terça-feira, fevereiro 11, 2025

Coragem para enfrentar a realidade

A ISO 9001 determina que as organizações sigam a abordagem por processos. Quantas empresas a seguem realmente? Quantas empresas apenas se limitam a desenhar um "boneco" com uns processos manhosos para meter no manual da qualidade, mostrar ao auditor e nunca mais o usar? 

A implementação de um modelo baseado na abordagem por processos é, em teoria, um caminho natural para a melhoria organizacional. No entanto, na prática, a esmagadora maioria das empresas e consultores enfrentam desafios que transformam essa potencial melhoria numa mera promessa por cumprir.

A experiência de um consultor na implementação da ISO 9001 pode assemelhar-se à parábola do semeador (Mt 13, 1-9):

  • Uma minoria das empresas - talvez menos de 10% - representa o solo fértil — gestores verdadeiramente comprometidos, vontade genuína de melhorar, métricas levadas a sério. Só aqui o trabalho do consultor faz verdadeira diferença.
  • A maioria das empresas apenas pretende o "papel" — o certificado — e isso é legítimo. Afinal, a ISO 9001 também é um requisito comercial. Mas sem uma cultura de melhoria, os processos permanecem no papel e as mudanças estruturais jamais se concretizam.
  • E depois também há os consultores que, por falta de conhecimento ou tempo, fazem apenas o mínimo indispensável, entregando um sistema concebido para passar auditorias, mas sem qualquer impacte real no desempenho de uma organização. 

Raramente um consultor ISO 9001 tem a sorte de encontrar uma empresa predisposta a melhorar a sério. 

A abordagem por processos é uma alavanca para a melhoria que, lamentavelmente, em 90% dos casos, não chega sequer a ser accionada. A vasta maioria das empresas desenha um mapa de processos e elabora fluxogramas porque pensa que a norma exige, e não porque pretende utilizá-los para optimizar as operações.

A melhoria não acontece só porque existe um modelo. Ela exige algo mais: análise rigorosa dos problemas, medição efectiva do desempenho e, acima de tudo, uma vontade de enfrentar os desafios identificados.

A ISO 9001 fala em medição e monitorização, mas que destino se dá a essa informação? KPIs são registados religiosamente, mas raramente alguém actua sobre os números.

  • O prazo médio de entrega aumentou? "A culpa é do mercado."
  • A taxa de devoluções disparou? "A culpa é dos clientes que estão mais exigentes."
  • Os custos operacionais subiram? "A culpa é da inflação."

O diagnóstico está feito, mas as desculpas servem de escudo. Identificam-se sintomas, mas raramente se atacam as causas. 

Raramente um consultor tem a sorte de encontrar uma empresa verdadeiramente predisposta a melhorar que pergunta: porquê? 

Porquê o desempenho actual? 

É extraordinariamente aliciante, é profundamente motivador quando se chega a esta fase. Analisamos os números do desempenho, examinamos os sintomas, debruçamo-nos sobre as dores, escrutinamos as queixas e procuramos causas.

Depois, analisamos o(s) processo(s) onde esses sintomas se manifestam e essas causas têm origem. Não há acasos, os resultados indesejados são um produto perfeitamente natural decorrente da forma como se trabalha. Se não se gosta dos resultados, tem de se mudar o que se faz. Assim, determinamos acções para atacar esses sintomas e eliminar essas causas. Definimos as alterações necessárias no(s) processo(s), ou seja, onde actuar e qual o impacte esperado.

Preparamos um projecto com um plano claro de implementação. Quem faz o quê, até quando e com que recursos. Defendemos um pitch junto de quem tem autoridade e pode validar a mudança proposta. E avançamos para a mudança da realidade (esperemos!).

O grande problema? A esmagadora maioria das empresas e gestores esconde-se atrás da burocracia. Até há quem desconfie que os esforços de melhoria são uma espécie de "Cavalo de Tróia" que abre uma "Caixa de Pandora" plena de consequências difíceis de controlar. As mudanças implicam esforço, riscos e, em alguns casos, confronto com hábitos profundamente enraizados. Mas sem acção concreta, a melhoria é impossível. A abordagem por processos não pode ser um mero exercício de estilo ou um conjunto de documentos elaborados para agradar ao auditor. A missão é clara:

  • Este é o problema → Diagnóstico real e fundamentado em factos.
  • Aqui está a prova → KPIs e dados concretos que demonstram a necessidade de mudança. 
  • Este é o critério de sucesso → Como vamos medir se a mudança trouxe melhorias efectivas (KPIs).
  • Mãos à obra.

Se isto for bem executado, então sim, a abordagem por processos deixa de ser uma exigência normativa e transforma-se num verdadeiro motor de melhoria. Mas para isso, é preciso muito mais do que relatórios e reuniões. É preciso coragem para enfrentar a realidade e, acima de tudo, agir.

BTW, viram os Super-Dragões encostados à parede? Não acham revelador o silêncio dos histéricos de há dias apenas? Nas empresas, como na política há gente que tem medo dos factos, pode-se descobrir que afinal não são perfeitos, gente que prefere o domínio da retórica e da oratória.

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