segunda-feira, agosto 23, 2010

Mixed feelings


Ontem o Jornal de Notícias publicou o artigo "Marcas deixam China e voltam a Portugal", um tema abordado recentemente nos comentários ao postal "Hipotéticos futuros".
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Porquê o título de "Mixed Feelings"?
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Por um lado é positivo o retorno.
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Retorno que acontece, segundo os empresários ouvidos, por causa da proximidade, por causa da rapidez, por causa da flexibilidade e, em menor extensão por causa da conformidade:
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"As grandes marcas internacionais estão a reforçar a produção de calçado em Portugal, em detrimento da China. Problemas de qualidade e de incumprimento dos prazos de entrega estão na base desta mudança que está a potenciar a produção para "private label".
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"Decisões de colecções a longo prazo com os riscos consequentes de erro em produtos moda, maior dificuldade de acesso ao crédito, despesas financeiras com a manutenção de stocks, problemas de qualidade e fiabilidade nas entregas nos prazos correctos", são para Américo Pinto, da Jefar - Indústria de Calçado, as razões que estão a trazer as grandes marcas de novo para o nosso país."
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A figura que se segue, adaptada deste postal "Futurizar para desenhar hipóteses e aproveitar as oportunidades"
lista (sublinhados e canto inferior esquerdo) os factores que estão a agir em favor das empresas portuguesas.
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Por que é que o artigo me deixa com mixed feelings?
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Qual o primeiro princípio de Deming?
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Formular uma estratégia não significa ficar prisioneiro dela, aliás esse é o perigo das palas para cavalos de que fala Mintzberg. Outro tipo de perigo é formular uma estratégia e não ter coragem de a levar até ao fim, ou seja, ser incapaz de fazer frente à "resistance" de que tanto escreve Seth Godin no livro "Linchpin" e ceder perante a tentação do mais fácil, do menos arriscado e, esquecer aquele ditado "Profit is sanity. Volume is vanity":
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"Nesta empresa, as marcas próprias Cohibas, Evereste, Fugato e Chibs são o principal motor das vendas, mas, explica André Fernandes, "estamos a ser muito solicitados tanto em linhas desportivas como de estilo por marcas europeias para a produção de pequenas séries".
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A empresa, que lançou recentemente a marca Y.E.S., tem visto as vendas para outras marcas aumentar, o que levou a Jóia a travar a expansão da marca para cumprir "os compromissos assumidos com o aumento da carteira de encomendas de private label", refere Luís Sá."
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Eu imagino como deve ser aditivo receber dinheiro quase a pronto, ou a pronto, em vez de esperar 6 a 9 meses pelo das marcas próprias ... mas e o futuro? E as margens?
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É que, como refiro no comentário, a maior parte das empresas não está à altura de Burt Lancaster como se pode ver pela progressão doas quantidades e da facturação. A maior parte das empresas estima os custos e acrescenta uma percentagem para fazer o seu preço, sem nunca equacionar o valor que podem trazer para a relação.
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Por que é que o artigo me deixa com mixed feelings?
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Stuck-in-the-middle!!!
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Aliás, um duplo stuck-in-the-middle.
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1º Servir dois patrões em simultâneo: a marca própria e o private label - Um cruel exemplo relatado aqui "Uma vítima do stuck-in-the-middle"
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Uso um caso que criei para as minhas acções de formação, para ilustrar o dilema que estas empresas vão sofrer:
A satisfação dos CE (Clientes de private label) vai levar a um progressivo desvio da capacidade produtiva para trabalhar com eles em detrimento das marcas próprias, já vi muitos casos desses. Uma vez começado este circuito ele é quase imparável por que aditivo e saboroso no curto-prazo.
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Chegamos a este emaranhado, atenção aos sublinhados:
E nele podemos identificar poderosos circuitos autocatalíticos:
Ou seja, a curto/médio prazo adeus subida na escala de valor!
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2º Tentar servir duas propostas de valor opostas na mesma instalação:
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"dar resposta "aos grossistas que querem grandes quantidades e a outros clientes de pequenas séries"."
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Hill, Skinner (aqui também) e tantos outros não estavam e não estão enganados, não se pode ser uma Arca de Noé.
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O mercado do meio termo onde empresas médias (não falo de dimensão física aqui) podiam competir está a desaparecer, há que escolher quem são os clientes-alvo e trabalhar só para eles.
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Mixed feelings... atraídos por receitas mais fáceis e mais rápidas, desistir da mudança estrutural em curso em direcção a níveis de valor acrescentado superiores...

4 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Jonh disse...

Bom dia Carlos,

Mais uma vez, um excelente post. Concordo com a sua análise. Na verdade, o artigo do Jornal de Notícias vem provar aquilo que alegávamos atrás, noutros posts.

No entanto, partilho e considero pertinente a sua análise. A continuidade de uma estratégia assente na subcontratação continuará a vergar as empresas e a focalizá-las no preço, esquecendo a reforma estrutural que deveria acontecer, ou seja, a aposta na diferenciação, na marca própria.

Depois de observadas as razões para a volta das empresas para Portugal, as empresas portuguesas já sabem quais são os factores críticos de suecesso, podendo, elas próprias, por sua iniciativa, apostar neles.

João

CCz disse...

http://economico.sapo.pt/noticias/grandes-marcas-de-calcado-procuram-mais-as-fabricas-portuguesas_97517.html

CCz disse...

http://economico.sapo.pt/noticias/exportacoes-de-calcado-caem-22-ate-maio_97516.html