terça-feira, junho 17, 2025

ISO 9001: ainda faz sentido para as PME?


A norma não está ultrapassada. Mas a forma como muitas empresas a aplicam, sim.

Comecei a trabalhar com a ISO 9001 entre 1989 e 1990. Na altura, Portugal era visto como um país de mão-de-obra barata dentro da recém-alargada Comunidade Económica Europeia, e eu acreditava que a ISO 9001 traria organização e disciplina às PME portuguesas, ajudando-as a competir num mercado cada vez mais exigente.

Era o tempo em que se exaltava a “Normalização” com cartazes em salas de formação — e a crença ingénua de que bastava seguir normas para atingir a excelência. Hoje, sei que isso não basta.

O colapso das PME protegidas

A semana passada assinalaram-se os 40 anos da entrada de Portugal na CEE. Esse momento histórico abriu fronteiras e eliminou barreiras alfandegárias que protegiam milhares de empresas. A consequência foi brutal: uma parte significativa da nata das PME desapareceu, incapaz de competir com as marcas europeias. As que apostavam apenas no preço ainda tiveram algum fôlego — até que a China lhes retirou até esse último trunfo.

Entretanto, muita coisa mudou. Como explica Eric Beinhocker em The Origin of Wealth, o mundo empresarial tornou-se uma paisagem competitiva enrugada, em constante mutação. Quando a vantagem do baixo custo desapareceu, as PME mais ágeis descobriram o valor da flexibilidade, da rapidez, da capacidade de adaptação. Foi esse impulso que permitiu ao peso das exportações no PIB nacional saltar de 27% para cerca de 50% num espaço de poucos anos.

Nesse mesmo período, encerrei um capítulo da minha vida profissional — a marca Redsigma, que havia fundado nos anos 90. Foi o fim de um ciclo. Mas não do meu envolvimento com a qualidade.

A ISO 9001 ainda é útil? Depende.

Hoje, continuo a acreditar que a ISO 9001 pode ser uma ferramenta valiosa para PME que não competem apenas pelo preço. Mas é fundamental que a norma seja aplicada com inteligência e intenção estratégica. O sistema de gestão da qualidade não pode existir por si só. Tem de estar ao serviço da execução da estratégia da empresa.

Infelizmente, vejo com frequência o oposto: empresas onde a ISO 9001 serve apenas para “manter o certificado”. Perdeu-se o sentido original — e, com ele, a oportunidade de transformação.

Felizmente, também tenho participado em projectos onde a ISO 9001 é muito mais do que um exercício burocrático. Nestes casos, torna-se um catalisador para melhorar processos, alinhar equipas e reforçar a competitividade.

A grande lição de Bloom e Oberholzer-Gee

Recentemente, revisitei uma ideia poderosa no livro "Better, Simpler Strategy" de Felix Oberholzer-Gee: há mais variação de desempenho entre empresas do mesmo sector do que entre sectores diferentes. Ou seja, empresas a operar no mesmo país, no mesmo sector de actividade, sob as mesmas leis, impostos e mão-de-obra, apresentam resultados muito diferentes. Porquê? Pela estratégia que escolhem e pelas práticas de gestão que adoptam.

Muitos acreditam que as boas práticas de gestão estão amplamente difundidas. Mas Nicholas Bloom e John Van Reenen demonstraram o contrário em estudos amplamente citados. A sua investigação, publicada no Quarterly Journal of Economics, mostra que as diferenças na qualidade da gestão são profundas — mesmo entre empresas semelhantes.

O que estes dados nos dizem é claro: há milhares de empresas que continuam a não fazer o básico bem feito. A ISO 9001, aplicada com seriedade, pode ser esse “básico” — mas tem de ser usada como instrumento de melhoria do desempenho, e não como um selo decorativo de conformidade.

Se é empresário e sente que o seu sistema de gestão da qualidade já não serve os propósitos actuais da sua empresa — ou se precisa de criar um sistema de raiz que realmente apoie o crescimento sustentável do seu negócio — contacte-me para uma conversa inicial, sem compromisso: metanoia at metanoia.pt

Não basta certificar. É preciso transformar. E isso começa com uma decisão.

segunda-feira, junho 16, 2025

Curiosidade do dia

Há minutos, no noticiário das 16h da rádio Observador ouvi o presidente do Chega, André Ventura, a perguntar como é que alguém na Índia e que nunca pôs os pés em Portugal pode ter nacionalidade portuguesa.

 

Há duas respostas possíveis. Ilegalmente e legalmente.

