sexta-feira, junho 20, 2025

ISO 9001: ainda faz sentido para as PME? (parte II)

Ainda antes de ter publicado aqui no blogue "ISO 9001: ainda faz sentido para as PME?" já tinha publicado uma versão mais curta no LinkedIn "Does ISO 9001 still make sense for SMEs?" na manhã de 16 de Junho.

Termino os meus textos com uma referência aos trabalhos de Nicholas Bloom et al sobre a dificuldade no spillover das boas práticas de gestão entre empresas do mesmo sector de actividade económica num mesmo país. Como se existisse uma fricção que diminui a velocidade de propagação.

Entretanto, durante a tarde de 16 de Junho Roger Martin publicou "Influenceability, Society & Strategy - Don't Choose the Path of an Intellectual Hermit":

"the problem with uninfluenceable people

...

Society is what we construct when individual people in it interact with one another. When they interact, they influence one another and that pattern of interaction and influence shapes society.

...

People who are completely uninfluenceable can’t participate in that societal building and shaping process. By definition, uninfluenceable people can’t learn, can’t get better, and get completely stuck

...

If you are influenceable, you would want help from others in coming up with the most useful interpretation of the law or Bible or anything else. If you are uninfluenceable, that is simply not an option.

Why it Matters for Strategy

Influenceability is important to contemplate in strategy because strict constructionism dominates in the modern practice of strategy. The mantra is to do the analysis and then do what the analysis says. Anything else is considered to be negligent and abhorrent. The analysis is viewed as providing ‘the right answer.’ If you don’t concur, you are an anti-analysis business floozy. And that reinforces the dominant culture.

My experience of executives is that under this strict constructionist regime, they tend to become more uninfluenceable as their careers progress. They get more inclined to say: I know this business, this is the way it is always done, the analysis agrees with me, so it is what we are going to do."

Talvez exista, afinal, uma ligação entre a fraca difusão das boas práticas de gestão e a incapacidade de muitos dirigentes para se deixarem influenciar por perspectivas externas. Bloom et al mostram-nos que, mesmo dentro do mesmo sector e país, as diferenças de desempenho entre empresas podem ser abissais — não por falta de acesso à informação, mas por falta de absorção. Roger Martin, por sua vez, sugere que a influência mútua — e a abertura à influência — é condição essencial para o progresso individual e colectivo. Quando a cultura organizacional cristaliza em torno de certezas analíticas e de "modelos de sempre", deixa de haver espaço para o verdadeiro diálogo, para a escuta, para a aprendizagem.

Talvez por isso a ISO 9001, apesar da sua natureza genérica e da sua longa história, continue a fazer sentido: porque obriga a escutar, a medir, a rever e a melhorar. E, como lembra Martin, só melhora quem se deixa influenciar.

quinta-feira, junho 19, 2025

Curiosidade do dia



Mão amiga fez-me chegar esta peça:
"Climeworks' Direct Air Capture (DAC) plant in Iceland captures so little CO2 from the atmosphere it doesn't even cover its own emissions.
This represents a complete failure. The technology is tasked with reducing atmospheric CO2, and instead it is increasing it.
Climeworks DAC began operations in Iceland in 2021. The large machines are claimed to be able to capture 4,000 tons of CO2 each year. This goal has never been achieved. Since commencing capture operations, they have captured no more than 1,000 tonnes in a single year.
Yet Climeworks' own emissions amounted to 1,700 tons of CO2 in 2023."

"differences in value creation"

 


"all ability to capture value depends on differences in value creation. In their quest for exceptional performance, many executives ask themselves what they might do to increase their firm's returns. This is the wrong question to set out from. To begin your journey toward increased financial performance, create differentiated value and profits will follow. Fail to do so, and no amount of business acumen will generate exceptional results. [Moi ici: Resultados financeiros saudáveis são consequências, tal como os números do desemprego, não se trabalha directamente para eles, mas eles são uma consequencia do que se faz]
...
copying reduces the ability to capture value, because greater similarity across firms leads to downward pressure on prices."

Trechos retirados de "Better, simpler strategy: a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee.  

quarta-feira, junho 18, 2025

Curiosidade do dia



Temos de perguntar: Por que não ladram os mastins dos Baskerville

"they go on expensive crusades to announce their goodness"


No passado dia 13 de Junho, Janan Ganesh escreveu um dos artigos mais desmoralizantes que tenho lido nos últimos tempos, "Only a crisis will wean the west off debt", algo em linha com o que escrevi em Agosto passado: as sociedades ocidentais precisam de situações de emergência para mudar.

