quinta-feira, dezembro 29, 2011

It's not the euro, stupid! (parte I)

It was China!
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RESSALVA: Não pretendo insultar ou ser indelicado com ninguém, estou só a manipular uma expressão que ficou conhecida.
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"A última década foi a pior de que há memória para a economia portuguesa e o mau desempenho deve-se mais às restrições causadas pela união monetária que a erros políticos, diz o economista João Ferreira de Amaral.
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Acumularam-se desequilíbrios gigantescos nas balanças de pagamentos, nomeadamente em Portugal, na Grécia e também, em parte, em Espanha."
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Porque não temos condições de crescimento nenhumas, e o nosso aparelho produtivo continuará talvez anda mais ineficiente que agora""
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Por que é que nenhum dos jornalistas, estagiários saídos das escolas da Revolução Industrial, habituados a receber "press releases" e a servir de megafones, nunca confrontam Ferreira do Amaral com os números da economia que compete com o euro como moeda forte?
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Por que é que aceitam acriticamente tudo o que ele diz? Sim, eu sei, a culpa não é deles, quando estiverem a começar a sair da casca e a querer fazer perguntas e investigar... acaba a comissão de serviço... nada de pessoal, vicissitudes do modelo actual do negócio dos jornais.
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Os jornais são como Ferreira do Amaral, e muitos outros a quem chamo encalhados ou membros da tríade. Os jornais estão num combate com a Internet, a Internet está para os jornais como a concorrência chinesa está para as empresas que produzem bens transaccionáveis, ou da grande distribuição está para o comércio tradicional.
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Como é que os jornais combatem a Internet... reduzindo custos, tentando competir no mesmo campo que dá vantagem à Internet. Só que a Internet é imbatível, é gratuita... é como uma escola privada querer competir com uma escola do Estado pelo custo... é uma guerra perdida à partida.
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Esqueçamos a eurozona e pensemos no caso norte-americano, como é que Ferreira do Amaral explica que as consequências que ele atribui ao euro possam ser visualizadas, até talvez com mais ênfase, na economia norte-americana?
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O que é que é comum à eurozona e à economia norte-americana?
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A entrada da China na WTO e o fim de muitas barreiras às importações com origem em países de mão-de-obra barata!!!
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As empresas que produziam bens transaccionáveis, quase de um momento para o outro, foram sujeitas a um tsunami competitivo assente em custos muito, muito, muito baixos!
Esta tabela, presença habitual neste blogue, ilustra o que se passou... percebem o massacre a que a economia de bens transaccionáveis foi sujeito na última década por todo o mundo?
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Apreciem este gráfico:
Ferreira do Amaral não conhece este números? 
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"Para Ferreira do Amaral, a "transferência de recursos de sectores de bens transaccionáveis para bens não transaccionáveis" é resultado de Portugal fazer parte de um espaço com uma "moeda forte".
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"O aparelho produtivo reorientou-se para sectores protegidos da concorrência externa, porque a moeda é forte e não fazia sentido concorrer com produtos importados", argumenta. "Isso não foi um erro de política económica, o erro foi aderir a essa zona [de moeda forte].""
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Será que Ferreira do Amaral acha que o nosso sector de bens transaccionáveis resistiria melhor ao impacte chinês se ainda tivéssemos o escudo? Mesmo com aquele diferencial no custo da mão-de-obra? 
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Quando Ferreira do Amaral diz "e não fazia sentido concorrer com produtos importados"", está a referir-se a produtos importados da China ou da Europa do Norte?
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Isolemos e excluamos o factor China. Como se comportou a economia de bens transaccionáveis de 1986, ano de entrada na CEE, até 2001 no do começo físico do euro? (O que tolda este exercício é a entrada do ecu em prática)
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Perdemos gente e capacidade produtiva em sectores arcaicos como a agricultura e as pescas, incapazes de competir com os preços mais baixos do pescado espanhol ou dos cereais franceses. E na indústria como foi? Foram os nossos anos de ouro. 
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Como começou o fim? Com a saída das multinacionais que compravam minutos de mão-de-obra barata, para os padrões ocidentais, e com a sua deslocalização para a China.
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Qual é a receita deste blogue?
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Para competir com a China, para ter sucesso com uma moeda como o marco, para os jornais competirem com a Internet, para o comércio tradicional competir com a grande distribuição e para as escolas privadas competirem com os chineses do Estado, só há um campeonato, o campeonato do valor! Tudo o resto é albanização que nos leva a ser a Sildávia do Ocidente.
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Ou seja:
Optar por ser uma empresa que trabalha para aumentar preços, não como o Estado o faz com os reféns que são os contribuintes e utentes.
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Na economia as empresas é que são reféns da vontade dos seus clientes e eles só aceitarão pagar mais se durante o uso do produto/serviço sentirem que emerge mais valor para as suas vidas.
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Tudo isto é o que tenho aprendido ao longo de quase cerca de 20 anos de trabalho como consultor, depois de quase dez anos a trabalhar na indústria, assenta no que tenho visto resultar e não resultar na vida real conjugado com a reflexão que os livros e a Internet me proporciona.
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Na parte II que espero escrever ainda hoje vou-me calar e deixar outros falarem por mim.

