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segunda-feira, agosto 09, 2010

Bottom-up vs Top-down

Consideremos um sector de actividade: o calçado, por exemplo.
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Já aqui expliquei que um sector de actividade não é um bloco homogéneo, por isso, olhemos para esse sector de actividade não como uma figura geomética sólida, massiça, com ângulos rectos e vértices a limitá-la, mas como uma prado na Primavera cheio de vida, um ecossistema pleno de biodiversidade, pleno de diferença.
Nesse ecossistema, em função do acesso aos nutrientes fundamentais, em função da exposição à luz solar, em função da exposição aos ventos, em função da proximidade com a água, encontramos diferentes espécies de plantas competindo por um lugar ao sol.
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Voltemos ao sector do calçado e procuremos vê-lo como um prado na Primavera, com empresas que se relacionam entre si e se complementam. Concentremo-nos especificamente nas empresas que fabricam sapatos (para facilitar a explanação do nosso argumento, esqueçamos as empresas que fabricam os acessórios, que vendem as peles, que produzem as solas, que …).
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Podemos encontrar empresas verticais, ou seja, empresas que têm capacidade produtiva em todas as fases do ciclo de fabrico de um par de sapatos, podemos encontrar empresas que são subcontratadas para realizar uma ou todas as operações de fabrico, podemos encontrar empresas que trabalham para as já quase inexistentes sapatarias independentes no mercado nacional, podemos encontrar empresas que trabalham para grandes ou pequenas marcas, podemos encontrar empresas que trabalham para a sua própria marca, podemos encontrar empresas que trabalham para clientes japoneses que pagam 2000 euros por um par de sapatos e podemos encontrar empresas que trabalham para quem vende sapatos ao consumidor na casa dos 20 ou 30 euros (há tempos, em São João da Madeira, vi uma montra com vários sapatos de senhora a 3 euros).
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Consideremos agora o valor acrescentado por cada uma dessas empresas… claro que vamos encontrar uma distribuição de valores acrescentados, cada tipo de empresa, em função das suas opções e posicionamento como abordamos aqui.
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A figura que se segue procura representar visualmente a variável valor acrescentado:
A título de exemplo, consideremos uma distribuição do valor acrescentado gerado por 7 empresas distintas com diferentes estratégias, diferentes ambições, diferentes opções:
A empresa A é a empresa que gera mais valor acrescentado, apesar de ter o nível de custos mais elevado. Já a empresa B tem um desempenho positivo mas inferior ao da A e da C. A empresa C consegue vender os seus sapatos ao mesmo valor que a empresa B, no entanto, tem menores custos.
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A empresa G é a rainha dos custos, consegue ter os custos mais baixos, no entanto, o valor acrescentado é também o mais baixo.
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Para efeitos deste exemplo até podemos considerar que todas as empresas em causa geram lucro.
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Quando falamos de calçado temos de separar as empresas que fabricam, apenas, das empresas que fabricam e controlam a cadeia até ao ponto de venda, ou das empresas que já nem fabricam e só têm controlo sobre os modelos, ou seja a concepção, ou das empresas que controlam a concepção e os pontos de venda… basta recordar a figura de Larreche e os números da Geox para perceber do tipo de disparidades que podemos encontrar dentro do sector. Também se podem apreciar os preços da Fly London, por exemplo, aqui.

