sábado, janeiro 26, 2013

Aumentar o "producer surplus", o caminho menos percorrido (parte I)

A propósito do postal de Quinta-feira, "O truque alemão e não só", o amigo @Pauloperes fez o seguinte comentário:
"Então o país, a indústria na Alemanha, pensa como um um continuum em um modelo mais de vanguarda onde não passa o aumento das matérias-primas para o consumidor?"
Há um ditado em inglês que tenho ali ao lado na coluna das citações que diz o seguinte "If the customer doesn't care about the price, then the retailer shouldn't care about the cost". Então o cliente não pensa no preço? Claro que o cliente pensa no preço, mas o cliente também pensa no valor:
Uma coisa é o preço, aquilo que o cliente paga,
Outra coisa é o valor, aquilo que o cliente sente que leva consigo e experimenta durante o uso.
Não há nenhuma relação matemática entre preço e custo. Custo é o somatório do que foi gasto para produzir e entregar, é o passado. Custo também deve ter uma fatia para financiar o futuro, a investigação e desenvolvimento. Preço... é o máximo que o mercado me permitir praticar!
Como é que uma empresa pode aumentar o seu rendimento, o "producer surplus"?
O paradigma que domina as nossas escolas, políticos e maioria das associações empresariais reza assim:
"O preço é definido pelo mercado, nós não temos força para mexer no preço mas podemos mexer nos custos!
Assim, quase todo o mundo abraça o outsourcing e a deslocalização, os salários baixos, a automatização, o trabalhar mais depressa, o crescimento das unidades produtivas para aproveitarem o efeito da escala ... tudo para reduzir os custos e aumentar o "producer surplus"!
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Quando se é uma multinacional, quando se é uma empresa grande, há dinheiro para entrar neste filme. No entanto, quando se é uma empresa familiar, quando se é uma pequena ou média empresa (exemplo das Mittelstand alemãs), não só não se tem o dinheiro para entrar neste filme, como não se tem o interesse em entrar neste filme, os donos, quem manda na empresa é "gente da ferrugem", não gestores assépticos que só olham para folhas de excel. Assim, perante a competição internacional pelo preço, estas empresas adaptam-se e em vez de concentrarem os seus esforços e o futuro na redução dos custos, apostam a maioria das suas fichas no aumento do valor percepcionado pelo cliente!!!
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Ao fazê-lo, descobrem que nesse campeonato estão sozinhas, ou quase, e, por isso, têm o poder de impor o preço. Não se trata de não passar o aumento das matérias-primas para o consumidor, é outro campeonato com outras regras. Por isso é que o calçado português exporta cada vez mais, 2012 foi o melhor ano de sempre, aos preços mais altos de sempre. E agora, repare no efeito desta política nos lucros:
O aumento de 1% no preço tem um efeito muito mais forte do que a redução dos custos (atentar sobretudo no efeito raquítico de cortar no emprego e salários, nos custos fixos).
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E já agora, aproveite e veja o efeito nefasto para os lucros de entrar numa onda de fazer descontos.
"É uma quebra de paradigma na educação da administração americana."
Nem mais! E como eles influenciam todas as escolas de gestão do mundo, consegue imaginar os estragos que elas causam?!
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Repare na desgraça que está a acontecer à Boeing!!! Tudo por terem abraçado o outsourcing desmesuradamente:
"Boeing enthusiastically embraced outsourcing, both locally and internationally, as a way of lowering costs and accelerating development. The approach was intended to“reduce the 787′s development time from six to four years and development cost from $10 to $6 billion.”
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The end result was the opposite. The project is billions of dollars over budget and three years behind schedule."
Nunca esqueço a surpresa com que li este relatório, em 2006, onde se desfazia o mito da deslocalização.
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Repare na receita do autor do texto sobre a Boeing:
"The right goal: add value for customers"
 Ele usa, e eu também uso muitas vezes, uma linguagem desactualizada, os fabricantes não criam, não acrescentam valor... o valor só é criado e reconhecido, experimentado e avaliado pelo cliente (embora, sempre que fornecedor e cliente interajam se possa co-criar valor, uma vez mais, avaliado e experimentado pelo cliente).
"Mas foca n'o valor que o mercado reconhece' é trabalhar em cima de uma construção de imagem (ou valor) constante, aqui me arriscaria, a falar sobre branding e inovação juntos. Quando enxerga-se o consumidor valioso, não satisfeito completamente ou parcialmente, e a empresa oferece uma proposição de valor relevante permite-se oferecer valores maiores. Seria esta lógica?" 
Claro que associado a mais valor, está sempre associado o marketing, o branding e a inovação. Costumo dar este exemplo para as empresas com que trabalho:
 Por isso, muitas vezes vejo o meu trabalho como um desbravar do caminho para a gente do marketing. Quando se sobe na escala de valor o marketing é fundamental, não para empurrar mas para estar atento e criar oportunidades de co-produção, co-criação e alinhamento.
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Caro Paulo, sei que gosta muito de ler, permita-me um conselho, mergulhe nos livros de Hermann Simon, por exemplo:

Um bom exemplo desta subida na escala de valor é dado pelo sector do calçado em Portugal (pessoalmente acredito que o que impede muita indústria no Brasil de dar este salto é o proteccionismo. O proteccionismo tem esta coisa de proteger as empresas. Empresas protegidas em sectores muito competitivos não saem da sua estufa, são como aquelas aves que vivem em ilhas sem repteis e mamíferos e que, por isso, fazem os ninhos no chão) - "O choque chinês num país de moeda forte - parte II"
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Amanhã, tentarei relacionar os gráficos do calçado com a intervenção de Clayton Christensen em Davos, o ex-primeiro ministro português José Sócrates, o actual governo português, as estratégias híbridas e a via alemã.



3 comentários:

CCz disse...

"El conjunto de productos clasificados por el Icex en el epígrafe de moda, en el que se incluye textil, cuero, confección, calzado, complementos, bisutería, joyería, perfumería, cosmética y puericultura, alcanzaron en los once primeros meses del ejercicio exportaciones por 16.122 millones de euros"

E os salários em Espanha são ainda mais elevados do que em Portugal

http://www.modaes.es/entorno/20130125/la-moda-gana-peso-en-la-balanza-exportadora-de-espana-en-2012.html

Paulo Peres disse...

EXCELENTE CARLOS!
Já estou procurando os livros para comprar. Será uma fonte interessante (e tangível) e mensurável de justificativa na busca de valor. Muito obrigado novamente ao seu tempo dedicado.

CCz disse...

http://iterativepath.wordpress.com/2013/02/06/taking-on-the-small-guys-for-their-pricing/