O WSJ de hoje publica a via legal (já agora, eu ainda sou do tempo de aprender na escola primária que Goa, Damão e Diu eram parte de Portugal, apesar de tomadas pela União Indiana em 1961): 

"DIU ISLAND, India - The only survivor of Air India Flight 171 was born on this tropical island dotted with palm trees and fishing boats. So were 14 passengers who died in the crash, most of them Portuguese or British nationals of Indian origin.
They straddled two continents, their lives consisting of long-haul flights between work and family. Like many of the 241 people who perished on the London-bound Boeing 787, they were part of the large Indian diaspora that has spread across the world.
Yet Diu is unique. Unlike much of India, the island off the country's west coast was a Portuguese colony until 1961, a history that gives its residents a leg up if they want to go abroad. Those born under Portuguese rule and their descendants for two generations are entitled to citizenship of the country."

Trechos retirados de "Island With Ties To Europe Tallies Its Crash Dead" publicado no WSJ do passado dia 16 de Junho. 

Luxo e sinais exteriores

"This research introduces "brand prominence," a construct reflecting the conspicuousness of a brand's mark or logo on a product. The authors propose a taxonomy that assigns consumers to one of four groups according to their wealth and need for status, and they demonstrate how each group's preference for conspicuously or inconspicuously branded luxury goods corresponds predictably with their desire to associate or dissociate with members of their own and other groups. Wealthy consumers low in need for status want to associate with their own kind and pay a premium for quiet goods only they can recognize. Wealthy consumers high in need for status use loud luxury goods to signal to the less affluent that they are not one of them. Those who are high in need for status but cannot afford true luxury use loud counterfeits to emulate those they recognize to be wealthy.
...
For mnemonic reasons, we label the four groups as the four Ps of luxury: patricians, parvenus, poseurs, and proletarians. We label the first category "patricians," after the elites in ancient Roman times. Patricians possess significant wealth and pay a premium for inconspicuously branded products that serve as a horizontal signal to other patricians. 
...
We label the second category "parvenus" (from the Latin pervenio, meaning "arrive" or "reach"). Parvenus possess significant wealth but not the connoisseurship necessary to interpret subtle signals, an element of which Bourdieu (1984) refers to as the "cultural capital" typically associated with their station. To parvenus, Louis Vuitton's distinctive "LV" monogram or the popular Damier canvas pattern is synonymous with luxury because these markings make it transparent that the handbag is beyond the reach of those below them. However, they are unlikely to recognize the subtle details of a Hermès bag or Vacheron Constantin watch or know their respective prices. Parvenus are affluent—it is not that they cannot afford quieter goods - but they crave status. They are concerned first and foremost with separating or dissociating themselves from the have-nots while associating themselves with other haves, both patricians and other parvenus.
...
We call the third class of consumers "poseurs," from the French word for a "person who pretends to be what he or she is not." Like the parvenus, they are highly motivated to consume for the sake of status. However, poseurs do not possess the financial means to readily afford authentic luxury goods. Yet they want to associate themselves with those they observe and recognize as having the financial means (the parvenus) and dissociate themselves from other less affluent people. Thus, they are especially prone to buying counterfeit luxury goods. If brand status is important to a person, as it is with poseurs, but is unattainable, a person is likely to turn to counterfeit products as cheap substitutes for the originals."

O artigo refere um estudo feito com o símbolo da marca Mercedes. O estudo conclui que, nos modelos Mercedes-Benz vendidos nos EUA, quanto maior o tamanho do símbolo (estrela da marca), menor tende a ser o preço do automóvel. Especificamente:
  • Um aumento de 1 cm no diâmetro do símbolo está associado, em média, a uma redução de mais de 5.000 dólares no preço do veículo
  • Os modelos mais baratos exibem símbolos maiores, enquanto os modelos mais caros têm o emblema mais discreto.
Interpretação: Os consumidores com maior poder económico e menor necessidade de exibição de status (os chamados patricians) preferem sinais discretos. Já os consumidores mais preocupados em afirmar status (parvenus) preferem símbolos mais visíveis — como uma estrela grande no capô do carro.

Um outro estudo analisa mais de 400 malas da Louis Vuitton e Gucci, e conclui que:
  • Malas com marcações visíveis e logótipos grandes tendem a ser mais baratas.
  • As malas mais caras exibem a marca de forma discreta ou quase invisível, às vezes só no interior (como a Bottega Veneta).
  • Consumidores com elevado poder de compra e cultura de luxo preferem malas discretas, como forma de sinalizar o seu estatuto apenas aos que sabem reconhecer os detalhes subtis (materiais, acabamentos, fechos, costuras).
  • Já consumidores que querem ser reconhecidos como tendo estatuto social, mas não têm necessariamente conhecimento profundo de marcas ou cultura de luxo, tendem a preferir malas grandes, com logótipos evidentes, ou até mesmo contrafacções dessas.
No mundo do luxo, quanto mais alto o preço, mais pequena (ou subtil) a marca. A discrição tornou-se, ironicamente, o sinal mais forte de estatuto - mas só entre os que sabem ler esses sinais.