Ganesh, argumenta que os investidores internacionais em dívida soberana devem ter em conta uma realidade muitas vezes ignorada: os governos de democracias ricas têm uma capacidade política limitada para impor austeridade e consolidar as finanças públicas, mesmo quando racionalmente necessário. 

Usando o exemplo do Reino Unido, Ganesh descreve como governos de diferentes espectros partidários têm falhado em controlar a despesa pública por medo da impopularidade e protestos sociais. O texto sugere que, sem uma crise ou um estado de emergência, reformas estruturais significativas são praticamente impossíveis — e isto deve preocupar quem investe em dívida pública.

"The Labour government has a tremendous majority in parliament. It does not have to call a general election until 2029. Its opponents are split, perhaps terminally. When it cut pensioner perks to save the indebted kingdom some cash, public anger was, while fierce, unexceptional. And still Labour capitulated to the pensioner vote. As it did to public sector wage demands last summer. As it soon might to some child benefit recipients. If this of all governments cannot withstand some run-of-the-mill moral pressure, which UK government ever can?"

Lá, como cá:

"It is odd that so little of Britain's political discourse is about the fiscal trajectory."

Ganesh lamenta o facto da trajectória orçamental do Reino Unido quase não ser debatida, enquanto os políticos se concentram em medidas simbólicas e promessas irrealistas. Lembrei-me logo de Alexandra Leitão a prometer transportes públicos gratuitos.

"I nurse a theory that low-charisma politicians are the biggest financial liabilities. Unable to win the affection of the public on their own terms, they go on expensive crusades to announce their goodness."

Ganesh nota que Margaret Thatcher teve como trampolim uma crise económica grave, tal como os países do Sul da Europa após 2010. Sem um choque externo, o autor não vê hipótese de reformas sérias. 

"If the illusion breaks, and a debt crisis happens, it might at least force a reassessment of the state from first principles. The only way that painful but necessary change happens in highincome democracies is through a sense of emergency."

E o remate final:

"Reeves' spending review this week smelled like an era coming to an end: the references to spending as "investment", [Moi ici: Por cá chegámos a esta fase há muito tempo] the hailing of the provinces over London and its productive satellites. This is a model of government that is almost asking to be put out of its misery. What the likes of Musk couldn't do, the bond traders might." [Moi ici: BTW, relacionar com "As the sun sets on the old world of debt economics, pain lies ahead"

terça-feira, junho 17, 2025

Curiosidade do dia

O último número da revista The Economist traz um artigo muito interessante, "China's "low-altitude economy" is taking off":

"Delivery drones and flying cars are mainly science fiction in the rest of the world, although in some places they have advanced to the realm of prototypes and trials. Walmart, a pioneer, has made 150,000 deliveries by drone in America since 2021. In China, however, these technologies are becoming an everyday reality. The government is vigorously promoting them as part of its ambition to develop a "low altitude economy". By that it means a proliferation of airborne devices whizzing around at less than 1,000 metres (far lower than ordinary commercial planes), offering a dizzying array of services. The intention is to foster a futuristic industry for China to dominate by refining the approach that has already turned the country into an electric-vehicle (EV) juggernaut."

O artigo descreve o rápido desenvolvimento da chamada low-altitude economy na China, um sector emergente que inclui drones de entrega e carros voadores (eVTOLs), com apoio explícito do governo chinês. Esta economia opera abaixo dos 1.000 metros de altitude e está a crescer exponencialmente graças a políticas públicas, regulação flexível e sinergias com as indústrias de baterias e veículos eléctricos.

O governo chinês já criou estruturas para fomentar o sector, incluindo autorizações locais para abrir o espaço aéreo abaixo dos 600 metros, investimentos em infraestruturas (terminais, rotas, 5G), cursos universitários especializados e fundos públicos. Empresas como a Meituan e a EHang estão na vanguarda, já operando drones para entregas de refeições e oferecendo passeios turísticos em eVTOLs.

Apesar do entusiasmo, surgem dúvidas sobre a viabilidade económica de algumas aplicações, especialmente os carros voadores, e sobre o risco de excesso de investimento impulsionado mais pela política do que pelo mercado.

Interessante as sinergias entre diferentes indústrias e a postura das autoridades:

"First, flying cars and drones play to existing industrial strengths. China is the world's biggest manufacturer of both the batteries such aircraft need, and of electric vehicles, which involve lots of the same technology. "Why can our low altitude economy quickly generate strong explosive power? One very important reason is that we have accumulated a lot in the new energy industry, especially in cars, in the past few years," Qiao Dong of Yunhe Capital, an investment firm, argued at the conference in Beijing. Shenzhen, for instance, is home to both the D world's largest drone-maker, DJI, and the world's largest EV firm, BYD, along with lots of their suppliers.

