Este postal resultou de um artigo de jornal e, depois, ganhou vida própria e foi por caminhos não planeados.
O caderno de Economia do semanário Expresso do último sábado traz um artigo interessante “Repensar modelo de negócio”, assinado por Alexandre Coutinho.
“Os constrangimentos impostos pelos clientes, a maior pressão concorrencial e a alteração total do modelo de negócio, levaram a Cefamol (Associação Nacional da Indústria de Moldes) a lançar um estudo estratégico…”
…
“… o referido plano deverá “cenarizar de modo tão consistente quanto possível o futuro desta actividade, quadro no qual deverão ser estruturados modelos concretos de intervenção destinados a proporcionar um apoio consequente às empresas do sector””.
Primeiro: Louvar esta iniciativa.
Alguém toma consciência da mudança.
Alguém intui que a manutenção do “status quo”, que trouxe o sucesso do estado actual, não vai ser suficiente, para prosperar num futuro próximo.
Alguém assume as rédeas e a responsabilidade de preparar uma transformação interna, para fazer face à mudança.
Segundo: Uma interrogação.
Até que ponto é que é possível generalizar?
Até que ponto de individualização irão os “modelos concretos de intervenção”?
Quando modelamos uma actividade, podemos identificar a presença de diferentes entidades:
No caso da Cefamol o “Nós” colectivo dos seus associados (os fabricantes de moldes) e seus concorrentes directos, outros fabricantes de moldes de outros países e continentes.
Os compradores e utilizadores de moldes, nos vários sectores de actividade (por exemplo: indústria automóvel; brinquedos; embalagens; componentes eléctricos; materiais de construção; aeronáutica; …).
Os utilizadores finais dos produtos e bens fabricados com o auxílio dos moldes, os consumidores mundiais.
As partes interessadas que influenciam todos outros intervenientes.
Faz sentido, é possível contratar um serviço, para procurar cenarizar futuros possíveis, no médio-longo prazo, a nível de consumidores, ou seja, a nível de mercados (quais são as perspectivas, para a evolução da economia da América Latina nos próximos 10 anos? E qual será a evolução na Europa? E a evolução de padrões de vida, costumes, leis,...).
Faz igualmente sentido, contratar um serviço, para procurar cenarizar futuros possíveis, a nível dos sectores industriais dos grandes grupos de clientes (quais são as perspectivas, para a evolução do sector das embalagens nos próximos anos?).
Tenho muitas
dúvidas se isso não passará de um trabalho académico interessante, mas sem resultados concretos, se cada um dos fabricantes de moldes individualmente, não fizer depois a
sua reflexão estratégica interna única.
Aprendemos na década de trinta do século passado, com o trabalho de
Gause que:
“Duas espécies não podem coexistir indefinidamente se se alimentarem do mesmo tipo de nutriente escasso”
Ou seja,:
Assim, tal como acontece para as populações concorrentes de paramécias, quando duas ou mais organizações competem pelos mesmos recursos escassos, a aplicação do princípio da competição exclusiva dita que uma terá sucesso à custa da outra.Para evitar esta destruição assegurada, as organizações têm de ter uma estratégia para se diferenciarem, para apelarem a grupos de clientes distintos, para captarem nutrientes distintos das outras, senão correm o risco de se transformar numa das formigas deste
post.
Cada organização, olhando para a “wicked mess” que tem pela frente, tem de fazer a sua reflexão interna, o seu retiro espiritual. Tendo em conta a sua história, as suas experiências de sucesso, o seu know-how, os seus pontos fortes, e desenhar um nicho, uma hipótese, uma teoria, um modelo de como poderá gerar um negócio sustentado nos próximos anos. Um retiro colectivo pode ser útil para estudar, discutir, rever os cenários, não para definir estratégias genéricas a serem seguidas por diferentes empresas.
Este retiro espiritual não pode ser comprado! O retiro faz-se para chegar a uma resposta, para chegar a uma estratégia, mas é tão, ou mais,
muito mais importante, o caminho que se fez para lá chegar, do que o próprio produto palpável, a estratégia.