Agora, imaginem estas empresas a operar em Portugal… como historicamente o sector, como todos os outros, era uma realidade homogénea, e como esse modelo mental ainda domina o mainestream, apesar de já estar morto e enterrado, estas diferentes empresas estão sujeitas às mesmas leis, operam no mesmo mercado de trabalho.
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Não se podem fazer… não se devem fazer leis à medida, para casos particulares, assim, fazem-se leis para uma realidade equilibrada e uniforme que não existe (estão a ver porque é importante seleccionar os clientes-alvo? São pessoas concretas, não fantasmas estatísticos), por isso, e não me interpretem mal, por vezes tenho saudades do medo do comunismo
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Leis e abordagens top-down nunca serão eficazes numa economia plena de biodiversidade bottom-up, cada empresa é um caso, e não é uma questão de honestidade, é uma questão de atender à história e personalidade de cada empresa… e a algo mais que a consciência de cada um dita… daí a pressão reactiva ao medo do comunismo, ou a pressão proactiva decorrente do personalismo.
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Claro que quando o Estado tudo quer fazer a tentação é grande para desistir e, esperar que obrigue alguém a fazer, por modos ínvios, o que a sua consciência em condições normais talvez lhe ditasse. Eu, por mim, confesso que já respondi a pedidos de esmola, sem graçola e sem sarcasmo com: "Pede ao Guterres!"
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Tudo isto por causa deste inteligente texto, como é habitual, de Camilo Lourenço no JdN “Falta mão-de-obra ou falta gestão?
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Será que o presidente da APICCAPS não podia pedir um estudo sobre as empresas do sector com melhores desempenho a nível do absentismo, para perceber o que fazem de diferente.
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Lista de artigos sobre o tema do absentismo no sector do calçado:
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ADENDA: "Why is the Journal Mystified that Some Employers Are Having Trouble Finding Workers?"

domingo, agosto 01, 2010

Mudança de paradigma e outras coisas

Não gosto de títulos deste tipo "Os sapatos vão ficar 10% mais caros":
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"O preço do calçado deverá aumentar 10% já no próximo ano, devido à subida brutal do custo das matérias-primas, em alguns casos superior a 30%, prevê a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado (Apicapps)."
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Não gosto porque estes aumentos anunciados de forma global e homogénea são válidos para uma realidade que não existe, a realidade não é homogénea.
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Será que todas as empresas têm a mesma estrutura de custos? Será que todas empresas têm as mesmas margens de negócio? Será que todas as empresas têm o mesmo poder negocial?
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Por exemplo, a marca Fly London do presidente da APICAPPS não faz o mesmo que a Geox?
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Aprecio no artigo é esta linguagem:
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"Ainda assim, o maior empresário português de calçado está convicto de que a conjuntura actual traz oportunidades ao sector. "Ouvimos vários importadores lamentarem as dificuldades que têm em fabricar na China; as empresas próximas do centro da Europa terão aqui a sua grande oportunidade", defende. O sucesso passa por "não colocar todos os ovos na produção", porque "o desenvolvimento do produto, a área comercial e do marketing e o serviço são cada vez mais determinantes para o êxito de uma empresa"."
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Reconhecer esta realidade de que a produção não é tudo, e é cada vez mais menos importante, é um sinónimo de mudança de paradigma tão, tão difícil!

segunda-feira, junho 22, 2009

They don’t get it

He doesn’t get it!
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Comprei recentemente o livro “Perceber a Crise para Encontrar o Caminho” de Vítor Bento. Comecei a leitura pelo capítulo 10 “Promoção da Produtividade”.
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O capítulo termina com: “Aliviar os “custos de contexto” e valorizar o capital humano devem pois, ser assumidos como objectivos fundamentais da acção política de médio prazo. Só assim se promoverá a produtividade e se conseguirá atrair investimento produtivo que sustente a melhoria continuada no nível de vida e a sua convergência para os melhores padrões europeus.”
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No capítulo o autor refere o já clássico artigo da McKinsey sobre as barreiras à produtividade em Portugal, de onde enumera os custos de contexto. Também volta à velha comparação da produtividade entre os portugueses que trabalham em Portugal e os mesmos portugueses que trabalham no Luxemburgo, para concluir que a diferença reside em:
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“Por conseguinte, uma das diferenças fundamentais neste exemplo é que, em Portugal, os trabalhadores trabalham enquadrados pelas regras comportamentais e pela cultura portuguesas e, no Luxemburgo, trabalham enquadrados pelas regras comportamentais e pela cultura desse país. Depois, haveria ainda que associar os contextos de funcionamento das empresas, num país e no outro. Portanto, e se fizéssemos uma investigação mais pormenorizada, acabaríamos por verificar que uma grande parte da diferença de produtividades seria justificada pelos “custos de contexto”.
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Peço desculpa mas: TRETA!!!
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Alguma vez Vítor Bento desceu das nuvens da teoria e agarrou um caso concreto e fez as contas?
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Se o que Vítor Bento escreve e pensa é verdade, então, por que é que as fábricas têxteis alemãs e francesas deslocalizaram-se para Portugal nos anos sessenta e setenta? Porque é que as regras comportamentais e a cultura prussiana não foram suficientes?
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Acredita Vítor Bento que os tais “custos de contexto” só por si poderiam justificar os tais cerca de 40% de diferencial de produtividade entre um trabalhador português e um trabalhador-tipo da OCDE?
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Diferente roupagem mas a conversa acaba sempre por ser a mesma, a conversa do Forum para a Competitividade e do seu presidente Ferraz da Costa que só consegue falar de aumento da produtividade através da redução dos custos, como os salários, por exemplo.
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Nem uma linha é dedicada, no capítulo, à promoção da produtividade através da aposta no numerador da equação da produtividade!!!
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Nem uma linha é dedicada, no capítulo, à promoção da produtividade através da aposta na subida na cadeia de valor!!!
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Nem uma linha é dedicada, no capítulo, à promoção da produtividade através das escolhas dos gestores sobre o que produzir, sobre ser diferente, sobre fugir da commoditização.
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Como explicar o aumento da produtividade do sector do calçado em Portugal?