What is more, despite the controlling nature of the Chinese state, regulators are nimble and accommodating. [Moi ici: Impressionante!!!] Bureaucrats from different cities now come to Meituan to suggest that it initiate a new delivery route, rather than the other way round, an employee notes. Rather than spending a long time drafting a systematic policy, officials have been drawing up rules as the industry develops. "You have to have a policy that can match whatever technical progress that is being made on the ground," Mr Mao says. Although this might involve less exacting safety standards than may be imposed in Western countries, Chinese consumers, at any rate, do not seem too worried.

...

As a result, Chinese firms can develop products faster than their counterparts elsewhere. EHang was founded five years after Joby, one of America's leading eVTOL companies. "We can iterate faster by leveraging the strengths of the manufacturing industry, and we can also accumulate relevant experience faster through actual flights in China," says Mr Hu. Robin Riedel of McKinsey notes that, whereas Western firms in the industry consider their products superior in quality, Chinese firms view themselves as faster to commercialise: "There's a little bit more willingness to experiment in China versus in North America and in Europe.""

ISO 9001: ainda faz sentido para as PME?


A norma não está ultrapassada. Mas a forma como muitas empresas a aplicam, sim.

Comecei a trabalhar com a ISO 9001 entre 1989 e 1990. Na altura, Portugal era visto como um país de mão-de-obra barata dentro da recém-alargada Comunidade Económica Europeia, e eu acreditava que a ISO 9001 traria organização e disciplina às PME portuguesas, ajudando-as a competir num mercado cada vez mais exigente.

Era o tempo em que se exaltava a “Normalização” com cartazes em salas de formação — e a crença ingénua de que bastava seguir normas para atingir a excelência. Hoje, sei que isso não basta.

O colapso das PME protegidas

A semana passada assinalaram-se os 40 anos da entrada de Portugal na CEE. Esse momento histórico abriu fronteiras e eliminou barreiras alfandegárias que protegiam milhares de empresas. A consequência foi brutal: uma parte significativa da nata das PME desapareceu, incapaz de competir com as marcas europeias. As que apostavam apenas no preço ainda tiveram algum fôlego — até que a China lhes retirou até esse último trunfo.

Entretanto, muita coisa mudou. Como explica Eric Beinhocker em The Origin of Wealth, o mundo empresarial tornou-se uma paisagem competitiva enrugada, em constante mutação. Quando a vantagem do baixo custo desapareceu, as PME mais ágeis descobriram o valor da flexibilidade, da rapidez, da capacidade de adaptação. Foi esse impulso que permitiu ao peso das exportações no PIB nacional saltar de 27% para cerca de 50% num espaço de poucos anos.

Nesse mesmo período, encerrei um capítulo da minha vida profissional — a marca Redsigma, que havia fundado nos anos 90. Foi o fim de um ciclo. Mas não do meu envolvimento com a qualidade.

A ISO 9001 ainda é útil? Depende.

Hoje, continuo a acreditar que a ISO 9001 pode ser uma ferramenta valiosa para PME que não competem apenas pelo preço. Mas é fundamental que a norma seja aplicada com inteligência e intenção estratégica. O sistema de gestão da qualidade não pode existir por si só. Tem de estar ao serviço da execução da estratégia da empresa.

Infelizmente, vejo com frequência o oposto: empresas onde a ISO 9001 serve apenas para “manter o certificado”. Perdeu-se o sentido original — e, com ele, a oportunidade de transformação.

Felizmente, também tenho participado em projectos onde a ISO 9001 é muito mais do que um exercício burocrático. Nestes casos, torna-se um catalisador para melhorar processos, alinhar equipas e reforçar a competitividade.

A grande lição de Bloom e Oberholzer-Gee

Recentemente, revisitei uma ideia poderosa no livro "Better, Simpler Strategy" de Felix Oberholzer-Gee: há mais variação de desempenho entre empresas do mesmo sector do que entre sectores diferentes. Ou seja, empresas a operar no mesmo país, no mesmo sector de actividade, sob as mesmas leis, impostos e mão-de-obra, apresentam resultados muito diferentes. Porquê? Pela estratégia que escolhem e pelas práticas de gestão que adoptam.

Muitos acreditam que as boas práticas de gestão estão amplamente difundidas. Mas Nicholas Bloom e John Van Reenen demonstraram o contrário em estudos amplamente citados. A sua investigação, publicada no Quarterly Journal of Economics, mostra que as diferenças na qualidade da gestão são profundas — mesmo entre empresas semelhantes.

