A página 38 do Público de hoje é tão estranha...
Grande parte da página é ocupada com uma entrevista dada por Paulo Nunes de Almeida, o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal:
"
Salário mínimo nos 500 euros pode gerar mais desemprego"
No texto, assinado por Natália Faria, duas mensagens principais:
"
O responsável associativo do sector têxtil quer alteração do regime de horários e de pagamentos para facilitar a vida das empresas." e
"
O desemprego vai aumentar, caso o Governo insista em aumentar o salário mínimo nacional até aos 500 euros em 2011 sem avançar com contrapartidas para as empresas."
Todo o discurso é baseado na defesa das empresas que apostam na proposta de valor preço, preço, preço.
Depois, a jornalista, na caixa colocada no canto inferior direito coloca a questão "
Que caminhos aponta o plano estratégico para o sector têxtil a apresentar em Dezembro?"
E a resposta não bate certo com o corpo principal da entrevista, senão vejamos:
"Pensamos que o sector se vai desenrolar segundo
três grandes eixos. No primeiro, estarão
as empresas que continuarão a trabalhar para marcas de terceiros, já não numa óptica de mera contratação de mão-de-obra, mas de prestação de serviços, com grande proximidade aos clientes, produtos de alta gama, pequenas séries, serviço rápido e valor acrescentado. Portugal vai continuar a ser um país de private label e acho que temos que nos deixar de complexos quanto isso, pelo contrário, devemos orgulhar-nos de estarmos a produzir num segmento topo de gama. "
As empresas que apostam no trabalho para terceiros, segundo as palavras de Paulo Nunes de Almeida, já não o vão fazer por causa do preço-baixo, mas por causa do serviço, da relação, da intimidade com os clientes, daí ele falar em "
prestação de serviços, com grande proximidade aos clientes, produtos de alta gama, pequenas séries, serviço rápido e valor acrescentado"... então qual o sentido do discurso de todo o resto da entrevista? Se estamos a falar de serviço rápido e valor acrescentado, então, a proposta de valor é a intimidade com o cliente não o preço. Se não é o preço, para quê perder tempo com o rosário de temas da entrevista principal?
Não faz sentido!!!
Maldosamente apetece perguntar, e como é que empresas que não conseguem fazer o planeamento financeiro, e querem passar para contas com 12 meses e não com 14 meses, conseguem lidar com a complexidade desta proposta de valor (intimidade com o cliente)?
"E quanto aos restantes eixos?
Prevê-se um crescimento em
duas áreas - que hoje têm pouco peso, na casa dos 15 a 20 por cento - que são as
marcas próprias e os
têxteis técnicos ou funcionais. Aqui Portugal tem algumas vantagens, porque está, como poucos, em condições de desenvolver um produto desde a concepção ao fabrico e à distribuição. "
Estas duas áreas estão relacionadas com a proposta de valor associada à inovação. Mais uma vez não estamos a falar de preço. Então para quê tanto investimento na defesa do ontem, do passado?
Ou estes três eixos são treta, ou não se está seguro de que esta é a aposta certa, e quer-se ficar com uma perninha no passado!
Na Idade Média alguns exércitos colocavam na sua rectaguarda, as mulheres e os filhos dos seus combatentes, para que estes dessem o seu melhor, para que estes se comportassem como se não houvesse alternativa à vitória, como se não houvesse plano B. Como se demonstra
facilmente, não é possível ter sucesso querendo ser uma coisa, e o seu contrário, ao mesmo tempo, quando se decide, tem de se mergulhar de vez e em profundidade nas consequências.
Agora que estamos a aproximar-nos do Natal, recomendo como prenda útil, para o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, a leitura do livro "Confronting Reality - Doing What Matters to Get Things Right" de Larry Bossidy & Ram Charan.
"Whether change is abrupt or gradual, at some point it makes old beliefs and behaviors obsolete. Ignoring that reality, as so many leaders do, is devastating."
Já agora, outra das minhas discordâncias preferidas, face ao mainstream, será que o trabalhador têxtil que trabalha na linha de confecção de uma têxtil que aposta no preço e que tem a 4ª classe, não consegue ser útil e muito produtivo se for colocado a fazer o mesmo mas numa empresa que aposta num dos três eixos? O problema não são os trabalhadores, o problema é a sobrevivência das empresas pouco produtivas.