"O aparecimento da Internet - e, com ela, da pirataria - foi um 'rombo' para a Piranha, que hoje vive tanto da clientela fiel como das encomendas 'online'."Sustentável ainda é, senão não estaríamos aqui há 30 anos. Nós exploramos um nicho e temos a perfeita noção que é um nicho muito pequeno. Mas esse nicho muito pequeno, felizmente, ainda é muito fiel", conta, falando numa legião não "fanática no mau sentido", mas "fiel" e "que continua a gostar do que é físico, do que tem qualidade".Em termos de géneros, a Piranha foca-se sobretudo no espectro do 'post-punk', 'punk', e gótico até às "500 mil vertentes" do metal, e "mais recentemente aqueles subgéneros'darkwave', 'synthpop', essas coisas todas"."
sábado, dezembro 27, 2025
Nichos, relações e diferenciação
A propósito de "Loja de música Piranha resiste há 30 anos no Porto graças a um "nicho muito fiel"" há aqui uma lição mais ampla, válida muito para além da música.
Num mundo moldado pela internet e pelo streaming, a comoditização deixou de ser uma ameaça futura para se tornar o estado normal dos mercados. Quando o acesso é instantâneo, global e praticamente gratuito, o valor deixa de estar no produto em si e desloca-se para tudo o que o rodeia: contexto, curadoria, identidade, pertença. É aqui que a noção de nicho deixa de ser uma opção romântica e passa a ser uma condição de sobrevivência.
A internet fez duas coisas em simultâneo: ampliou brutalmente a oferta e esmagou a diferenciação baseada apenas no preço ou na escala. No caso da música, o streaming tornou quase irrelevante a posse do conteúdo. Quando "tudo está disponível", competir pelo mainstream significa entrar numa corrida para o fundo, onde vence quem tiver mais volume, mais capital e maior tolerância a margens mínimas. Para a esmagadora maioria das organizações — pequenas, independentes ou simplesmente humanas — essa corrida é perdida à partida.
O nicho surge como a alternativa racional. Não porque seja pequeno, mas porque é delimitado por escolhas claras. Um nicho implica dizer não: não a todos os clientes, não a todas as tendências, não a todas as oportunidades aparentes. Em troca, permite dizer um sim muito mais forte a um grupo específico de pessoas que se reconhecem naquela proposta, naquele gosto, naquela linguagem e naquela visão do mundo. Esse "sim" é o que cria lealdade — e lealdade é o oposto da comoditização.
O caso da loja de música Piranha, no Porto, é particularmente elucidativo. Sobrevive há 30 anos num sector devastado primeiro pela pirataria e depois pelo streaming, precisamente porque nunca tentou ser tudo para todos. Assumiu desde cedo um posicionamento alternativo, focado em géneros específicos, formatos físicos e numa comunidade que valoriza a qualidade, o conhecimento e a identidade cultural. Como o próprio fundador reconhece, trata-se de "um nicho muito pequeno", mas também "muito fiel" — fiel ao ponto de sustentar a loja ao longo de três décadas, apesar de todas as disrupções tecnológicas.
Em mercados comoditizados, a sobrevivência não vem de fazer mais rápido ou mais barato, mas de fazer algo que não seja facilmente comparável. O nicho cria assimetria: torna a comparação difícil, desloca a conversa do preço para o significado, e transforma clientes em participantes. Não é um escudo contra a mudança — é uma forma de a atravessar com intenção.
No fundo, a internet e o streaming não mataram os pequenos; mataram os indiferenciados. Os que escolheram um nicho, aceitaram as suas limitações e cultivaram uma relação profunda com o seu público continuam a encontrar espaço. Pequeno, sim. Mas suficientemente sólido para resistir.
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