sexta-feira, junho 17, 2011

É assim tão difícil perceber este fenómeno? (parte II)

Em comentário à parte I, o André escreveu:
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"Mas a descida da TSU é vista como um meio para conseguir esse objectivo, de criar incentivos para que o setor transacionável e de alto valor acrescentado se desenvolva. Agora é certo que a descida da TSU não basta (como pode não ser eficaz: http://psicolaranja.blogs.sapo.pt/969087.html#comentarios), mas infelizemente o mundo político nâo dispõe de muitas outras formas de incentivos."
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Caro André conhece a histório dos coelhos na Austrália?
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Os ingleses introduziram o coelho na Austrália.
Como não tinham predadores, cresceram exponencialmente.

Então, os ingleses resolveram introduzir o inimigo natural do coelho... a raposa, para que elas caçassem coelhos.
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As raposas, que não são burras, assim que se viram naquele novo habitat descobriram muitas presas autóctones muito mais fáceis de capturar que os coelhos. Assim, as raposas só marginalmente caçaram coelhos.
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Sou sempre a favor da redução dos impostos, sempre! Mas não gosto de ser enganado na justificação:

  • Se me vendem a redução da TSU para tornar as empresas que exportam mais competitivas não engulo. Tirando o caso das commodities, associadas a grandes empresas, o preço não é o order-winner das nossas exportadoras. Só conheci o paradoxo de Kaldor na semana passada.
  • Se me venderem a redução da TSU para facilitar a vida às empresas que vivem do mercado interno concordo, o grosso do emprego está aqui e estas empresas vão viver tempos terríveis, o aumento futuro do desemprego virá sobretudo daqui, e tudo o que for feito para lhes aliviar o nó na corda que vai asfixiando o pescoço das empresas será bem vindo.
  • Se me venderem a redução da TSU para capitalizar as empresas concordo.
Agora uma coisa lhe garanto caro André, a redução da TSU não vai criar incentivos para que o sector transaccionável e de alto valor acrescentado se desenvolva. E não vai porque as empresas são geridas por pessoas e as pessoas não são máquinas maximizadoras de benefícios (ainda ontem o Carlos Novais escrevia acerca do eficientismo). As pessoas não procuram maximizar a satisfação como máquinas, ou como formigas, As pessoas, e por isso, as empresas, procuram a satisfação suficiente a tal "satisficing".
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Tenho idade suficiente para recordar o tempo em que o escudo desvalorizava todos os meses, se falar com empresários de empresas exportadoras sobre esse tempo... quase que lhes conseguimos ver a rolar pela face lágrimas de saudade desse tempo. Os clientes pagavam a pronto em moeda estrangeira e eles pagavam grande parte dos custos mais tarde em moeda nacional que valia cada vez menos. Quantas empresas aproveitaram para mudar de modelo de negócio e subir na escala de valor? Muito poucas.
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Para mim é ao contrário, se as empresas, sem mexerem uma palha, vêem o seu rendimento aumentar por intervenção externa, não vão ter estímulo para mudar. Infelizmente, a maioria não muda por causa de relatórios e da reflexão, a maioria muda porque é obrigada a mudar, a maioria só muda quando o status quo se torna insuportável.
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Ainda ontem de manhã numa empresa, a recolher informação para um diagnóstico, ao ouvir as pessoas, na minha mente desenhava-se este arquétipo tão comum: os recursos são escassos, por isso há a tendência para os aplicar naquilo que traz resultados imediatos e alivia a "dor", no entanto, isso põe em causa o investimento fundamental para o médio-longo prazo que só dará gratificação muito mais tarde. E o problema vai-se agravando... silenciosamente. Quando eclode é quase sempre fatal.
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E porque é que o mundo político há-de dar incentivos?
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Lembra-se do bem intencionado: Espanha! Espanha! Espanha!
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Será que o mundo político sabe o que é que merece ser incentivado? Prefiro a tese de Hamel e Valikangas, diversidade é o melhor seguro contra o inesperado.
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Se a sociedade for suficientemente livre economicamente, quem não se auto-incentivar será substituído por novos players.

7 comentários:

André disse...

Muito bem e obrigado pela resposta.

Mas (sempre há "mas" comigo :)) se é verdade que o mundo político tem sérias dificuldades para saber em quê apostar (como têm tendência a criar sérios problemas mesmo quando "advinhou" o que é "bom"), não podemos negar que a ação do Estado cria também incentivos errados, por isso há que corrigir, (ou melhor) destruir esses incentivos errados. Ou seja isso implica alguma ação pública para reverter essas situações más, ou que podem a prazo se tornarem más(atenção: não estou aí para insinuar que os impostos, subsídios ou outra pseudo-receita mágica vai resolver os problemas).
Estamos portanto a frente de um problema corneliano em que a não-ação, se preferível em geral, pode também significar que a minoria que aproveita continua de aproveitar ao detrimento da maioria. Portanto o que fazemos? Basta pôr ordem no Estado (porque sabemos quais são os que mais se aproveitam dele, e quem mais sofre por causa dele) para que as coisas se resolvem por fora?

CCz disse...

Caro André,

Não sei se percebi bem a pergunta, mas para mim, quanto menos o Estado intervir, menos ele pode beneficiar ou prejudicar os agentes. Assim, defendo a liberalização da economia.

André disse...

Nesse ponto eu não concordo consigo: eu sou adepto da libertação da economia (e da sociedade por juxtaposição), se me percebe melhor agora.

CCz disse...

http://oinsurgente.org/2011/06/18/errare-humanum-est/

André disse...

Pois é errar é humano e não é normal que os erros de um tragam consequências a outras. E isto vale tanto para o Estado, como para as empresas, os bancos, as famílias, os sindicatos...

CCz disse...

Como errar é humano, errar é inevitável.
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Se os erros são cometidos por um Estado omnipresente, então vão ser enormes e afectar a vida de muita gente.
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Se eu, pessoalmente, cometer um erro prejudico-me a mim e a quem estava a contar comigo.
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Se eu, no governo, cometer um erro... bué de gente vai ser afectada e numa dimensão e impacte bem superior.

André disse...

É verdade, mas não se esqueça que erros pessoais podem ter impato sobre muita gente. Olhe o que se passou com a BP por exemplo.