domingo, novembro 16, 2025

A estagnação como consequência




Há anos que penso que as sociedades democráticas não estão preparadas para longos períodos de paz.

As guerras, ao colocarem em causa a existência do estado, abrem a porta a resets. Não havendo guerras, os sistemas de cada país vão acumulando metásteses porque ninguém tem coragem de fazer frente às corporações do bem.  

Na revista The Economist desta semana vem um artigo interessante, "Recessions have become ultra-rare. That is storing up trouble", um pouco na linha do que Nassim Taleb escreveu sobre qual o país com o sistema político mais estável, a Síria ou o Líbano. 

A Síria parecia estável porque nada mudava — até ao dia em que tudo ruiu de forma catastrófica. O Líbano, cheio de atritos, choques e negociações constantes, mantinha a resiliência precisamente por viver num estado de ajustamento permanente.

O artigo aponta para o mesmo fenómeno nas economias avançadas: ao evitarem recessões a qualquer custo, criam uma ilusão de estabilidade que impede a renovação natural, a destruição criativa e a realocação de recursos. Cresce-se, sim, mas cresce-se com músculo fraco. Taleb diria que é a diferença entre sistemas frágeis, que parecem fortes até ao momento da ruptura, e sistemas antifrágeis, que se fortalecem com pequenos choques. E talvez esteja na altura de perceber que evitar todos os sobressaltos não é sinónimo de estabilidade — é apenas adiar o momento do colapso.

O artigo argumenta que, apesar dos choques recentes — pandemias, guerras, taxas de juro elevadas e crises bancárias - as economias desenvolvidas têm evitado recessões há mais de 15 anos. Esta ausência prolongada de ciclos recessivos parece, à primeira vista, positiva, pois evita sofrimento humano e destruição de emprego. Contudo, o texto alerta para um efeito secundário: quando uma economia passa demasiado tempo sem a "limpeza" natural provocada por recessões, começa a acumular fragilidades — empresas ineficientes sobrevivem, a produtividade estagna e o capital não é realocado para usos mais produtivos.

O artigo revisita a noção de "destruição criativa" de Schumpeter, mostrando que recessões podem acelerar a inovação, permitir que negócios ineficientes desapareçam e gerar novas empresas mais fortes. Contudo, nem todas as recessões têm este efeito - algumas, como a japonesa dos anos 1990 ou a crise de 2007-09, acabaram por perpetuar ineficiências. Paralelamente, os governos modernos adoptaram uma política de "bail-outs para todos", intervindo rapidamente em qualquer início de crise, o que impede a reestruturação natural da economia. O resultado é a acumulação de riscos: financeiros, fiscais e de má alocação de recursos.

Phil Mullan, no seu Creative Destruction, já tinha alertado para esta tendência: governantes e bancos centrais passaram a proteger a economia de qualquer dor de curto prazo — e, ao fazê-lo, criaram uma economia cada vez mais dependente de estímulos, crédito barato e resgates permanentes. O que deveria ser um mecanismo natural de renovação empresarial foi neutralizado. A consequência, diz Mullan, não é apenas a sobrevivência de empresas zombi, mas um ciclo de crescimento anémico, baixos ganhos de produtividade e uma economia que perde vitalidade ano após ano.

Sem períodos de correcção, o sistema engorda, mas não fortalece. Gera volume, mas não gera músculo. E é precisamente aí que reside o grande desafio para as economias europeias — Portugal incluído. Se continuarmos a anestesiar cada turbulência com mais Estado, mais apoios e mais crédito, acabaremos com um modelo que cresce na aparência, mas não se regenera na substância. Mullan diria que o preço da estabilidade permanente é a estagnação permanente. E talvez esteja na altura de aceitarmos que algum desconforto, quando bem enquadrado, é o que mantém uma economia viva, capaz e preparada para o futuro.

1 comentário:

Avó Pirueta disse...

Basta ver a turbulência criada só com as sementes da Nova Política Laborar. Deixem-se estar a dormir e verão o trambolhão que lhes está por debaixo dos pés. Portugal é um país em que os trabalhadores "embirram" com os lucros do patronato. E muito patronato não sabe usar os dividendos. É um estigma que vai custar a limpar, se é que alguma vez o será...