Trechos retirados de "Signaling Status with Luxury Goods: The Role of Brand Prominence" publicado no Journal of Marketing (Julho de 2010).


domingo, junho 15, 2025

Curiosidade do dia

"Empresários acusados de branquear 124 milhões no Casino da Póvoa"


Hummm! Estranho. Que negócios geram necessidade de branquear dinheiro? Que negócios libertam tais margens? Que empresários têm tais problemas?

"Em causa um esquema, que durou entre 2012 e 2017, que envolve donos de estabelecimentos de venda de vestuário ou calçado, oriundos da República Popular da China, vendidos nos armazéns da chamada "Chinatown do Norte", situada na Varziela, Vila do Conde.
...
De acordo com o Ministério Público, um grupo de empresários da Varziela usou o Casino da Póvoa como uma máquina de lavar dinheiro, proveniente da fraude fiscal, revela o Jornal de Notícias na sua edição deste sábado."


A grande ilusão

A revista The Economist dedica a sua capa ao tema "The Manufacturing Delusion" traduzida num artigo intitulado "The world must escape the manufacturing delusion".

Devo dizer que concordo com praticamente todo o artigo. O texto critica a obsessão actual dos governos pelo regresso à produção industrial nacional, argumentando que essa abordagem é ultrapassada, ineficaz e potencialmente prejudicial. A crença de que o fomento da indústria resolverá problemas como criação de emprego, crescimento económico e resiliência nacional assenta em mitos desactualizados. A automação reduziu drasticamente os empregos industriais e a produtividade do sector não garante salários elevados. A conclusão do artigo é clara: esta "mania" pela industrialização é contraproducente.

Ao longo dos últimos meses tenho coleccionado alguns artigos que vão no mesmo sentido, embora não os tenha referido aqui. Por exemplo, "Want to destroy American business? Protect it, writes Carl Benedikt Frey" publicado na revista The Economist do passado dia 29 de Maio, ou “Semiconductor Subsidies? Tried and Failed”, escrito por T.J. Rodgers no Wall Street Journal de 4 de Junho último.

Recordo ainda a alegria do jornalista por termos roubado uma fábrica de meias à Lituânia.

Voltando ao artigo da revista The Economist:

"Manufacturing no longer pays those without a degree more than other comparable jobs in industries such as construction. As productivity growth is lower in manufacturing than it is in service work, wage growth is likely to be disappointing, too. 

...

The manufacturing delusion is drawing countries into protecting domestic industry and competing for jobs that no longer exist. That will only lower wages, worsen productivity and blunt the incentive to innovate."

Por que concordo com o artigo? Julgo que expliquei em Abril passado em "Trump's Protectionist Bunker". Tudo o que contraria a evolução natural da Teoria dos Flying Geese é de evitar. No fim, o que é produzido tem de pagar salários cada vez mais elevados e isso só se consegue como valor acrescentado. Recordar a imagem associada à Herdmar.

Tudo o que se traduza fábricas com maior valor acrescentado, óptimo, é a direcção correcta. Recordo a Coloplast ou a Avincis. BTW, Camilo Lourenço na passado quinta-feira, no seu programa matinal referiu o que Marrocos está a fazer relativamente à indústria automóvel.

sábado, junho 14, 2025

Curiosidade do dia

Na revista Time do dia 23 de Junho próximo um artigo sobre Mongo... "SO LONG, SONG OF THE SUMMER"

BTW, lembro-me da Ana Bola, nos anos 80, a apresentar o TNT (Todos No Top)

"The idea of a pop monoculture has not only ceased to exist but also resulted in the loss of shared cultural touchpoints that connect millions of Americans. A fragmented culture stands in its stead, thanks to the rise of the curated algorithm and social media feeds perfectly sculpted to fit our interests and experiences. Yes, this has made us more— or at least feel more— disconnected.

...

In 2010, when Billboard created the Songs of the Summer chart, it explained that a song's place was determined by its "cumulative performance on the weekly streaming, airplay, and sales-based Hot 100 chart from Memorial Day through Labor Day." This made sense, given the time. In 2010, Facebook was the most popular social media platform. The firstgeneration iPad had just been made available to the public. And "California Girls" by Katy Perry was the No. 1 song on the inaugural Song of the Summer chart. That song was everywhere-you couldn't escape it. 

Fast-forward to 2024, and the Billboard Song of the Summer was "I Had Some Help" by Post Malone featuring Morgan Wallen. The top placement seems to be at odds with Brat summer, the meteoric rise of Chappell Roan, the bubblegum pop of Sabrina Carpenter, and the historic rap beef of Drake and Kendrick Lamar, all of which betrays the chart's inability to encapsulate the music that people are actually listening to.

