Ontem à noite encontrei um interessante desafio intelectual no blogue Portugal Contemporâneo. Primeiro este postal sobre a opinião do director do hotel Intercontinental em "
O Intercontinental tem um problema" onde se pode ler:
"Para o director do Intercontinental do Passeio das Cardosas, no Porto, "o luxo tem servido como uma barreira natural entre o cinco estrelas e os portuenses, mas o responsável está apostado em mudar esta realidade"; "os portuenses têm medo do luxo"...A estratégia para captar mais público já começou, sob a forma de um menu de almoço por dez euros (prato e bebida) - sic."
Depois, o mesmo blogue deu-se ao trabalho de fazer uma recolha dos preços praticados em hotéis de 5 estrelas na cidade do Porto em "
erro de marketing III", onde se pode ler:
"A Invicta tem 5 hotéis de 5 estrelas. Quem cá quiser vir passar um fim-de-semana e ficar bem hospedado tem as seguintes opções:
Tiara Park Atlantic - 89,00 € (noite do dia 14/7, na booking.com)
Ipanema Park - 63,00 €
Infante de Sagres – 127,00 €
Porto Palácio – 99,00 €
Intercontinental Passeio das Cardosas – 195,00 €
Sheraton Porto – 109,00 €"
IMHO, há algo aqui que não bate certo... uma imagem tem de ser coerente para ter o efeito pretendido. Faz algum sentido um hotel posicionar-se no topo do luxo e, depois, procurar democratizar esse mesmo luxo?
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Onde é que o hotel está localizado? Onde estão os potenciais clientes-alvo desse hotel para um almoço? Quem é que trabalha na Baixa? Como é o trânsito para lá chegar? Como é o estacionamento?
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Este caso do Intercontinental fez-me recordar o caso da Gucci. Comecemos por esta figura:
Figura retirada do clássico artigo de Michael Porter "What is Strategy?" pubicado pela HBR em 1996.
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A fronteira da produtividade é uma espécie de limite do equilíbrio entre a disponibilidade de um cliente para pagar e a capacidade de uma empresa para fornecer esse produto/serviço a um custo alto ou baixo. Uma empresa como a Ryanair vende um serviço básico a custo baixo. Uma empresa como o hotel Intercontinental pode dar-se ao luxo de ter custos altos só se os seus clientes estiverem disponíveis para pagar preços altos.
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Em 1975 a Gucci estava lá em cima, a par da Hermés:
Após a morte de Vasco Gucci em 1975 a empresa começou a desbaratar o seu nome com uma série de acções pouco pensadas, pouco edificantes para a marca e que acabaram por desvalorizá-la atirando-a para fora da fronteira:
A Gucci nunca mais conseguiu ficar a par da Hermés, o melhor que conseguiu foi uma revolução na segunda metade da década de 90 do século passado que a voltou a pôr num caminho sustentável. A opção da Gucci foi o luxo democratizado, com um preço cerca de 30% abaixo da Hermés. O mercado, os clientes já não estavam dispostos a pagar Gucci pelo preço Hermés:
Claro que para fazer esta transição a Gucci teve de mudar de cliente-avo, mais novo, mais moderno e deixar o antigo cliente-alvo anterior a 1975: endinheirado, conservador, mais velho, pouco atento a modas.
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Interessante também, abordar o problema do Intercontinental à luz da service-dominant logic e da ideia de que os clientes procuram e valorizam experiências... que experiências pode dar um almoço no Intercontinental? E quem as vai valorizar? E se os almoços do Intercontinental fossem invadidos por gente em busca de almoços a 10 euros, uma pechincha num hotel de luxo, que ambiente criariam e se criaria para os actuais clientes dos almoços do hotel?
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Hummmm! Eu pensaria duas vezes... será mesmo boa política querer democratizar o luxo-luxo? Será que têm bem identificado o cliente-alvo?