O que estes dados nos dizem é claro: há milhares de empresas que continuam a não fazer o básico bem feito. A ISO 9001, aplicada com seriedade, pode ser esse “básico” — mas tem de ser usada como instrumento de melhoria do desempenho, e não como um selo decorativo de conformidade.

Se é empresário e sente que o seu sistema de gestão da qualidade já não serve os propósitos actuais da sua empresa — ou se precisa de criar um sistema de raiz que realmente apoie o crescimento sustentável do seu negócio — contacte-me para uma conversa inicial, sem compromisso: metanoia at metanoia.pt

Não basta certificar. É preciso transformar. E isso começa com uma decisão.

segunda-feira, junho 16, 2025

Curiosidade do dia

Há minutos, no noticiário das 16h da rádio Observador ouvi o presidente do Chega, André Ventura, a perguntar como é que alguém na Índia e que nunca pôs os pés em Portugal pode ter nacionalidade portuguesa.

 

Há duas respostas possíveis. Ilegalmente e legalmente.

O WSJ de hoje publica a via legal (já agora, eu ainda sou do tempo de aprender na escola primária que Goa, Damão e Diu eram parte de Portugal, apesar de tomadas pela União Indiana em 1961): 

"DIU ISLAND, India - The only survivor of Air India Flight 171 was born on this tropical island dotted with palm trees and fishing boats. So were 14 passengers who died in the crash, most of them Portuguese or British nationals of Indian origin.
They straddled two continents, their lives consisting of long-haul flights between work and family. Like many of the 241 people who perished on the London-bound Boeing 787, they were part of the large Indian diaspora that has spread across the world.
Yet Diu is unique. Unlike much of India, the island off the country's west coast was a Portuguese colony until 1961, a history that gives its residents a leg up if they want to go abroad. Those born under Portuguese rule and their descendants for two generations are entitled to citizenship of the country."

Trechos retirados de "Island With Ties To Europe Tallies Its Crash Dead" publicado no WSJ do passado dia 16 de Junho. 

Luxo e sinais exteriores

"This research introduces "brand prominence," a construct reflecting the conspicuousness of a brand's mark or logo on a product. The authors propose a taxonomy that assigns consumers to one of four groups according to their wealth and need for status, and they demonstrate how each group's preference for conspicuously or inconspicuously branded luxury goods corresponds predictably with their desire to associate or dissociate with members of their own and other groups. Wealthy consumers low in need for status want to associate with their own kind and pay a premium for quiet goods only they can recognize. Wealthy consumers high in need for status use loud luxury goods to signal to the less affluent that they are not one of them. Those who are high in need for status but cannot afford true luxury use loud counterfeits to emulate those they recognize to be wealthy.
...
For mnemonic reasons, we label the four groups as the four Ps of luxury: patricians, parvenus, poseurs, and proletarians. We label the first category "patricians," after the elites in ancient Roman times. Patricians possess significant wealth and pay a premium for inconspicuously branded products that serve as a horizontal signal to other patricians. 
...
We label the second category "parvenus" (from the Latin pervenio, meaning "arrive" or "reach"). Parvenus possess significant wealth but not the connoisseurship necessary to interpret subtle signals, an element of which Bourdieu (1984) refers to as the "cultural capital" typically associated with their station. To parvenus, Louis Vuitton's distinctive "LV" monogram or the popular Damier canvas pattern is synonymous with luxury because these markings make it transparent that the handbag is beyond the reach of those below them. However, they are unlikely to recognize the subtle details of a Hermès bag or Vacheron Constantin watch or know their respective prices. Parvenus are affluent—it is not that they cannot afford quieter goods - but they crave status. They are concerned first and foremost with separating or dissociating themselves from the have-nots while associating themselves with other haves, both patricians and other parvenus.
...
We call the third class of consumers "poseurs," from the French word for a "person who pretends to be what he or she is not." Like the parvenus, they are highly motivated to consume for the sake of status. However, poseurs do not possess the financial means to readily afford authentic luxury goods. Yet they want to associate themselves with those they observe and recognize as having the financial means (the parvenus) and dissociate themselves from other less affluent people. Thus, they are especially prone to buying counterfeit luxury goods. If brand status is important to a person, as it is with poseurs, but is unattainable, a person is likely to turn to counterfeit products as cheap substitutes for the originals."

