terça-feira, março 11, 2025

Diversificação e entropia (parte IV)



Estratégia em todo o lado!

No Domingo, folheava o JN quando encontrei, "A crise chegou ao mercado dos festivais de verão". Comecei a ler o artigo e a perceber que todo ele é sobre estratégia, posicionamento, risco da diversificação e da comoditização.

O artigo ilustra a importância da definição estratégica num sector em mudança. Os festivais enfrentam o dilema entre expandir para captar mais público ou especializar-se para manter identidade e valor percebido.

Aqueles que tentam agradar a todos perdem diferenciação e entram em competição pelo preço. Já os que segmentam e reforçam a identidade conseguem fidelizar público e justificar preços mais altos. Em linha completa com o final da parte III.

"No clima de incerteza atual, quem apresentar um produto que se distinga da concorrência ganha vantagem.
...
Os festivais já perceberam que para continuarem a existir têm que segmentar, ou seja, só vai sobreviver quem tiver uma identidade forte."

Lendo a citação acima parece que o texto está cheio de pérolas sobre estratégia. Não! Infelizmente. 

O artigo começa por enumerar uma série de festivais que não se realizaram no ano passado, depois informa que o cachet dos artistas subiu bastante porque o mercado asiático, com mais poder de compra do que o americano e o europeu, entrou no mercado e paga mais para ter as bandas que contam. Eu acrescentaria, se calhar erradamente, que a demografia também não ajuda. Também alguns artistas preferem organizar os seus próprios espectáculos em vez de trabalharem para o dono de uma prateleira, o que rarefaz a disponibilidade de cabeças de cartaz que atraiam multidões.

Depois, claro, isto é Portugal, começa o choradinho:

"Muito crítico sobre a falta de apoio do Estado aos promotores privados no setor da cultura, Álvaro Covões, da Everything Is New, vê um problema de raiz em toda esta questão: "O país nunca mais cresce. O baixo poder de compra que temos dificulta o acesso a espetáculos".

...

"os preços dos bilhetes em Portugal estão muito abaixo da média europeia".

O final do artigo traz algo que pode ser preocupante:

"Com as mudanças em curso, o presidente da Aporfest considera que "no futuro será cada vez mais difícil vermos artistas de primeira linha" nos festivais. "É preciso que os promotores se readaptem aos novos desafios. Já estão a fazê-lo, aliás: basta ver o destaque maior dado a artistas portugueses ou até brasileiros", afiança" 

O maior destaque a artistas portugueses ou até brasileiros é significado de diversificação para baixar custos apenas? Se sim, traduzir-se-á em perda de identidade, perda de poder de marca.

A diversificação sem critério leva à diluição do valor do produto, o que se reflete nos festivais que tentam atingir todo o público e acabam sem identidade. (Ligação à Parte I).

Festivais sem identidade forte tornam-se commodities, indistinguíveis entre si, e entram numa guerra de preços insustentável. O artigo menciona uma opinião de que só sobreviverão aqueles com uma identidade forte, alinhando-se com a ideia de Seth Godin de que posicionar-se de forma clara no mercado é um serviço ao cliente. O risco de tornar-se genérico e perder diferenciação é real, o que já aconteceu com alguns festivais descontinuados. (Ligação à Parte II).

Em linha com a Parte III

A premiumisation dos festivais (oferecer experiências diferenciadas, além do cartaz de artistas) é uma estratégia semelhante à da Nestlé com os seus produtos premium. A polarização do mercado também está presente nos festivais: eventos muito baratos sobrevivem pelo volume, os premium pela exclusividade, mas os que estão no meio correm o risco de desaparecer.

Expandir demasiado (oferecendo tudo a todos) pode levar ao colapso do modelo de negócio.

4 comentários:

Joao Rocha disse...