...

Americans, rather than being homogeneous music consumers, are shifting toward personalized music experiences and playlists."

Exportações - os primeiros quatro meses de 2025

Já não fazia aqui um balanço das exportações desde Fevereiro último onde analisei os dados relativos ao ano de 2024. Fazemos agora um balanço das exportações nos quatro primeiros meses de 2025 recorrendo ao conjunto de sectores que acompanho há vários anos.
A setas na coluna da evolução homóloga comparam os dados do acumulado homólogo dos primeiros quatro meses do ano com os dados do acumulado homólogo do ano de 2024 completo, porque se trata da última comparação que fizemos aqui.

18 sectores, 9 com evolução homóloga positiva e 9 com evolução homóloga negativa. O sector farmacêutico continua com as suas evoluções bruscas (acredito que seja resultado da fuga a tarifas futuras conjugada com as exportações para destinos exóticos que muitas vezes são feitas por trimestre). O sector das aeronaves continua o seu crescimento. BTW, aeronaves e farmacêutica ilustram a evolução dos Flying Geese de que o país tanto precisa. De salientar também o forte crescimento das exportações de fruta.

Julgo que é a primeira vez que o sector da Óptica tem uma evolução negativa em mais de 3 anos (não recuei mais na minha pesquisa).

Máquinas continuam a sua ascenção a bom ritmo. Calçado começa o ano melhor do que em 2024, já o Vestuário, a cortiça e a floricultura mantiveram o mesmo desempenho.











sexta-feira, junho 13, 2025

Curiosidade do dia


Há uns anos um anúncio revelava-nos o que se esconde por trás de anos e anos de treino, de esforço, de sacrifício de uma bailarina de ballet. Algo como:


Ontem, no The Times vi as mãos de "Mondo" Duplantis o recordista crónico no salto em altura:


 Cuidado com quem promete sucesso sem sacrifício.

A vantagem competitiva decorre de decisões

"Many of the most successful companies focus on their competitive position inside an industry, as opposed to the average performance of their segment of the economy. Joly explains, "If you remember, [in the past] the message from this company was all about the headwinds in our industry. [Today,] we never talk about the headwinds. ... What we do has more impact, we think, than the overall environment." There are three reasons why this type of thinking is prevalent in companies that create exceptional value. A first is that in most industries, variation in profitability inside the industry exceeds the profitability differences across industries. In other words, your best opportunities are almost always in your current industry, even if it is considered a difficult place for business. A second reason to focus on competitive positions inside an industry (versus industry attractiveness) is that positive industry fundamentals will simply be reflected in the multiples that companies need to pay to enter an attractive industry. Finally, for companies that happen to be in struggling industries, a focus on headwinds is demoralizing, and it likely contributes to decreases in productivity. "It's a virtuous cycle," says Joly. "Once you start winning, people get more excited, more confident." Best Buy's internal data show that by 2013, staff engagement was higher than at any point since 2006."

Recordar de 2013 - São as decisões dos humanos que ajudam a fazer a diferença 

Recordar de 2022 um resumo que recua a 2011 - "Thus, the concept of "industry profitability" may have no meaning"

Estudos atrás de estudos têm mostrado que a variabilidade da rentabilidade entre empresas dentro do mesmo sector é muito superior à variabilidade entre sectores. Isto significa que estar num sector “difícil” não é uma condenação. E, inversamente, estar num sector “atractivo” não garante sucesso. Em vez de olhar para o vento de frente (os headwinds), as empresas que criam valor excecional concentram-se na forma como navegam — com as velas que têm.

A implicação é profunda: a vantagem competitiva não vem do sector onde se está, mas das decisões estratégicas, operacionais e humanas que se tomam dentro dele.


Trecho retirado de "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee.  

quinta-feira, junho 12, 2025

Curiosidade do dia

 


"Teachers, doctors, museum staff and dust-bin collectors, trade unionists and bottle-throwers, a million French people in all, took to the streets two years ago to oppose an attempt by President Macron to increase the retirement age from 62 to 64. The political class has rarely looked so rattled and the French leader had to deploy all of his legendary cunning to get the measure through.

Another wave of strikes and street violence might be about to kick off. The Council on Retirement Policy has warned that France's state pension system, one of Europe's most costly, could melt down unless the pension age is raised from 64 to 66.

...

Pension reform in all countries - Denmark is even planning to raise the statutory pension age to 70 by 2040 - has to be balanced with an act of national persuasion that adjusts the work-life balance in a way that neither younger nor older people feel cheated."

Trechos retirados de "Breaking Point" publicados no  The Times de ontem.

Repitam comigo: a "DVD leadership team" não vai criar o futuro que o país precisa

Recordar esta curiosidade do dia.

