terça-feira, abril 29, 2014

O problema é a procura, não a oferta

Análise interessante de Caldeira Cabral em "As dificuldades de estar à frente da curva", por exemplo:
"Significa que o país tem um PIB per capita superior ao que seria de esperar para as qualificações, capital e recursos naturais que tem.   Isto conduz-nos a uma resposta algo surpreendente e até provocatória: aparentemente Portugal é melhor do que a média da OCDE a tirar valor dos factores que tem."
Este trecho:
"O facto de Portugal estar dentro da UE, enquanto a maioria dos países com qualificações semelhantes estarem fora, foi um factor que favoreceu o nosso país. Portugal, apesar de ter salários mais elevados do que muitos países com níveis de qualificação semelhante ao seu, continuava a ser um país de baixos salários no mercado onde estava. Portugal era o país de salários baixos de um clube de ricos."
Está em perfeita sintonia com o que escrevemos, por exemplo em "Reflexão sobre a competitividade, com ou sem euro":
"Como já referi aqui no blogue várias vezes, com a adesão à então CEE, acabam as barreiras alfandegárias que protegiam o ecossistema da economia portuguesa e, ... é uma mortandade sobretudo nas empresas que competiam pela nata do mercado interno. As empresas de produção de bens transaccionáveis de baixo valor acrescentado potencial minimamente bem geridas não tiveram grandes problemas. Competiam pelos preços mais baixos em sectores onde as empresas dos países da CEE não queriam ou podiam competir. Aliás, até se reforçou o movimento de investimento directo estrangeiro para levantar empresas nesses sectores de competição pelo preço mais baixo." 
Ou em "Portugal aproveitou bem os fundos comunitários?":
"Muito do dinheiro que foi investido na indústria, aquando da adesão de Portugal à então CEE, podia estar justificado por estudos sérios e muito completos; contudo, com a entrada da China nos circuitos económicos e com a adesão dos países da Europa de Leste à União Europeia, o cenário mudou. Aquilo que era uma vantagem competitiva portuguesa, os custos baixos, desapareceu quase de um dia para o outro.
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Assim, todo esse dinheiro investido em projectos baseados nos baixos custos acabou por falhar. Basta ver o que o dinheiro privado das multinacionais do calçado fez, entrou em Portugal porque fazia sentido económico e foi-se embora, quase todo ao mesmo tempo, quando passou a fazer sentido ir embora."
Porém, começo a discordar quando apresenta a ameaça da globalização como uma coisa que ainda está por vir:
"No entanto, isso mudou. E mudou radicalmente. O clube deixou entrar 13 novos membros, com melhores qualificações e salários inferiores aos portugueses, e abriu as portas à globalização. Hoje, a China, a Turquia ou o Bangladesh exportam praticamente sem barreiras os seus têxteis, vestuário e calçado para o que, nos anos 90, era o nosso mercado cativo. Concorrem com salários muito mais baixos e não tendo de cumprir as muitas das dispendiosas regras europeias.     A geografia alterou-se. O nosso privilégio de acesso desapareceu. Os produtos que exportamos têm entrada livre, venham de onde vierem. Sem essa vantagem haverá maior pressão para convergir com a recta."[Moi ici: "haverá"? Então não houve uma década silenciosa de destruição provocada pela China? Caldeira Cabral, faço-lhe justiça, não é um ignorante lesboeta, como o relatado em "O provincianismo nortenho", o que quererá dizer com o "haverá"?]
Caro Caldeira Cabral, a globalização já veio e já passamos o seu pico, já está em regressão, não por causa dos preços baixos mas, sobretudo, por causa da proximidade, da flexibilidade e rapidez de resposta, das pequenas séries, da diversidade e da customização.
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Discordo quase totalmente da conclusão:
"Outra alternativa, mais difícil, mas mais interessante, é tentar aproximar-nos da recta andando para cima. [Moi ici: É a velha questão do ovo e da galinha. Os países ficam mais ricos porque têm mais licenciados ou, porque ficam mais ricos podem ter mais licenciados?] Isto, em grande medida, significa retomar políticas que o actual Governo interrompeu. Isto é, retomar os esforços de melhoria das qualificações, apostando não só no acesso dos jovens ao ensino superior, mas também na requalificação dos trabalhadores mais velhos. [Moi ici: Aqui volto ao "The Predator State" de Galbraith, pessoa que não pode ser acusada de ser de direita e que registei em "Ainda acerca da formação profissional". O problema não está na oferta de mão-de-obra qualificada, recordar que uma costureira se for licenciada, não produz mais por isso. O problema está na procura de mão-de-obra qualificada. Penso antes desta forma, que condições devem ser proporcionadas para que surjam livremente, e por sua iniciativa e risco, ou seja, nada de Qimondas de aviário, actores que procurem mão-de-obra mais qualificada?] E voltar a apostar na ciência, inovação e tecnologia, e em reforçar a confiança nas nossas instituições."
Recordo este caso particular relatado pela Renascença:
"Conclui-se também que nem sempre mais habilitações significam mais vencimento. Por exemplo a diferença entre um contabilista ou revisor oficial de contas com, pelo menos três anos de experiência e habilitações mínimas de Mestrado, e um canalizador, com o quarto ano do primeiro ciclo e um mês de experiência profissional, são 100 euros, a favor do canalizador." 
Recordo também, do último relatório mensal do IEFP:
"Segundo a escolaridade, a redução anual do desemprego foi sentida em todos os níveis de instrução, à exceção do superior (+1,0%). O 2º ciclo do ensino básico, por sua vez, registou o decréscimo mais significativo (-8,6%)."

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