O artigo refere um estudo feito com o símbolo da marca Mercedes. O estudo conclui que, nos modelos Mercedes-Benz vendidos nos EUA, quanto maior o tamanho do símbolo (estrela da marca), menor tende a ser o preço do automóvel. Especificamente:
  • Um aumento de 1 cm no diâmetro do símbolo está associado, em média, a uma redução de mais de 5.000 dólares no preço do veículo
  • Os modelos mais baratos exibem símbolos maiores, enquanto os modelos mais caros têm o emblema mais discreto.
Interpretação: Os consumidores com maior poder económico e menor necessidade de exibição de status (os chamados patricians) preferem sinais discretos. Já os consumidores mais preocupados em afirmar status (parvenus) preferem símbolos mais visíveis — como uma estrela grande no capô do carro.

Um outro estudo analisa mais de 400 malas da Louis Vuitton e Gucci, e conclui que:
  • Malas com marcações visíveis e logótipos grandes tendem a ser mais baratas.
  • As malas mais caras exibem a marca de forma discreta ou quase invisível, às vezes só no interior (como a Bottega Veneta).
  • Consumidores com elevado poder de compra e cultura de luxo preferem malas discretas, como forma de sinalizar o seu estatuto apenas aos que sabem reconhecer os detalhes subtis (materiais, acabamentos, fechos, costuras).
  • Já consumidores que querem ser reconhecidos como tendo estatuto social, mas não têm necessariamente conhecimento profundo de marcas ou cultura de luxo, tendem a preferir malas grandes, com logótipos evidentes, ou até mesmo contrafacções dessas.
No mundo do luxo, quanto mais alto o preço, mais pequena (ou subtil) a marca. A discrição tornou-se, ironicamente, o sinal mais forte de estatuto - mas só entre os que sabem ler esses sinais.


Trechos retirados de "Signaling Status with Luxury Goods: The Role of Brand Prominence" publicado no Journal of Marketing (Julho de 2010).


domingo, junho 15, 2025

Curiosidade do dia

"Empresários acusados de branquear 124 milhões no Casino da Póvoa"


Hummm! Estranho. Que negócios geram necessidade de branquear dinheiro? Que negócios libertam tais margens? Que empresários têm tais problemas?

"Em causa um esquema, que durou entre 2012 e 2017, que envolve donos de estabelecimentos de venda de vestuário ou calçado, oriundos da República Popular da China, vendidos nos armazéns da chamada "Chinatown do Norte", situada na Varziela, Vila do Conde.
...
De acordo com o Ministério Público, um grupo de empresários da Varziela usou o Casino da Póvoa como uma máquina de lavar dinheiro, proveniente da fraude fiscal, revela o Jornal de Notícias na sua edição deste sábado."


A grande ilusão

A revista The Economist dedica a sua capa ao tema "The Manufacturing Delusion" traduzida num artigo intitulado "The world must escape the manufacturing delusion".

Devo dizer que concordo com praticamente todo o artigo. O texto critica a obsessão actual dos governos pelo regresso à produção industrial nacional, argumentando que essa abordagem é ultrapassada, ineficaz e potencialmente prejudicial. A crença de que o fomento da indústria resolverá problemas como criação de emprego, crescimento económico e resiliência nacional assenta em mitos desactualizados. A automação reduziu drasticamente os empregos industriais e a produtividade do sector não garante salários elevados. A conclusão do artigo é clara: esta "mania" pela industrialização é contraproducente.

Ao longo dos últimos meses tenho coleccionado alguns artigos que vão no mesmo sentido, embora não os tenha referido aqui. Por exemplo, "Want to destroy American business? Protect it, writes Carl Benedikt Frey" publicado na revista The Economist do passado dia 29 de Maio, ou “Semiconductor Subsidies? Tried and Failed”, escrito por T.J. Rodgers no Wall Street Journal de 4 de Junho último.

Recordo ainda a alegria do jornalista por termos roubado uma fábrica de meias à Lituânia.

Voltando ao artigo da revista The Economist:

"Manufacturing no longer pays those without a degree more than other comparable jobs in industries such as construction. As productivity growth is lower in manufacturing than it is in service work, wage growth is likely to be disappointing, too. 

...

The manufacturing delusion is drawing countries into protecting domestic industry and competing for jobs that no longer exist. That will only lower wages, worsen productivity and blunt the incentive to innovate."

Por que concordo com o artigo? Julgo que expliquei em Abril passado em "Trump's Protectionist Bunker". Tudo o que contraria a evolução natural da Teoria dos Flying Geese é de evitar. No fim, o que é produzido tem de pagar salários cada vez mais elevados e isso só se consegue como valor acrescentado. Recordar a imagem associada à Herdmar.