Em "Um Estado pesado está a empurrar os jovens para fora"

"Os dados disponíveis confirmam a gravidade da situação. Segundo um estudo do Centro de Estudos da Federação Académica do Porto, 73% dos estudantes do ensino superior em 2023/2024 admitem como certa ou provável a possibilidade de emigrar. A formação de um licenciado custa ao Estado cerca de 100 mil euros. A perda desses jovens representa um prejuízo de cerca de 2,1 mil milhões de euros por ano. No total, a economia portuguesa poderá perder 95 mil milhões de euros nas próximas décadas, dos quais 61 mil milhões em contribuições líquidas para a Segurança Social.

Atualmente, 70% dos que emigram têm entre 15 e 39 anos. Esta realidade tem impacto direto no sistema de pensões. De acordo com o relatório europeu Ageing Report, a taxa de substituição salarial pela pensão poderá descer para 38% até 2050.
...
O pais precisa de criar mais riqueza. Para isso, deve alavancar a produtividade laboral. A produtividade aumentada depende de melhores salários e mais investimento. Só com uma redução da carga fiscal sobre famílias e empresas será possível valorizar salários e libertar investimento. Para haver uma redução da carga fiscal é obrigatório reduzir a despesa pública. A redução da despesa pública pressupõe uma Reforma do Estado."

Este último parágrafo estraga tudo. Pensar que a "DVD leadership team" vai criar o futuro de que o país precisa é uma ilusão perigosa. O problema é "as empresas que não estão cá" o problema não é as empresas que já cá estão.



quarta-feira, junho 11, 2025

Curiosidade do dia


A física funciona com leis universais que explicam muitos fenómenos. Modelos financeiros tentam imitar essa estrutura, mas são imperfeitos e muitas vezes irreais.
"But that is where finance and physics part ways, because the quest for the laws of markets is doomed.
...
Rich-world currencies normally strengthen when bond yields rise; no longer for the dollar and
American Treasuries.
...
Gold is supposed to do well when investors are panicking, and share prices when they are ebullient; now, both gold and plenty of stockmarkets are at or near all-time highs." [Moi ici: Os mercados violam sistematicamente previsões e relações esperadas]
...
Finance is ultimately driven by people, not particles, and they do not always respond to similar stimuli in similar ways.
...
The absence of fundamental laws in markets is frustrating, disorientating - and what makes them so interesting." [Moi ici: Os mercados são complexos e humanos, o que os torna instáveis e fascinantes]

Estratégia e gestão de risco devem considerar o factor humano: emoção, imitação, expectativas. A racionalidade perfeita é uma ilusão perigosa.

Trechos retirados de "Why investors lack a theory of everything" publicado no último número da revista The Economist.

Ter a coragem de escolher um lado


Há anos escrevi aqui no blog a série:
Agora em "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee encontramos:
"Some of the smaller firms succeed by creating customer delight that does not reflect scale. Others find success by giving preference to one of the groups on the platform. Serving a small set of customers can also lead to stellar performance.
...
One reason that Etsy and Handmade can live side by side is that their platforms favor different groups. Amazon is squarely in the customer's corner. Every feature of its business is designed with customers in mind. By contrast, Etsy was set up to support artisans and serve the craft movement. This difference in orientation manifests itself in many ways. Etsy charges sellers lower fees and releases their payments immediately, while Amazon holds on to seller funds. Etsy has a long history of supporting the maker movement, engaging in extensive seller education and community support.
...
Platforms serve multiple groups of customers, and while many create value for all groups, some choices betray the organization's primary orientation. A travel site that sorts hotels by profit margin primarily serves the lodging industry. A site that sorts by customer reviews has the opposite orientation. The distinction between buyer-focused and seller-dominated platforms is particularly stark in B2B. At one extreme, procurement platforms serve buyers by creating efficiencies in purchasing. At the other end of the spectrum, seller-oriented platforms often resemble business directories.
...
If yours is a small company staring at a large platform, it is always worth asking whether you might be able to create meaningful differentiation by focusing on the WTP of the group that is less favored by your competitor.
...
The key insight here is that every large platform serves many different types of customers. The attraction between the types varies, however, and building a smaller platform for individuals who greatly value one another is a promising strategy.
...
"Focus on a limited set of customers" is not the most intuitive advice if you are trying to build a business that will benefit from network effects. It is nevertheless good advice. By serving a select group of users who benefit most from being connected to one another, you might be able to compete with much bigger platforms."

A obsessão com escala e dominância obscurece uma verdade mais subtil, mas estratégica: nem todos os mercados são de "winner-takes-all". Como mostra Felix Oberholzer-Gee, há espaço para plataformas pequenas e bem-sucedidas que escolhem servir melhor quem os gigantes deixam para segundo plano.

