O buraco é global. E o vinho também.
Ontem o Financial Times trazia uma manchete que podia ter saído do Douro: “Tipping point — Bordeaux fine wine producers slash prices as wealthy collectors stay away”.
Produtores históricos de Bordéus, como Lafite Rothschild e Angélus, cortaram em mais de 30% os preços dos seus vinhos. A colheita de 2024 está a ser vendida a valores que não se viam há uma década. E o modelo en primeur, outrora símbolo da sofisticação e da antecipação, começa a ser posto em causa.
Os sinais são claros:
- O consumo global de vinho está a cair.
- As novas gerações bebem menos — e bebem diferente.
- Os investidores perderam o apetite.
- Há concorrência feroz a chegar de todas as direcções.
Lê-se Bordéus, mas podia ler-se Douro.
Há décadas que ouvimos que os produtores de uvas vivem tempos difíceis. Mas 2023, 2024 e agora 2025 acumulam alertas cada vez mais graves: a Casa do Douro pede um plano plurianual, fala de risco sistémico, de incerteza, de abandono. E as empresas compradoras hesitam, retraem-se, protegem-se. Ninguém se compromete com o futuro.
E se, de facto, o futuro não for um regresso ao que era?
É isso que o artigo do FT parece sugerir. Que talvez tenhamos mesmo entrado num novo clima — económico, cultural e simbólico. E nesse novo clima, as regras mudaram. O prestígio já não basta. A tradição já não segura a procura. E os modelos de negócio que funcionaram durante décadas mostram agora fissuras.
O paralelo entre Bordéus e o Douro é mais do que acidental: é um espelho. Mostra-nos que não estamos sozinhos, mas também não estamos imunes. E confirma que não basta esperar por melhores dias. É preciso repensar o que fazemos com o que temos.
Talvez este seja o momento certo para parar de reagir e começar a transformar.
O buraco é global. Mas a saída será sempre local.
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2 comentários:
Bom dia, Carlos
Além dos fatores que o Carlos aponta, muitos governos estão a apertar o cerco ao vinho, pelo que, em poucos anos, a procura deverá diminuir significativamente.
Sim. Na parte I incluí esta citação "The U.S. surgeon general said alcoholic beverages should carry cancer warnings to increase awareness that the drinks are a leading cause of preventable cancers."
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