Tudo o que se traduza fábricas com maior valor acrescentado, óptimo, é a direcção correcta. Recordo a Coloplast ou a Avincis. BTW, Camilo Lourenço na passado quinta-feira, no seu programa matinal referiu o que Marrocos está a fazer relativamente à indústria automóvel.

sábado, junho 14, 2025

Curiosidade do dia

Na revista Time do dia 23 de Junho próximo um artigo sobre Mongo... "SO LONG, SONG OF THE SUMMER"

BTW, lembro-me da Ana Bola, nos anos 80, a apresentar o TNT (Todos No Top)

"The idea of a pop monoculture has not only ceased to exist but also resulted in the loss of shared cultural touchpoints that connect millions of Americans. A fragmented culture stands in its stead, thanks to the rise of the curated algorithm and social media feeds perfectly sculpted to fit our interests and experiences. Yes, this has made us more— or at least feel more— disconnected.

...

In 2010, when Billboard created the Songs of the Summer chart, it explained that a song's place was determined by its "cumulative performance on the weekly streaming, airplay, and sales-based Hot 100 chart from Memorial Day through Labor Day." This made sense, given the time. In 2010, Facebook was the most popular social media platform. The firstgeneration iPad had just been made available to the public. And "California Girls" by Katy Perry was the No. 1 song on the inaugural Song of the Summer chart. That song was everywhere-you couldn't escape it. 

Fast-forward to 2024, and the Billboard Song of the Summer was "I Had Some Help" by Post Malone featuring Morgan Wallen. The top placement seems to be at odds with Brat summer, the meteoric rise of Chappell Roan, the bubblegum pop of Sabrina Carpenter, and the historic rap beef of Drake and Kendrick Lamar, all of which betrays the chart's inability to encapsulate the music that people are actually listening to.

...

Americans, rather than being homogeneous music consumers, are shifting toward personalized music experiences and playlists."

Exportações - os primeiros quatro meses de 2025

Já não fazia aqui um balanço das exportações desde Fevereiro último onde analisei os dados relativos ao ano de 2024. Fazemos agora um balanço das exportações nos quatro primeiros meses de 2025 recorrendo ao conjunto de sectores que acompanho há vários anos.
A setas na coluna da evolução homóloga comparam os dados do acumulado homólogo dos primeiros quatro meses do ano com os dados do acumulado homólogo do ano de 2024 completo, porque se trata da última comparação que fizemos aqui.

18 sectores, 9 com evolução homóloga positiva e 9 com evolução homóloga negativa. O sector farmacêutico continua com as suas evoluções bruscas (acredito que seja resultado da fuga a tarifas futuras conjugada com as exportações para destinos exóticos que muitas vezes são feitas por trimestre). O sector das aeronaves continua o seu crescimento. BTW, aeronaves e farmacêutica ilustram a evolução dos Flying Geese de que o país tanto precisa. De salientar também o forte crescimento das exportações de fruta.

Julgo que é a primeira vez que o sector da Óptica tem uma evolução negativa em mais de 3 anos (não recuei mais na minha pesquisa).

Máquinas continuam a sua ascenção a bom ritmo. Calçado começa o ano melhor do que em 2024, já o Vestuário, a cortiça e a floricultura mantiveram o mesmo desempenho.











sexta-feira, junho 13, 2025

Curiosidade do dia


Há uns anos um anúncio revelava-nos o que se esconde por trás de anos e anos de treino, de esforço, de sacrifício de uma bailarina de ballet. Algo como:


Ontem, no The Times vi as mãos de "Mondo" Duplantis o recordista crónico no salto em altura:


 Cuidado com quem promete sucesso sem sacrifício.

A vantagem competitiva decorre de decisões

"Many of the most successful companies focus on their competitive position inside an industry, as opposed to the average performance of their segment of the economy. Joly explains, "If you remember, [in the past] the message from this company was all about the headwinds in our industry. [Today,] we never talk about the headwinds. ... What we do has more impact, we think, than the overall environment." There are three reasons why this type of thinking is prevalent in companies that create exceptional value. A first is that in most industries, variation in profitability inside the industry exceeds the profitability differences across industries. In other words, your best opportunities are almost always in your current industry, even if it is considered a difficult place for business. A second reason to focus on competitive positions inside an industry (versus industry attractiveness) is that positive industry fundamentals will simply be reflected in the multiples that companies need to pay to enter an attractive industry. Finally, for companies that happen to be in struggling industries, a focus on headwinds is demoralizing, and it likely contributes to decreases in productivity. "It's a virtuous cycle," says Joly. "Once you start winning, people get more excited, more confident." Best Buy's internal data show that by 2013, staff engagement was higher than at any point since 2006."