O segredo? Ter a coragem de escolher um lado — o lado menos favorecido — e aumentar o valor percebido por esse grupo. Não se trata de vencer pela força, mas de criar afinidade, identidade e uma proposta que ressoe de forma mais intensa com menos gente. Estratégia, aqui, é foco, não ubiquidade. É preferência, não presença. E isso, por si só, já é uma vantagem competitiva. 

terça-feira, junho 10, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist desta semana "Britain's AI-care revolution isn't flashy—but it is the future":

"Samantha Woodward, a manager at Cera, a home-care company, arranges carers’ schedules with Amazon-like efficiency."

"Cera claims to have created Europe’s largest home-care data set—over 200bn data points—to train AI that predicts patients’ needs."

O artigo descreve como a inteligência artificial (IA) está a transformar silenciosamente os cuidados domiciliários e em lares no Reino Unido. 

"Cera claims to have cut falls by a fifth."

"A peer-reviewed study from 2022 found that its app had reduced hospitalisations by 52%."

"Over a year-long trial, falls decreased by 66%, and staff made 61% fewer checks in person."

Empresas como a Cera utilizam IA para optimizar rotas, prever quedas, reduzir hospitalizações e identificar funcionários com risco de abandono. 

"AI's adopters say the tech is meant to support staff, not replace them."

"Cera is testing robots to give routine prompts, like whether clients have eaten or taken their medication."

"Residents treat their chatbots as companions."

Outras soluções incluem sensores acústicos, robôs para lembretes, animais robóticos, sistemas baseados em Alexa e aplicações para detecção de dor facial.

Apesar das preocupações éticas, como consentimento em doentes com demência e possível vigilância excessiva, os benefícios práticos - maior segurança, melhor qualidade de vida e manutenção da independência - estão a impulsionar esta revolução digital na prestação de cuidados.

E Portugal?

Portugal enfrenta os mesmos desafios estruturais:

  • Envelhecimento acelerado da população;
  • Escassez de profissionais nos cuidados formais;
  • Um sistema assente em redes familiares esgotadas e informais;
  • Dificuldade em escalar serviços com qualidade, consistência e proximidade.

Mas ao contrário do Reino Unido, a aplicação da inteligência artificial nos cuidados julgo que continua quase ausente. Fala-se muito de “transformação digital”, mas os sectores sociais mais críticos — como o cuidado — continuam de fora da equação tecnológica. 

A lição suíça

No FT do passado dia 2 de Junho encontrei "The world's strongest currency is also super-competitive", um tema que me fascina há anos e anos. Recordo os tempos da troika e os que advogavam o regresso ao escudo porque é impossível ser competitivo com uma moeda forte. Sim, eu sei que não é facil, mas seguir por essa via coloca-nos no caminho da subida na escala de valor, coloca-nos no quadrante da competitividade à custa da produtividade, o quadrante da riqueza:


O artigo destaca como a Suíça, apesar de ter a moeda mais forte do mundo — o franco suíço —, mantém uma economia altamente competitiva, produtiva e orientada para a inovação. Contrariando a ideia de que uma moeda forte prejudica as exportações, a Suíça demonstra que qualidade, sofisticação tecnológica e valor acrescentado são chaves para o sucesso económico sustentável. A sua estrutura económica descentralizada, dominada por pequenas e médias empresas, permite-lhe resistir a choques externos, manter excedentes comerciais e liderar em sectores complexos e exigentes.
"It generates more than $100 in GDP per hour worked - that's more productive than any of the other 20 largest economies. Its decentralised political and economic system encourages the rise of small enterprises, which account for over 99 per cent of Swiss companies.
...
Harvard's Growth Lab ranks Switzerland first among major economies for the "complexity" of its exports, a measure of the advanced skills needed to produce them. And its exports range from chocolates and watches to medicines and chemicals - belying the notion that strong currencies kill factories.
...
Yet Switzerland also defies the assumption that a strong currency will undermine a nation's trading prowess by making its exports uncompetitive. Its exports have risen and are near historic highs both as a share of Swiss GDP (75 per cent), and as a share of global exports (near 2 per cent).
...
At 18 per cent of GDP, its manufacturing sector is one of the largest among developed economies. Over half its exports are "high-tech" - more than double the US level. Since advanced goods are more expensive, this has helped Switzerland keep its current account in surplus, averaging more than 4 per cent of GDP since the early 1980s."
Em Portugal, precisamos de fazer a mesma pergunta com honestidade: Vamos continuar a competir pelo preço mais baixo?

Ou vamos apostar em subir na escala de valor — com design, precisão, confiança, inovação e especialização?

