domingo, dezembro 28, 2025

Quando a rapidez volta a vencer a eficiência


O artigo recente do Wall Street Journal sobre a Coty, "Coty Resets Supply Chain To Boost Sluggish Sales",  não descreve uma inovação radical. Descreve algo ainda mais incómodo: uma correcção tardia. Depois de anos a optimizar custos, consolidar a produção e alongar as cadeias de abastecimento, a empresa percebeu que se tinha tornado demasiado lenta para um mercado que mudou de natureza.
"The maker of CoverGirl cosmetics and Hugo Boss fragrances is resetting its supply chain to be able to respond to fast-changing consumer trends.
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Coty, one of the world's largest beauty companies, has struggled after supply-chain disruptions in the pandemic and amid an uncertain economy and changing consumer tastes. Shoppers are gravitating toward newer brands such as Hailey Bieber's cosmetics. Coty’s like-for-like revenue fell 8% for the first quarter of its 2026 fiscal year compared with the prior year.
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the company has speeded up its production process in the past few years.
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I asked our factories in Europe, "Ship to me 24 units of a fragrance you've never made before, quick as you can." So they produce this. The bottle is from one of our franchises. The fragrance inside is different. They created the label, and they 3D-printed the cap with my name on it and sent me 24 within 48 hours. That is what we're doing on responsiveness. It's trying to get our factories to think agile, think immediate.

How long did it take Coty to produce a new fragrance, say, five years ago?
18 months."
Num sector onde produtos podem tornar-se virais em dias e irrelevantes em semanas, ciclos de desenvolvimento de 18 meses são uma sentença de irrelevância. A resposta da Coty — relocalizar produção, aceitar custos ligeiramente superiores, reduzir drasticamente tempos de resposta — não é tecnológica. É estratégica.

Em 2006, num texto sobre o regresso de clientes do sector têxtil a Portugal, já desconfiava da explicação simplista da “falta de qualidade” asiática. O problema não era a qualidade; era o desalinhamento entre cadeias longas e negócios baseados em moda, variedade, cor, inovação e resposta rápida. Produzir a 150 dias do mercado era incompatível com propostas de valor assentes na eficácia, no nicho e na diferenciação.

Três anos depois, em "Sinal dos tempos", o argumento tornava-se mais explícito: o que funciona para propostas de valor baseadas na eficiência raramente funciona para propostas baseadas na eficácia. E exemplos como o da Canon ou o da Kenwood mostravam que trazer a produção mais perto não era nostalgia industrial, mas uma forma de ganhar velocidade, flexibilidade e até reduzir custos totais, quando se olhava para o sistema como um todo.

O que a Coty está agora a reaprender é exactamente isso. Cadeias de abastecimento desenhadas para minimizar custo unitário tornam-se frágeis quando a incerteza aumenta. São óptimas para produzir o que foi previsto; são péssimas para responder ao inesperado. E o inesperado deixou de ser excepção — passou a ser regra.

A lição que atravessa 2006, 2009 e 2025 é simples e persistente: não existe uma cadeia de abastecimento "óptima" em abstracto. Existe uma cadeia coerente com a proposta de valor.
Preço, volume e padronização exigem distância.

Variedade, tendência, nicho e diferenciação pedem proximidade.

O erro não foi deslocalizar. O erro foi aplicar a mesma lógica de eficiência a negócios que exigem eficácia. A Coty está agora a pagar esse erro em atraso, com a dificuldade acrescida de o corrigir à escala de uma multinacional.

O tempo não mudou as leis da estratégia. Apenas aumentou o custo de as ignorar.

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