Recordar de 2013 - São as decisões dos humanos que ajudam a fazer a diferença 

Recordar de 2022 um resumo que recua a 2011 - "Thus, the concept of "industry profitability" may have no meaning"

Estudos atrás de estudos têm mostrado que a variabilidade da rentabilidade entre empresas dentro do mesmo sector é muito superior à variabilidade entre sectores. Isto significa que estar num sector “difícil” não é uma condenação. E, inversamente, estar num sector “atractivo” não garante sucesso. Em vez de olhar para o vento de frente (os headwinds), as empresas que criam valor excecional concentram-se na forma como navegam — com as velas que têm.

A implicação é profunda: a vantagem competitiva não vem do sector onde se está, mas das decisões estratégicas, operacionais e humanas que se tomam dentro dele.


Trecho retirado de "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee.  

quinta-feira, junho 12, 2025

Curiosidade do dia

 


"Teachers, doctors, museum staff and dust-bin collectors, trade unionists and bottle-throwers, a million French people in all, took to the streets two years ago to oppose an attempt by President Macron to increase the retirement age from 62 to 64. The political class has rarely looked so rattled and the French leader had to deploy all of his legendary cunning to get the measure through.

Another wave of strikes and street violence might be about to kick off. The Council on Retirement Policy has warned that France's state pension system, one of Europe's most costly, could melt down unless the pension age is raised from 64 to 66.

...

Pension reform in all countries - Denmark is even planning to raise the statutory pension age to 70 by 2040 - has to be balanced with an act of national persuasion that adjusts the work-life balance in a way that neither younger nor older people feel cheated."

Trechos retirados de "Breaking Point" publicados no  The Times de ontem.

Repitam comigo: a "DVD leadership team" não vai criar o futuro que o país precisa

Recordar esta curiosidade do dia.

Em "Um Estado pesado está a empurrar os jovens para fora"

"Os dados disponíveis confirmam a gravidade da situação. Segundo um estudo do Centro de Estudos da Federação Académica do Porto, 73% dos estudantes do ensino superior em 2023/2024 admitem como certa ou provável a possibilidade de emigrar. A formação de um licenciado custa ao Estado cerca de 100 mil euros. A perda desses jovens representa um prejuízo de cerca de 2,1 mil milhões de euros por ano. No total, a economia portuguesa poderá perder 95 mil milhões de euros nas próximas décadas, dos quais 61 mil milhões em contribuições líquidas para a Segurança Social.

Atualmente, 70% dos que emigram têm entre 15 e 39 anos. Esta realidade tem impacto direto no sistema de pensões. De acordo com o relatório europeu Ageing Report, a taxa de substituição salarial pela pensão poderá descer para 38% até 2050.
...
O pais precisa de criar mais riqueza. Para isso, deve alavancar a produtividade laboral. A produtividade aumentada depende de melhores salários e mais investimento. Só com uma redução da carga fiscal sobre famílias e empresas será possível valorizar salários e libertar investimento. Para haver uma redução da carga fiscal é obrigatório reduzir a despesa pública. A redução da despesa pública pressupõe uma Reforma do Estado."

Este último parágrafo estraga tudo. Pensar que a "DVD leadership team" vai criar o futuro de que o país precisa é uma ilusão perigosa. O problema é "as empresas que não estão cá" o problema não é as empresas que já cá estão.



quarta-feira, junho 11, 2025

Curiosidade do dia


A física funciona com leis universais que explicam muitos fenómenos. Modelos financeiros tentam imitar essa estrutura, mas são imperfeitos e muitas vezes irreais.
"But that is where finance and physics part ways, because the quest for the laws of markets is doomed.
...
Rich-world currencies normally strengthen when bond yields rise; no longer for the dollar and
American Treasuries.
...
Gold is supposed to do well when investors are panicking, and share prices when they are ebullient; now, both gold and plenty of stockmarkets are at or near all-time highs." [Moi ici: Os mercados violam sistematicamente previsões e relações esperadas]
...
Finance is ultimately driven by people, not particles, and they do not always respond to similar stimuli in similar ways.
...
The absence of fundamental laws in markets is frustrating, disorientating - and what makes them so interesting." [Moi ici: Os mercados são complexos e humanos, o que os torna instáveis e fascinantes]

Estratégia e gestão de risco devem considerar o factor humano: emoção, imitação, expectativas. A racionalidade perfeita é uma ilusão perigosa.

Trechos retirados de "Why investors lack a theory of everything" publicado no último número da revista The Economist.