Talvez a figura de JC Larreche explicite bem a situação:Alguém com conhecimentos no sector deu-me os seguintes números:


Um par de sapatos da marca Geox sai de uma fábrica no Brasil a custar 10€ (fase da extracção de valor).

O mesmo par de sapatos é vendido pela marca às lojas a 30€ (fase da captura de valor).

O mesmo par de sapatos é vendido ao consumidor na loja a 90€ (fase da originação de valor).

A subida da produtividade do calçado português deve-se em grande medida ao aparecimento de muitas empresas que evoluíram da fase da extracção para a fase da captura de valor (embora os trabalhadores pouco ganhem com isso, pois continuam a ganhar em média o mesmo que o trabalhador da empresa subcontratada que vegeta na fase da extracção de valor. E se um governo impuser um aumento de salários vai matar todas essas empresas subcontratadas que pagam mal porque também ganham pouco (ver gráfico de Frasquilho)).
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Quando alguém quiser falar a sério sobre o aumento da produtividade em Portugal, deve começar, antes de falar em custos (o famoso denominador), a falar nas opções da gestão, dos empresários, sobre o que produzir e para que clientes-alvo. Tudo o resto embora seja verdade, embora faça sentido são peanuts.

terça-feira, março 24, 2009

Os empresários têm de usar o coração.

Muitas vezes, neste blogue, chamamos a atenção para a superioridade da micro-economia sobre a macro-economia.
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A macro-economia vive distante da realidade, faz uso de modelos simplificados da realidade, modelos lineares que não admitem a riqueza da actividade da ingenuidade (à inglesa) humana.
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Um paradigma desta filosofia e mentalidade é dado sempre que a União Europeia é chamada a intervir num sector económico. Por que distante da realidade, trata tudo por igual, só consegue abordagens à Lanchester daí que a solução mais comum seja o abate, a eliminação de concorrentes na secretaria.
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Quando falo de superioridade da micro-economia (afinal, Só a micro-economia é que nos vai dando boas notícias ) alicerço a minha opinião naquilo que não pode ser previsto pelos modelos de burocratas, na paixão, no amor, na intimidade entre fornecedores-clientes e produtos (aqui, aqui e aqui).
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Por isso, foi com especial carinho que encontrei uma entrevista da Mario Moretti Polegato, presidente da Geox, ao semanário Expresso. De retirei alguns trechos que ilustram o meu sentimento sobre a micro-economia:
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"Expresso - Há uma receita para o sucesso?
Polegato - Ter fome de mudar, ser inovador e surpreender o cliente, ser global, ser pertubador e simultaneamente genuíno.
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O problema é que alguns empresários perderam o foco nas suas empresas e preferiram investir nas finanças. Mas ser empresário e ser financeiro são coisas muito diferentes.
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Expresso - O que os separa?
Polegato - O empresário é criativo, é líder, tem de ter entusiasmo e contagiar a sua equipa. O banco é um fornecedor de dinheiro. Os empresários têm de usar o coração. Os bancos só vêem taxas. São mentalidades diferentes. Precisam de ser independentes."