domingo, agosto 26, 2012

Aumentar preços (parte II)



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Pelos vistos, Rui Ramos escreveu no Expresso um texto que pode servir de introdução a esta segunda parte:
"Não é, portanto, pela limitação do que precisamos, nem pela abdicação do que queremos, que podemos ultrapassar esta crise. É encontrando maneiras de satisfazer as nossas necessidades e as nossas aspirações de um modo efectivo e sustentado, sem ilusões nem desequilíbrios. Como? Eis a questão."
Este trecho fez-me recordar o tempo em que o grande objectivo dos governos era a convergência do nível de vida em Portugal para o nível de vida médio da União Europeia (não cabe nesta série o desenvolvimento de um tema - Lisboa e Madeira já têm um nível de vida superior à média da União Europeia, como é que isso é possível?).
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Depois, quando as coisas começaram a apertar, os políticos começaram a associar aumentos de salários a aumentos de produtividade, aquilo a que chamo o jogo do gato e do rato: se a produtividade sobe, então, podem-se aumentar os salários. Mas se os salários sobem, aumentam os custos, logo baixa a produtividade... bem talvez se tenha de esperar mais um tempo, antes de aumentar salários, se não perdemos o ganho de produtividade - nunca esquecerei as palavras de Vieira da Silva na Autoeuropa.
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De há uns anos para cá está em cima da mesa a redução de salários para "aumentar a competitividade" das empresas portuguesas. A ideia é: é preciso baixar salários para sermos mais competitivos e ganharmos quota de mercado. Esta mensagem é reforçada quando, periodicamente, aparecem os números da evolução dos Custos Unitários do Trabalho (CUT).
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A mensagem é a seguinte:

  • reparem na evolução dos CUT, se os CUT são elevados nós não somos competitivos;
  • reparem como a Alemanha tem uns CUT mais baixos do que o nosso;
  • temos de baixar os CUT!!!
  • até a classe jornalística é levada neste racional, basta ler os títulos que escrevem.
Sistematicamente, da esquerda à direita, para aumentar a competitividade há que reduzir os CUT e, para eles só há uma forma de reduzir os CUT, baixando os salários.
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Comparemos então: CUT, salários e PIB.
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Como base, olhemos para a evolução dos CUT:
Um momento, uma pergunta só para reflexão - quantas empresas portuguesas competem de igual para igual com empresas alemãs? Será que a empresa típica portuguesa compete com a empresa típica alemã? Houve um tempo em que isso aconteceu e as empresas alemãs perderam,  quando o têxtil saiu da Alemanha e veio para Portugal. No meu primeiro emprego, competíamos taco a taco com uma empresa alemã e ganhávamos, o couro artificial dos Volvo era made in Portugal e a Benecke não tinha hipótese.
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Os políticos olham para a figura acima e, como não sabem ou não percebem que os CUT são um rácio, só conseguem perceber uma via para a redução dos CUT: a redução de salários.
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Comparemos então os salários praticados na União Europeia:
Ou com números:
A solução, dizem é baixar os salários portugueses, porque não são competitivos...
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Será mesmo por causa disso?
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Será que a empresa-tipo portuguesa compete com empresas destes países? E costuma perder muitas vezes? Estou-me a lembrar da pequena carpintaria metálica de Valpaços que dá cartas no mercado francês.
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E quando as empresas portuguesas tentam competir no mercado de bens transaccionáveis com os países asiáticos?
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Basta recordar os números:

Há um último gráfico que ajuda a resolver o problema:

Esta é a minha descrição da realidade, este é o meu modelo:
  • Os portugueses que trabalham no sector de bens transaccionáveis em geral ganham pouco quando se comparam com o que ganham os habitantes dos outros países da Europa Ocidental;
  • No entanto, quando se analisa o peso dos salários no PIB, verifica-se que é em Portugal que a maior fatia do PIB serve para pagar salários;
  • Conclusão - não é o salário dos portugueses que é alto, o que é baixo, é a riqueza que os portugueses criam a trabalhar. Não é a correr mais depressa ou a trabalhar mais horas, é a produzir bens com maior valor acrescentado potencial. 
  • Bens com maior acrescentado potencial  podem ser vendidos a um preço mais elevado (PIB sobe, produtividade (PIB por hora trabalhada) sobe, lucro cresce muito mais do que quando se reduz custos (como recordaremos na parte III desta série), salários podem subir sem pôr em causa a produtividade e tendo um efeito amortecido nos CUT)
  • Os portugueses ganham muito quando se comparam com o que ganham os trabalhadores de países asiáticos;
  • Ou seja, enveredar por reduzir salários é desistir da subida da produtividade à custa do aumento do valor acrescentado potencial do que se produz, para tentar aumentar a produtividade reduzindo os custos - aí, estaremos sempre no campeonato dos países asiáticos e não teremos sorte... e Deus nos livre de ter sorte. Ganhar esse campeonato com base em salários baixos baixos é uma vitória de Pirro.
Assim, as empresas portuguesas em vez de competirem ou preocuparem-se com as asiáticas, deviam era estar a colocar na mira competitiva o mercado que pertence actualmente a empresas europeias, um mercado que paga mais, que aceita preços mais elevados desde que estejam associados a um maior valor acrescentado potencial. Tentar reduzir salários e subir na escala de valor acrescentado potencial é difícil que resulte.
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Pensar bem nas unidades do gráfico:
Continua



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