sábado, outubro 17, 2020

No reino da treta

Esta semana, numa formação online sobre auditorias internas da qualidade, ao abordar o tema das acções correctivas, e de como normalmente são mal trabalhadas, dei um exemplo que encontrei numa empresa não há muito tempo.

Objectivo da qualidade: Reduzir os atrasos nas entregas
Desempenho 2019: 74%
Meta para 2020: > 90%
Plano de acção: blábláblá

Quando li o plano de acção, mentalmente fiquei assim:



O plano resumia-se a uma simples frase do género: Vamos exortar e pressionar os fornecedores de matérias-primas e componentes a serem mais cumpridores.

Perante um problema alguém lança uma acção para calar a consciência, ou enganar os auditores, ou comer os eleitores. Qual o racional por trás da acção? Que factos suportam a acção?

Na semana passada sublinhei:
 "This is how naive I was in the beginning. I’d see a problem, you’d pick up the rope and say ‘hey I can solve this problem’. And little did I realize that there was just a big mountain of crap on the other side. The reality is that there’s a simplistic approach to how we think. Sometimes people just dive in and do the first thing off the top of their head. [Moi ici: Este é o erro que encontro sistematicamente nas empresas. Por isso, a minha checklist de auditor tem duas perguntas sobre acções correctivas: Desenvolveram alguma acção correctiva? É uma verdadeira acção correctiva, ataca a causa?] And what I’ve realized is you have to get through the complexity to get to simplicity on the other side. [Moi ici: Isto é o que sistematicamente falha, poucos passam pela complexidade] It’s one of the only quotes I’ve memorized and when I heard it, it really rocked me which is Oliver Wendell Holmes who is a Supreme Court justice from 1902 said “I wouldn’t give a fig for simplicity on this side of complexity, but I’d give my life for simplicity on the other side of complexity”."
O que eu vejo muitas vezes é isto:
Perante um problema salta-se para uma solução.
  • app obrigatória
  • máscaras obrigatórias
  • recolher obrigatório
O que eu deveria ver era:

Um forte investimento na análise dos sintomas...

Ontem alguém escreveu-me no Twitter:
"60% das contaminações dão-se no trabalho, em família e reuniões entre amigos. Lugares onde as pessoas relaxam-se"
Não acredito!
Leio estas coisas e penso logo nesta estória:

Por estes dias quase não tenho ouvido a rádio e vejo um pouco de TV à noite e só se fala na solução app/máscara/recolher.

Confesso que fico parvo com isto. Por que é que ninguém fala do metro junto à câmara de Gaia às 7h30 da manhã? Distanciamento social é aquilo?

Acho cómico querer proibir um casamento com mais do que x pessoas e, depois ter um autocarro com x pessoas, depois ter uma carruagem de metro com 1,7x pessoas e ninguém diz nada!

Quanto tempo é que alguém circula no metro? Quantas pessoas circulam em simultâneo mais de 15 minutos?

Esta gente não está habituada a trabalhar com base em dados, trabalha no reino da retórica, no reino da conversa, no reino da ilusão. Quando a realidade lhes vem bater à forta desmascara-os facilmente. BTW, é por isso que os políticos gostam de acções sobre o ambiente. Dificilmente, a realidade virá pedir-lhes contas enquanto estão no poder.

BTW, por que é que fiquei como o capitão Haddock? Porque antes numa conversa mais informal tinham -me contado isto:
Foram as suas próprias decisões que levaram aos 74%

Será que faz sentido medir o indicador para todo o tipo de cliente? Não será de incluir só aqueles que valorizam isso muito e que vocês deliberadamente não querem desapontar?







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