quinta-feira, dezembro 05, 2024

Fugir do confronto directo com o gigante

O FT de ontem trazia um artigo intitulado "An audacious gamble in semiconductors" sobre o projecto Rapidus no Japão.

O projecto Rapidus é uma ambiciosa iniciativa do Japão para revitalizar a sua indústria de semicondutores e posicionar-se como um líder global na produção de chips de topo. Lançada em 2020, a Rapidus é uma empresa de fabricação de semicondutores que conta com o apoio do governo japonês e de grandes empresas, como a Toyota, a Sony e a NTT.

Não sei nada de semicondutores, por norma torço o nariz a intervenções dos governos na criação de "campeões nacionais", mas resolvi escrever sobre ele e sobre a sua mensagem acerca de estratégia empresarial.

A certa altura lê-se:

"Ever since TSMC was founded by Morris Chang in 1987, it has been all about scale and Rapidus is really something nobody has ever attempted before."

E pelo que pesquisei a estratégia da TSMC assenta numa abordagem clássica:

  • Fabrico de alto volume: O modelo de negócio da TSMC assenta a produção em grande escala para servir gigantes tecnológicos globais como a Apple, Nvidia e AMD.
  • Chips padronizados de última geração: A TSMC é especializada na produção em massa de chips padronizados, como os nós avançados de 3nm e 5nm, atendendo à procura em grande escala.
  • Economias de Escala: A escala da TSMC permite reduzir custos e manter rendimentos elevados, o que é fundamental para o seu domínio na indústria. 
O que é que o projecto Rapidus pretende? Fugir de um confronto directo e ir para o lado oposto:
  • Chips personalizados e de pequenos lotes: A Rapidus pretende servir nichos de mercado que exigem chips especializados e personalizados, em vez dos chips padronizados de alto volume que a TSMC produz.
  • Flexibilidade e Especialização: Esta estratégia permite à Rapidus alcançar indústrias ou aplicações que necessitem de designs personalizados, como IA, veículos autónomos ou robótica avançada.
  • Inovação localizada: Ao trabalhar com mercados ou sectores específicos, a Rapidus pode potencialmente preencher uma lacuna no ecossistema de semicondutores que a abordagem de alto volume da TSMC pode não resolver. Lembro-me disto na última empresa que trabalhei como funcionário, a produzir circuitos impressos (postal de 2015 e postal de 2012).
Esta abordagem de nicho pode permitir à Rapidus construir uma reputação em tecnologias de ponta e de alto valor acrescentado, sem competir frontalmente com a TSMC. O grande desafio, e daí talvez o título do artigo, a produção de pequenos lotes tem, geralmente, custos por unidade mais elevados, dificultando a obtenção de rentabilidade, a não ser que a Rapidus consiga estabelecer uma posição sólida em mercados com margens elevadas. Claro que outros desafios, mencionados no artigo incluem o recrutamento de pessoal qualificado, a gestão de elevados custos de produção e a obtenção de taxas de rendimento/eficiência competitivas.

Este exemplo do Projecto Rapidus é uma lição valiosa para as PMEs que enfrentam gigantes em mercados dominados por economias de escala. Em vez de tentarem um confronto directo, que muitas vezes resulta numa batalha perdida à partida, as PMEs podem adoptar uma abordagem estratégica semelhante a esta: encontrar um "bypass", uma obliquidade que as permita prosperar em nichos que os players grandes dificilmente conseguem servir.

Ao focarem-se em necessidades específicas e subatendidas, como produtos personalizados, serviços flexíveis ou soluções inovadoras e adaptadas a mercados específicos, as PMEs podem criar valor onde os modelos tradicionais das empresas grandes não conseguem chegar. Esta estratégia não só evita uma competição desleal, como também posiciona as PMEs como parceiros indispensáveis em cadeias de valor que precisam de agilidade e especialização. Ou seja bolas azuis versus bolas pretas.

O exemplo do Rapidus é um bom lembrete de que nem sempre é necessário jogar o mesmo jogo para ser bem-sucedido. Por isso, cuidado com os artigos das revistas com entrevistas a CEOs das empresas grandes e que são promovidos como tendo lições para aplicação directa nas PMEs. Muitas vezes, redefinir as regras ou criar um caminho alternativo é a chave para abrir novas oportunidades e prosperar mesmo em mercados altamente competitivos. Afinal, ser pequeno também pode significar ser ágil, inovador e mais próximo das reais necessidades dos clientes. Que mais PMEs se inspirem neste tipo de visão estratégica!

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