Há cerca de 1 mês recebi um e-mail, que muito agradeço, com um desafio:
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"Vejo
"produto de oferta turística" por todo lado,...
é produto, demasiado produto, é mercadoria, é como se todos os ovos moles fossem iguais, é como se os vários produtores ainda que todos "certificados" IGP produzissem ovos moles com o mesmo buquet de odores, com o mesmo sabor, com o mesmo estalar da hóstia seguido do mesmo humedecer na boca, com a mesma frescura, com a mesma dedicação, com o mesmo rigor, com a mesma genuinidade... (
Moi ici: Ou seja, o caminho para a comoditização) O "selo" IGP até pode enganar o turista, mas não engana um cagaréu de gema, nem engana um qualquer (até pode ser um turista) que tenha provado um ovo mole da
fabridoce e depois tenha tido a sorte de provar um
daqui, ou
daqui. Eu sei isto porque sou turista.
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Curioso, as minhas escolhas não se encontram na
lista de produtores "autorizados" para o uso de IGP. Gostos não se discutem.
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No outro dia, na televisão, julgo que foi naquele programa das sete maravilhas gastronómicas, dizia alguém ligado ao "negócio": ..."precisamos de mais prazo, com este prazo actual estamos muito limitados no que diz respeito à exportação para países como o Brasil por exemplo..."
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Pensei: qual o interesse em transformar o ovo mole numa bolacha maria?
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É isto que me inquieta, este engodo da padronização, do volume, da vulgarização, dos ovos moles nas gasolineiras de auto-estrada, ... isto já não é "produto de oferta turística" é produto de oferta vulgarizada, é a erosão de valor. Não tarda e o preço é quem manda. (Moi ici: Enquanto o grosso da manada segue o caminho mais percorrido, há a oportunidade de alguns teimosos, de alguns artistas, de alguns apaixonados, seguirem o caminho menos percorrido)
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No Pingo Doce mais perto de minha casa as caixas de 250g, à venda a 3,99€, repousam mesmo ao lado da levedura fresca (0,50€). Por outro lado, com facilidade encontramos pastelarias no centro de Aveiro a vender "doces" com formas de borboleta e de joaninha a que chamam ovos moles...não têm o selo IGP à porta do estabelecimento, nem nas caixas, mas vendem-se como ovos moles! E será que não continuam à venda ovos moles em Faro produzidos em Faro?
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Pelos vistos houve quem achasse que a certificação era a solução
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http://www.noticiasdeaveiro.pt/pt/1879/processo-dos-ovos-moles-foi-arquivado/...julgo que se virou o feitiço contra o feiticeiro:
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(http://www.fabridoce.pt/images/stories/Pag_2.pdf (entrevista no DA)
http://www.fabridoce.pt/images/stories/Pag_3.pdf (volume, volume,volume)
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Reconheço que o trabalho da UA é interessante (
Caderno de Especificações e Obrigações dos Ovos Moles de Aveiro) gosto essencialmente da componente cultural e histórica que suporta e torna único o produto. Mas... e os resultados? O único resultado que a APOMA comunica é o número de certificados. And so what?
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Por outro lado, as especificações criam uma série de limitações à inovação no produto... mas como são sempre os constrangimentos que levam à inovação, tudo bem... o facto da UA andar a investigar e desenvolver soluções para aumentar o prazo de validade aborrece-me.. ok é uma questão técnica, as universidades não sabem desenvolver emoção e arte... mas não será esse o caminho? (
Moi ici: Por mim, passa seguramente por aí, pela criação de experiências... autênticas. A certificação, só por si, a padronização, as especificações, acabam com a variedade, com a diferenciação... e isso é um caminho para a comoditização)
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Que outras propostas de valor entregar e a quem? Estando o produto especificado só resta inovar no modelo de negócio? Qual o caminho menos percorrido, ou por percorrer? Conhece alguma referência, literatura, ou algum "bright spot" em produtos IGP?"
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Trata-se de um sector e de um mercado que não conheço.
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Mas deixe-me fazer uma breve reflexão. Do artigo "Toward an understanding of industry commoditization: Its nature and role in evolving marketing competition" de Martin Reimann, Oliver Schilke e Jacquelyn S. Thomas, publicado pelo Intern. J. of Research in Marketing (2009) retiro:
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"we derive four distinctive aspects of commoditization
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3.1.1. Product homogeneity
As a characteristic of commoditized industries, high product homogeneity means that products are perceived in the market as being interchangeable (Moi ici: Se a certificação não admitir variedade, e se essa variedade não for reconhecida... é tudo igual, ou visto como tal)
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3.1.2. Price sensitivity
High price sensitivity in commoditized industries results from the fact that buyers are looking for the best price for a standard product on the assumption that products with essentially equivalent quality and
features will continue to be available (Moi ici: Isto vai colocar a maior parte dos intervenientes a percorrer o caminho mais percorrido, uma "race-to-the-bottom" para reduzir os preços, aumentar o volume, aumentar a eficiência... está a imaginar a procissão)
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3.1.3. Switching cost
Finally, switching cost, which is a combination of buyers' economic risk, evaluation, learning, set-up, benefit loss, monetary loss, personal relationship loss, and brand relationship loss costs, is described as being low in commoditized markets." (Moi ici: Claro, se é tudo igual... )
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Percebo a sua posição, apoio-a. Por mim, se estivesse no negócio deixaria os que seguem o caminho mais percorrido à vontade, eles que sigam o seu caminho. Por mim, procuraria atacar a ideia da homogeneidade do produto, procuraria aumentar os custos da mudança e reduzir a sensibilidade ao preço.
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É possível criar um mecanismo que eduque o consumidor para um produto requintado? É possível criar um concurso local para aperfeiçoar receitas? O caminho adequado é, IMHO, apostar em tudo o que contribua para a diferenciação e para a notoriedade. Está a ver aqueles quadros que retratam animais premiados que eram o orgulho dos seus donos nas feiras de Inglaterra no século XIX? É disse que se precisa quando se quer combater a indiferenciação.
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Veja o exemplo dos
vinhos do Douro, enquanto uns estão cada vez melhor, apostando na marca, apostando na qualidade, os que apostam no granel estão cada vez pior.