Ter a coragem de escolher um lado


Há anos escrevi aqui no blog a série:
Agora em "Better, simpler strategy : a value-based guide to exceptional performance" de Felix Oberholzer-Gee encontramos:
"Some of the smaller firms succeed by creating customer delight that does not reflect scale. Others find success by giving preference to one of the groups on the platform. Serving a small set of customers can also lead to stellar performance.
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One reason that Etsy and Handmade can live side by side is that their platforms favor different groups. Amazon is squarely in the customer's corner. Every feature of its business is designed with customers in mind. By contrast, Etsy was set up to support artisans and serve the craft movement. This difference in orientation manifests itself in many ways. Etsy charges sellers lower fees and releases their payments immediately, while Amazon holds on to seller funds. Etsy has a long history of supporting the maker movement, engaging in extensive seller education and community support.
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Platforms serve multiple groups of customers, and while many create value for all groups, some choices betray the organization's primary orientation. A travel site that sorts hotels by profit margin primarily serves the lodging industry. A site that sorts by customer reviews has the opposite orientation. The distinction between buyer-focused and seller-dominated platforms is particularly stark in B2B. At one extreme, procurement platforms serve buyers by creating efficiencies in purchasing. At the other end of the spectrum, seller-oriented platforms often resemble business directories.
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If yours is a small company staring at a large platform, it is always worth asking whether you might be able to create meaningful differentiation by focusing on the WTP of the group that is less favored by your competitor.
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The key insight here is that every large platform serves many different types of customers. The attraction between the types varies, however, and building a smaller platform for individuals who greatly value one another is a promising strategy.
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"Focus on a limited set of customers" is not the most intuitive advice if you are trying to build a business that will benefit from network effects. It is nevertheless good advice. By serving a select group of users who benefit most from being connected to one another, you might be able to compete with much bigger platforms."

A obsessão com escala e dominância obscurece uma verdade mais subtil, mas estratégica: nem todos os mercados são de "winner-takes-all". Como mostra Felix Oberholzer-Gee, há espaço para plataformas pequenas e bem-sucedidas que escolhem servir melhor quem os gigantes deixam para segundo plano.

O segredo? Ter a coragem de escolher um lado — o lado menos favorecido — e aumentar o valor percebido por esse grupo. Não se trata de vencer pela força, mas de criar afinidade, identidade e uma proposta que ressoe de forma mais intensa com menos gente. Estratégia, aqui, é foco, não ubiquidade. É preferência, não presença. E isso, por si só, já é uma vantagem competitiva. 

terça-feira, junho 10, 2025

Curiosidade do dia

Na revista The Economist desta semana "Britain's AI-care revolution isn't flashy—but it is the future":

"Samantha Woodward, a manager at Cera, a home-care company, arranges carers’ schedules with Amazon-like efficiency."

"Cera claims to have created Europe’s largest home-care data set—over 200bn data points—to train AI that predicts patients’ needs."

O artigo descreve como a inteligência artificial (IA) está a transformar silenciosamente os cuidados domiciliários e em lares no Reino Unido. 

"Cera claims to have cut falls by a fifth."

"A peer-reviewed study from 2022 found that its app had reduced hospitalisations by 52%."

"Over a year-long trial, falls decreased by 66%, and staff made 61% fewer checks in person."

Empresas como a Cera utilizam IA para optimizar rotas, prever quedas, reduzir hospitalizações e identificar funcionários com risco de abandono. 

"AI's adopters say the tech is meant to support staff, not replace them."

"Cera is testing robots to give routine prompts, like whether clients have eaten or taken their medication."

"Residents treat their chatbots as companions."

Outras soluções incluem sensores acústicos, robôs para lembretes, animais robóticos, sistemas baseados em Alexa e aplicações para detecção de dor facial.

Apesar das preocupações éticas, como consentimento em doentes com demência e possível vigilância excessiva, os benefícios práticos - maior segurança, melhor qualidade de vida e manutenção da independência - estão a impulsionar esta revolução digital na prestação de cuidados.

E Portugal?

Portugal enfrenta os mesmos desafios estruturais:

  • Envelhecimento acelerado da população;
  • Escassez de profissionais nos cuidados formais;
  • Um sistema assente em redes familiares esgotadas e informais;
  • Dificuldade em escalar serviços com qualidade, consistência e proximidade.

Mas ao contrário do Reino Unido, a aplicação da inteligência artificial nos cuidados julgo que continua quase ausente. Fala-se muito de “transformação digital”, mas os sectores sociais mais críticos — como o cuidado — continuam de fora da equação tecnológica.