quarta-feira, dezembro 10, 2025

Curiosidade do dia

A decisão da Dinamarca de terminar a entrega de cartas, depois de uma queda de mais de 90% no seu volume, é mais do que uma nota curiosa sobre serviços postais. É uma lição de maturidade institucional.

 Os dinamarqueses olharam para uma mudança estrutural, profunda e irreversível, e fizeram aquilo que sociedades confiantes costumam fazer: adaptaram-se. Não fingiram que a realidade pode ser revertida por decreto. Não tentaram proteger modelos esgotados. Simplesmente aceitaram que o mundo mudou e alinharam o serviço público com o presente, para não hipotecarem o futuro.

Em Portugal, continuamos atolados no movimento contrário.

O caso recente da Vasp, que pondera abandonar a distribuição diária de jornais em vários distritos por causa da quebra de vendas e do aumento dos custos operacionais, é um exemplo cristalino dessa diferença cultural. A reacção da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) foi imediata: apelo ao Estado. Apelo a mecanismos. Apelo a meios. Tudo menos encarar a realidade. A associação alerta para o risco de "colocar em causa o direito à informação" e pede ao Governo que garanta a distribuição em todo o território, como se o problema fosse conjuntural e não o resultado de uma transformação profunda no consumo de notícias e na demografia. 

Nem uma reflexão sobre alternativas digitais. Nem uma palavra sobre novos modelos de negócio. Nem um incentivo à inovação. Apenas a exigência de que o Estado mantenha, a qualquer custo, uma estrutura que a própria economia já abandonou.

É aqui que o contraste com a Dinamarca ganha força: enquanto uns remodelam o futuro, outros tentam conservar o passado através de subsídios, obrigações e protecção administrativa. Até órgãos como a Rádio Observador, que se posicionam como liberais e pró-mercado, cedem, muitas vezes, a esta narrativa confortável: "se algo está a desaparecer, o Estado que resolva". É um socialismo suave, afectivo, que não se assume como tal, mas que protege práticas antigas por receio, nostalgia ou falta de imaginação.

O que está verdadeiramente em causa não é a Vasp, nem os municípios, nem os jornais. É a nossa incapacidade colectiva de aceitar que certos modelos deixaram de ser sustentáveis. A defesa do "direito à informação" não exige que se distribuam jornais impressos porta a porta em todo o país; exige, isso sim, que se garantam formas eficazes, modernas e economicamente viáveis de acesso à informação.

Precisávamos, talvez, da mesma coragem institucional que vimos na Dinamarca: reconhecer a mudança, redesenhar o serviço com base no presente e aceitar que nem tudo pode ser preservado. O apego aos direitos adquiridos é compreensível — mas tem um custo. E esse custo é o de um país que fica parado, cristalizado em modelos que já não respondem ao mundo em que vivemos.

A questão é simples e desconfortável: queremos o futuro ou queremos manter relíquias vivas por meio de transfusões públicas eternas?

A Dinamarca respondeu. Nós continuamos a hesitar.


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