Porque nós não somos deuses (falo por mim), e por mais bem informada e bem intencionada que seja a nossa cenarização do futuro, o futuro pode trocar-nos as voltas, as “wild cards” (estilo Ricardo Quaresma, estão aí...) podem transformar os nossos cenários em
castelos de cartas desfeitos (Hayek escreveu: "If man is not to do more harm than good in his efforts to improve the social order, he will have to learn that in this, as in all other fields where essential complexity of an organized kind prevails, he cannot acquire the full knowledge which would make mastery of the events possible.”).
Aliás o papel dos cenários não é prever o futuro, como explica
Paul Saffo “"As a decision maker, you ultimately have to rely on your intuition and judgment. There’s no getting around that in a world of uncertainty.
But effective forecasting provides essential context that informs your intuition. It broadens your understanding by revealing overlooked possibilities and exposing unexamined assumptions regarding hoped-for outcomes."”
A pedra que se parte, e as dores de parto, para chegar a uma estratégia, tendo em conta os cenários, cria nas mentes que partilham esse processo, uma visão holística dos diferentes factores em jogo, da forma como interagem e se interrelacionam.
Porque quando a estratégia for para o terreno, tal como Napoleão dizia, tem de ser alterada, afinada, remexida às primeiras escaramuças, e só quem tiver essas sinapses holísticas implantadas (durante a fase de partir pedra), estará em condições de manter as rédeas de comando da situação, em vez de ser arrastado de forma confusa, na corrente, na torrente dos acontecimentos.
Engraçado, acho que estou a ficar maduro, para finalmente mergulhar em
John Boyd, que me foi apresentado por W. H. Dettmer nesse livro “
Strategic Navigation”.
Para os meus amigos que estão neste momento a sofrer o calvário da incerteza e do receio, que se palmilha ao longo do projecto de desenvolvimento de uma estratégia, fica a mensagem de apoio de que tem de ser assim, se não for assim… é treta. Meus amigos, vocês sabem muito bem a quem me estou a referir, leiam o conteúdo dos acetatos 13 a 18 deste
sítio.
Sobretudo no acetato 16:
“There is no way out, unless we can eliminate the features just cited. Since we don’t know how to do this:
we must continue the whirl of reorientation, mismatches, analyses/synthesis over and over again ad infinitum as a basis to comprehend, shape, and adapt to an unfolding, evolving reality that remains uncertain, ever-changing, unpredictable”
E
“Since survival and growth are directly connected with the uncertain, ever-changing, unpredictable world of winning and losing
we will exploit this whirling (conceptual) spiral of orientation, mismatches, analyses/synthesis, reorientation, mismatches, analyses/synthesis…so that we can comprehend, cope with, and shape, as well as be shaped by that world and the novelty that arises out of it.“
E no acetato 18:
“We must be able to examine the world from a number of perspectives so that we can generate mental images or impressions that correspond to that world.”
E
“We will use this scheme of pulling things apart (analysis) and
putting them back together (synthesis) in new combinations to find how apparently unrelated ideas and actions can be related to one another” (parece a nossa conversa de quinta-feira passada, lembra-se?)
Boyd criou o ciclo OODA (Observe.Orient.Decide.Act):
Segundo Boyd, num combate aquele que tiver o ciclo OODA mais curto ganha!
Vamos para o terreno e actuamos com a nossa orientação estratégica, e observamos e re-orientamos, decidimos agimos e re-observamos e…
O livro Warfighting, dos “The United States Marine Corps" descreve assim, o ciclo de Boyd (OODA): “Boyd identified a four-step mental process: observation, orientation, decision, and action. Boyd theorized that each party to a conflict first observes the situation. On the basis of the orientation, he makes a decision. And, finally, he implements the decision - he acts. Because the action has created a new situation, the process begins anew.
Boyd argued that the party that consistently completes the cycle faster gains an advantage that increases with each cycle. His enemy’s reactions become increasingly slower by comparison and therefore less effective until, finally, he is overcome by events.”
As sinapses holisticas permitirão agilizar o ciclo OODA, porque as mensagens da observação, poderão mais facilmente, e mais rapidamente, ser integradas e enquadradas num todo coerente (ou menos incoerente), e agir mais rapidamente.