Tal como os festivais, os partidos políticos em Portugal enfrentam um dilema estratégico: expandir para captar mais "público" (eleitores) ou especializar-se para manter uma identidade forte. Os que não definem um posicionamento claro tornam-se commodities, lutando numa guerra de "preços" (votos) insustentável. A polarização entre "baratos" (volume) e "premium" (exclusividade) também se aplica, com o meio-termo a ser o lugar mais perigoso. Em 2025, num clima de incerteza (económica, social, global), os partidos com identidade distinta — Chega, BE, IL — parecem ter vantagem, enquanto os generalistas (PS, PSD) precisam de inovar para não perder terreno. A lição é a mesma do artigo: só sobrevive quem se distingue.

CCz disse...

Tenho a impressão que o Livre vai ultrapassar o BE

Joao Rocha disse...

CCz, agora que vamos novamente a eleições lembrei-me da metáfora do cavalo morto, comentada aqui no blog e que se aplica perfeitamente à política em Portugal.
O grande dilema de Portugal não é apenas o cavalo morto, mas sim a falta de alternativas viáveis. Sempre que surge um "novo cavalo", rapidamente percebemos que ele sofre da mesma doença crónica: falta de visão estratégica, promessas ocas e uma incapacidade estrutural de fazer mudanças reais.
No fundo, o sistema está tão viciado que qualquer nova tentativa de renovação acaba por ser absorvida pelo pântano da mediocridade política. Podemos mudar o cavaleiro, dar um nome mais moderno ao partido, criar slogans mais apelativos, mas a essência mantém-se a mesma.
A situação assemelha-se a um hipódromo onde todos os cavalos inscritos na corrida já deviam estar reformados, mas continuam a alinhar na grelha de partida porque ninguém ousa apostar num puro-sangue novo. E sempre que aparece um cavalo jovem e cheio de energia, rapidamente é infectado pelo mesmo vírus de clientelismo, carreirismo e promessas irrealizáveis.
O que resta ao eleitor? Algumas opções:
Continuar a apostar no cavalo morto, fingindo que desta vez vai ser diferente.
Experimentar um dos "novos" cavalos, sabendo que ele rapidamente começará a coxear da mesma perna.
Recusar-se a correr a corrida, abstendo-se ou votando em branco, na esperança de que um dia o sistema entre em colapso e algo realmente novo surja.
Infelizmente, enquanto os estábulos políticos estiverem contaminados, os cavalos continuarão a ser os mesmos – velhos, doentes e incapazes de levar o país para um destino melhor. Talvez a solução passe não por encontrar um novo cavalo, mas sim mudar completamente a pista de corridas - mudar de País!

CCz disse...

João, convido-o a ler este postal de Outubro de 2021,

https://balancedscorecard.blogspot.com/2021/10/quando-o-povo-estiver-maduro-os-diques.html

Os políticos não aterram aqui de paraquedas, eles não são OVNIS, eles são uma emanação do povo. Enquanto o povo não estiver preparado para algo diferente, teremos mais do mesmo.

E a mama alemã está quase a acabar.

O cavalo pode estar morto mas só uma minoria o reconhece, há os ignorantes e aqueles que sabendo-o, querem sacar o máximo antes do colapso.

Podemos trocar de cavaleiro, podemos até pensar que estamos a escolher algo novo, mas no momento em que alguém chega ao poder, o Goa’uld socialista apodera-se dele, e as promessas de mudança tornam-se apenas uma versão requentada do mesmo sistema. A comunicação social, ora cúmplice, ora feroz, ajusta-se conforme a necessidade de manter as aparências. Já hoje senti na rádio Observador o efeito deste circo político, a quantidade de anúncios que transmitiram por volta das 8h30. O complexo mediático também tem interesse neste frenesim, minimiza-lhes os prejuízos.

A questão da mudança de pista é particularmente pertinente. No fundo, Portugal não precisa apenas de novos cavalos – precisa de um novo circuito, de um novo modelo de jogo. E quando se tem essa consciência, as decisões tornam-se óbvias. Recordo-me bem de quando a minha filha, no início do primeiro lockdown, me perguntou se devia regressar a Portugal ou ficar em Genebra. Respondi-lhe com uma simples pergunta: "Confias mais nos políticos portugueses ou nos políticos suíços?" Houve um silêncio breve e depois um sorriso. Era um no-brainer.

Não adianta desesperar. Há que ter paciência e esperar que o povo fique maduro, ou realmente mudar de pista.