O crescimento que se aguenta não vem da moeda. Vem do que pomos dentro do produto.

segunda-feira, junho 09, 2025

Curiosidade do dia


No Sunday Times de ontem, "Merz bemoans German inefficiency and looks to push his nation back to the grind":
""We need to work more and, above all, more efficiently in this country," Merz told the German parliament. [Moi ici: A Alemanha precisa de trabalhar mais e de forma mais eficiente]
...
"With the four-day week and work-life balance we will not be able to sustain our prosperity."
...
"The average working week in Germany is among the shortest in Europe, alongside those in France, Belgium and the Netherlands."
...
"According to Eurostat, the European Union's statistics agency, it is 34 hours..."
...
"Germany has among the lowest annual working hours in the OECD. The volume of work is going down, even though we have ever more workers."
...
"It is a notoriously tricky nut to crack, made especially difficult in Germany by the high burden of bureaucracy."
...
"We're still thinking backwards and looking to our manufacturing to save us, but we need to be looking forward to new technologies and industries," he said."
...
"We've been too complacent and comfortable. We can either become more ambitious and work more now, or we can continue with the status quo and see living standards decline."

Em Portugal o discurso público continua muitas vezes centrado em trabalhar menos horas, reduzir o esforço, repartir o que existe... mas sem falar seriamente de como criar mais.

O chanceler Friedrich Merz abriu um debate incómodo mas necessário: será sustentável o modelo de bem-estar e produtividade actual, se a economia não crescer mais e melhor? Em Portugal, essa pergunta raramente se coloca abertamente.

Falamos de "qualidade de vida", mas sem discutir produtividade, investimento ou valor acrescentado. Falamos de direitos, mas muitas vezes sem falar de deveres, esforço e criação de riqueza. O resultado? Um discurso político e mediático que prefere a ilusão do equilíbrio estável a encarar a exigência da ambição.

A Alemanha tem um problema de excesso de conforto. Portugal tem um problema de ausência de desconforto criativo.

Precisamos urgentemente de um debate maduro sobre o que significa crescer, como queremos gerar riqueza, e que nível de responsabilidade colectiva estamos dispostos a assumir para isso acontecer.

BTW, o governo alemão está focado na eficiência e competitividade e daí o foco no denominador, nas horas trabalhadas. Isso é importante, mas também é uma daquelas cenas tipo "É verdade, mas também é mentira". O foco deve estar acima de tudo, prioritariamente, na subida na escala de valor, não no aumento do volume puro e simples.

"In concentrating on all the trees, we lose sight of the forest"

 
"But here is what surprises me most: given the sophistication of firm strategies and the intensity of our work lives, I would expect to see impressive firm profitability at most companies and more-than-generous compensation packages for nearly everyone. I see neither. Take firm profitability: one-fourth of the firms included in the S&P 500 fail to earn long-term returns in excess of their cost of capital. In China, this traction is even higher, closer to one-third.

Think about it. How can it be that so many companies, their ranks filled with talented and highly engaged employees, have so little to show for so much effort? Why do hard work and sophisticated strategy lead to enduring financial success for some companies but not for others?
...
As our strategic initiatives multiply, something unforeseen happens. In concentrating on all the trees, we lose sight of the forest. In a profusion of activities, an overall direction, a guiding principle, is hard to see. Any promising idea is an idea that seems worth pursuing. In the end, common sense rules, and strategy loses much of its ability to steer our businesses. In this world, strategic planning becomes an annual ritual that feels bureaucratic and less than helpful in resolving critical issues. In fact, it is not difficult to find firms that have no strategy at all. In many others, it consists of an 80-page deck that is rich in data but short on insights, fabulous at listing considerations but of little help in actual decision-making. When I review companies' strategic plans, I often see a plethora of frameworks-many of them inconsistent with each other - but few guideposts for effective management. If the hallmark of a great strategy is its telling you what not to do, what not to worry about, which developments to disregard, many of today's efforts fall short."

Num tempo em que as organizações multiplicam iniciativas, frameworks e relatórios estratégicos com dezenas de slides, o que deveria ser claro torna-se confuso. Estratégia, que deveria ser bússola, é substituída por checklists de ambições desconexas.

O paradoxo é evidente: empresas com equipas talentosas e altamente envolvidas, com planos sofisticados e reuniões intermináveis... mas que não conseguem gerar rendibilidade sustentável. Nos EUA, 1 em cada 4 empresas do S&P 500 não cobre o seu custo de capital. Na China, é pior.

A explicação pode estar menos na execução e mais na ausência de direcção real. Perdeu-se a clareza sobre o que não fazer, o que deixar para trás, e que decisões não merecem atenção. O resultado? Estratégias que mais confundem do que orientam.

