domingo, junho 05, 2022

Aspirar por objectivos sem ter coragem para a disciplina que requerem

"Primeiro-ministro quer um aumento de “20% no salário médio do nosso país” nos próximos quatro anos. “Nós temos que ter um acordo de médio prazo, no horizonte desta legislatura, sobre a perspectiva da evolução dos rendimentos.”

O primeiro-ministro apelou este sábado às empresas para que contribuam para um esforço colectivo de aumento dos salários dos portugueses, para que haja “maior justiça” e os salários médios em Portugal possam aumentar 20%.

...

“As empresas têm de compreender que se querem ser competitivas a vender, têm de começar a ser competitivas no momento da contratação, se querem, efectivamente, contratar, fixar e atrair o talento que necessitam para poderem ser empresas que produzem, efectivamente, bens e serviços de maior valor acrescentado”, acrescentou." (fonte)

Um texto que desperta várias linhas de reflexão. Uma delas tem a ver com a linha de Avelino de Jesus a emergir contra os "antiquados" como Teixeira dos Santos. Recordar Mea culpa.

Vamos olhar para o desafio através de uma matriz que relaciona a resposta a duas perguntas:

  • as empresas podem pagar um aumento superior a 20% do salário médio?
  • as empresas querem pagar um aumento superior a 20% do salário médio?
Vamos começar por eliminar as opções 2 e 4. Se as empresas podem, queiram ou não serão levadas a fazê-lo, pelo governo de turno ou pelo contexto. Por exemplo, na capa do jornal i de ontem:

Os ignorantes, como o presidente da república, acham que as empresas não aumentam os salários porque não querem. Os ignorantes acham que as empresas nadam em dinheiro e não querem partilhá-lo:

"Marcelo Rebelo de Sousa diz que os salários têm de acompanhar o crescimento da riqueza do país."

O presidente que achava que as 35 horas semanais na função pública não iam aumentar os custos, acha que o país está a enriquecer... Ricardo Reis tem de aprender economia com ele - A caminho da Sildávia ao vivo e a cores, mais um pacotão.

O que é mais interessante, na minha opinião, são as opções 1 e 3. Se as empresas não podem o que têm de fazer?

Recuemos a Abril de 2013, Cargo cult, e às palavras de Avelino de Jesus:

"«Por cada hora de trabalho só produzimos 17 euros»

Professor do ISEG diz que actual crise está na origem da baixa produtividade dos trabalhadores de Portugal."

As empresas não podem porque têm uma baixa produtividade, porque geram pouca riqueza, porque geram pouco valor acrescentado.

Assim, o que António Costa quer tem consequências que ele não está disposto a defender. Se ele quer atingir o objectivo de aumentar o salário médio em 20% em 4 anos, então tem de concluir que tem de promover a morte das empresas que não podem, para desviar recursos para as empresas que terão de surgir e podem. Recordar que vivemos no país do Chapeleiro Louco e da violação do 1º Princípio de Deming. Não escrevi este título em 2019 porque me apeteceu, "Espero que não vos tremam as pernas quando as empresas começarem a cair como tordos". Mesmo que ele tivesse coragem para o fazer, será que é moralmente correcto este tipo de activismo?

Sim, basta voltar a ler Reinert e a Teoria dos Gansos:

Basta recordar Maliranta e a lição finlandesa ou as palavras de Nassim Taleb:
"Systems don’t learn because people learn individually – that’s the myth of modernity. Systems learn at the collective level by the mechanism of selection: by eliminating those elements that reduce the fitness of the whole, provided these have skin in the game"

isto cheira-me que vai acabar em mais apoios às sonaes deste país.

3 comentários:

CCz disse...

Já agora, um aumento do salário bruto em 20% representa muito mais do que isso para as empresas que têm de acrescentar cerca de 20% para a segurança Social

CCz disse...

https://eco.sapo.pt/?p=1026218

CCz disse...

https://twitter.com/heldercervantes/status/1533430326751641601?s=20&t=4ZU_FmMYOUQZNfJcAbfj9g