumer goods giant, is said to be considering selling off the heritage British brands Marmite, Colman's and Bovril as part of a cost-cutting drive.
The move is part of a shift led by Unilever's chief executive, Fernando Fernández, to shed underperforming areas and refocus on its core beauty and personal care divisions."

Não sei se escrever "as part of a cost-cutting drive" é uma descrição correcta do que se passa. Talvez seja pobre e enganadora. A Unilever não está simplesmente a reduzir gordura. Está a remover peso morto para criar tracção. Está a libertar capital, talento e atenção para os motores de crescimento do futuro.

Considero este caso um bom exemplo para ilustrar por que tantos países estaganam. Porque as suas empresas estagnam. E as empresas estagnam quando, levadas por questões sentimentais, não fazem o que deveriam: cortar e canalizar os recursos para o futuro (aka limpeza estratégica). Não encerram projectos, não vendem negócios maduros, não desinvestem em áreas sentimentais. Resultado? Estagnação — organizacional e macroeconómica.

O drama da estagnação não nasce da falta de ideias, mas da incapacidade de libertar recursos de actividades cuja rendibilidade futura é baixa.
Empresas que conseguem fazer isto, como a Unilever agora tenta, criam um ciclo virtuoso: mais foco, melhor produtividade, maior retorno.

A venda destas marcas históricas confirma uma mudança estratégica: a Unilever quer libertar capital, talento e foco para as áreas de maior crescimento — beleza, cuidados pessoais e dermatologia. Estas categorias têm margens mais elevadas, ciclos de inovação mais rápidos e maior alinhamento com as tendências globais de "premiumrização" e de bem-estar. Receita para aumentar a produtividade.

Implicação: a empresa está a abandonar negócios de baixo crescimento, com margens comprimidas e menor potencial de escala global. Ou seja, estas marcas podem não ser uma boa aposta para a Unilever do futuro, mas podem ser uma boa aposta para outras empresas com outra escala, outra estratégia e outro ADN; para elas podem ser ouro puro.

Cada euro investido numa categoria madura, como “food spreads”, tem um retorno menor do que o mesmo euro investido em beauty & personal care. Implicação: realocação de capital para segmentos com maior crescimento estrutural e retornos mais previsíveis.

A venda destas marcas, somada ao spin-off da divisão de gelados, representa uma mudança estrutural: a Unilever está a tornar-se menos "food conglomerate" e mais "beauty & wellness powerhouse". Uma redefinição da identidade corporativa ao vivo e a cores diante dos nossos olhos e possível desinvestimento adicional em categorias alimentares não estratégicas.

Trecho retirado de "Unilever could sell off vintage brands" publicado no The Times do passado dia 21 de Novembro.



sexta-feira, novembro 21, 2025

Curiosidade do dia

 

"LONDON - A court case that began with two parents concerned about the Christian teaching their daughter was receiving at school ended Wednesday with a landmark judgment that could transform the place of religion in schools in Northern Ireland.

The Supreme Court of the United Kingdom ruled that the religious curriculum in Northern Ireland's public schools was unlawful because it promoted Christianity as an absolute truth and did not teach religion in an "objective, critical and pluralistic manner."

...

The ruling on Wednesday confirmed the finding of a lower court, which had said that an option the school offered of withdrawing the child from religious education and worship, which is required by law, was not enough to resolve the underlying problem. The girl's parents had argued that taking her out of religious lessons and assemblies could lead to her being isolated or bullied."

Trechos retirados de "Court Rules on Religion In Northern Irish Schools" publicado no NYT de 20 de Novembro de 2025.