Mais frameworks nem sempre significam mais visão. Estratégia não é um repositório de boas intenções — é uma escolha deliberada, muitas vezes difícil, que implica renúncia e foco. E, acima de tudo, deve ser útil. Na semana passada numa reunião por Teams alguém levantava uma dor que sentia, mas teve a honestidade de dizer que também contribuía para a dor (a clássica competição do planeamento, produção, logística e comercial sobre prazos de entrega, eficiência e custos). Depois, ao fim da tarde, durante uma sessão de jogging oiço um podcast uma frase que se ajusta a tantas dores: "Não há soluções, só trade-offs". E a estratégia deve ser a bitola para negociar esses trade-offs, não o poder individual dos intervenientes.

Que papel desempenha a estratégia na sua organização? Está a ajudar a decidir? Ou apenas a decorar apresentações? 

Trechos retirados de "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee. 

domingo, junho 08, 2025

Curiosidade do dia

 
"Anyone who thinks it takes a right-wing populist to get tough on immigration hasn't taken note of Mette Frederiksen, says Daniel Johnson. Denmark's Social Democrat PM believes it's the poor who pay the price of mass migration and need protection from it. In 2016, her party voted in favour of a controversial "jewellery law", which obliges migrants to surrender their valuables as part of their contribution to the cost of asylum. And when her party vent on to gain office in 2019, it proceeded to pass laws that have given Denmark - among the most liberal of EU nations one of Europe's toughest migration regimes. Residence permits are now usually given to irregular migrants for one to two years; applicants must pledge to learn Danish; a "ghetto law" empowers the authorities to demolish social housing in areas where "parallel societies" have arisen. Frederiksen's "zero refugee" policy - the granting of asylum requests tell to a record low 864 last year- has proved popular: her party increased their share of seats in
2022. Keir Starmer take note: you can be of the Left but still take action to protect your nation's borders and cultural identity."

Publicado na revista The Week de 31 de Maio citando "How Denmark learnt to close its doors" de Daniel Johnson no The Daily Telegraph.

É verdade, mas também é mentira.



"Sem imigração, o País não cresce" — é verdade, mas também é mentira.

É verdade, como afirma Mário Centeno, porque Portugal enfrenta um inverno demográfico inevitável. A natalidade declina, a população envelhece e uma parte significativa dos jovens mais qualificados continua a emigrar. Sem imigração, faltaria gente para assegurar serviços, sustentar o sistema de pensões e manter activos diversos sectores económicos. Neste sentido, a imigração é um factor necessário de equilíbrio social e económico.

Mas é também mentira, se a frase for entendida como uma verdade absoluta ou como uma estratégia de crescimento estrutural. A imigração pode sustentar o nível de actividade, mas não garante, por si só, crescimento com valor. Um país não prospera apenas por aumentar o número de trabalhadores num modelo assente em baixa produtividade.

Como escrevi ontem em "Estabilidade bem gerida não é estagnação", o risco é confundirmos volume com sucesso. E isso conduz ao empobrecimento. Mais pessoas, nos mesmos sectores, com os mesmos salários baixos e a realizar as mesmas tarefas pouco qualificadas, apenas prolonga o problema — não o resolve.

Depois admiramos-nos com:
O que falta em Portugal é um crescimento mais denso em valor:
  • subir na cadeia de valor,
  • fazer diferente, não apenas mais,
  • investir em capital humano e tecnológico,
  • atrair e desenvolver actividades com maior produtividade por trabalhador.
Sem imigração, o sistema colapsa. Mas só com imigração, também não se cresce — apenas se adia o verdadeiro debate: que modelo económico queremos?

sábado, junho 07, 2025

Curiosidade do dia

Daqui "Now China's ultra-cheap EVs are scaring China":

"China's ability to make electric vehicles (EVs) cheaply has caused angst in countries with big carmakers, prompting governments to investigate China's subsidies for the sector and to erect trade barriers. Now, though, it is China's own government that is worrying about how cheap its producers' EVs are. The race to the bottom shows no sign of letting up, and the industry has become emblematic of some of the broader problems facing the economy.

On May 23rd China's biggest EV manufacturer, BYD, caused shockwaves when it slashed the cost of 22 electric and hybrid models. Now the starting price of its cheapest model, the Seagull, has fallen to a mere 55,800 yuan ($7,700). The move came just two years after BYD had originally unveiled the electric hatchback, at a then astonishingly low cost of 73,800 yuan.

The latest move triggered official concern about how low prices could go in the world's largest car market. On May 31st China's industry ministry told Xinhua, the state-run news agency, that "there are no winners in the price war, let alone a future."

...

there are 115 Chinese EV brands, according to Jato Dynamics, a research firm. Only a few, including BYD, make any money and are expected to survive in the long run. Brutal price wars are a common affliction across Chinese industries. By the end of last year's third quarter, nearly 25% of China's listed firms were in the red, more than double the proportion five years ago."