8 comentários:

Jonh disse...

O gráfico é muito bom, mas junta as importações da China (e dos outros paises) para os EUA com as importações daqueles países para a Europa.

O gráfico mostra que com moeda igual ou diferente (euro, escudo ou dólar as importações aumentariam sempre. Não é a moeda o fator de distinção.

ZeManL disse...

"Perdemos gente e capacidade produtiva em sectores arcaicos como a agricultura e as pescas, incapazes de competir com os preços mais baixos do pescado espanhol ou dos cereais franceses."

Caro CCz

Pelo menos no caso das pescas, as causas do declínio do sector têm muito pouco a ver com o preço da concorrência espanhola.

Têm a ver com recursos próprios e respectiva gestão (má), áreas e licenças de pesca, estrutura tecnológica da(s) frota(s), organização comercial, qualidade dos recursos humanos, etc...

Pelo menos nesta situação particular, a argumentação do CCz está longe de ser suficiente.

Ricciardi disse...

Sectores arcaicos? oh ccz!
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Quatro notas:
1º A China produz mais Valor do que a Alemanha e a europa juntas. Na verdade é lá que se produzem os Ipads, os automoveis, os aparelhos sofisticados, as televisoes lcd, satélites, comboios, frigorificos etc etc etc... tudo isto são exportações chinesas, por muito que lhe custe.
2º ... e o caro ccz dirá, está bem Rb, mas tudo isso são negócios europeus e americanos que para lá deslocalizaram as suas fabricas...
3º ... e eu digo-lhe, pois é isso mesmo ccz, é esse o problema. De que adianta ter empresas nascidas no burgo, com trabalhadores formados com os nossos impostos, com produtos elevadissimos na escala de Valor, a produzir na China, se isso gera DESEMPREGO e IMPORTACOES no ocidente?
4º Mais, que direito teem os governos em substituir a produção nacional por produção chinesa? (até o leite chines tentaram infiltrar - por acaso deu bronca, mas se nao tem dado bronca...)
5º... isso levou-me a considerar que o mal não está só no euro, mas sim na abertura desregrada dos mercados a players que fazem batota cambial, social e ambiental.

NOTA Final: O caro ccz é consultor; mas nem o precisava de dizer para eu o ter adivinhado.E como profissional que aconselha empresas está absolutamente certo. A visão do consultor é direccionada para o bem da empresa, enquanto que a visão de um governante terá de ser direccionada para o bem estar do povo, o que nem sempre é coincidente.
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Bom ano
Rb

CCz disse...

Caro ZeManL,
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"recursos próprios e respectiva gestão (má), áreas e licenças de pesca, estrutura tecnológica da(s) frota(s), organização comercial, qualidade dos recursos humanos, etc.." que a competir com a maior frota de pesca mundial, com barcos fábrica... deu no que deu.

CCz disse...

Caro Ricciardi,
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"Sectores arcaicos? oh ccz!"
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Tem razão... falha básica!!! Não são os sectores que são arcaicos, os sectores nunca são arcaicos, as estratégias usadas é que o podem ser.

CCz disse...

Caro Ricciardi,
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Não se esqueça de ver a parte II e as consequências que daí advêm.
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E sabe que exagera no ponto 1 ... Como exagerou quando defendeu que a subida das exportações para fora do espaço comunitário em cerca de 24,5% se deveram às exportações da Autoeuropa para a China. Facto que ocorreu pela primeira vez julgo que em Novembro ou já mesmo em Dezembro

CCz disse...

Caro Ricciardi,

Relativamente ao caso que contou dos vinhos, pergunto:
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Será que os angolanos estão a educar o seu gosto por vinho e a ser mais exigentes com a qualidade do mesmo?
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Será que os fornecedores portugueses estão a acompanhar a evolução desse gosto?
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Eu nasci em Angola e respeito muito a forma como Angola se dá ao respeito na relação com Portugal. Ainda há dias um moçambicano que regressou ao seu país após a conclusão do seu curso me comentava sobre a atitude dos portugueses que estão a chegar ao país e que pensam que são os maiores da rua.
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Votos de um Bom Ano para si e família

ZeManL disse...

Caro CCZ
O problema das pescas portuguesas não tem literalmente nada a ver com a concorrência da frota espanhola.
Teoricamente poderá fazer sentido, mas neste caso a teoria não reflecte minimamente a realidade.
De facto, quer nas pescas, como nos restantes sectores de actividade, a realidade é sempre mais complexa que a determinada pelos modelos teoricos, genericamente demasiado simplistas