terça-feira, setembro 03, 2019

"uma das vertentes do nosso trabalho com as empresas"

Trabalhar para marcas internacionais em regime de subcontratação (private label), ou é um negócio de preço-baixo, e aposta-se na eficiência e na escala, ou é um negócio de flexibilidade.

O negócio do preço-baixo, como refiro aqui há milénios, não é para quem quer é para quem pode.

Trabalhar para marcas internacionais em regime de subcontratação (private label), quando a paisagem competitiva em que estamos a viver há quase 50 anos sofre uma mudança brusca, com a entrada de novos players, como novas tecnologias, com novas formas de olhar a competição e o mercado, com novas formas de organização do trabalho, alguns com dimensões respeitáveis, devia ser um sinal de alerta, um sinal para internamente se pôrem em causa os mitos e tabus da organização sem receio de ferir susceptibilidades, paróquias e costumes arreigados.

Em Agosto de 2015, enquanto o sector das bicicletas em Portugal transmitia sinais de sucesso, recordar "Boas notícias" (parte I e parte II), aqui no blogue alertávamos a histórica marca Órbita para alguns riscos:
"Isto é estratégia, boa ou má, é estratégia. Os produtores portugueses não consideram sexy, rentável, produzir "bicicletas para desporto e lazer". Não é bom esperar que a macroeconomia arraste a nossa empresa para resultados positivos, a retoma como uma maré que eleva todos os barcos é uma péssima estratégia. A esperança não é em si mesma uma estratégia!.Assim como não fazemos arte depois de nos tornarmos artistas, a retoma não é uma força exógena que age sobre um sistema, a retoma é a consequência, à posteriori, de uma massa crítica de empresas que fizeram pela sua própria vida..Vamos admitir que a Órbita produz e vende sobretudo com marca própria. Vamos admitir que o sucesso recente do sector diz respeito a bicicletas produzidas para marcas próprias da distribuição (private label como se diz no calçado). Talvez isto seja sinal de que a Órbita precise de pensar mais na diferenciação e menos na quantidade, precise de não usar os outros como referência, para não cometer o erro de Saul (aqui também). Talvez isto seja sinal de que a Órbita precisa de afinar a sua estratégia..Mas o mais certo é isto acontecer:"
Agora encontro isto "Dona da Órbita a caminho da insolvência" de onde extraio este trecho:
"A Órbita tem um processo semelhante a correr no mesmo tribunal, cujos credores reclamam, neste caso, 14,2 milhões de euros. A maior parcela são os quase sete milhões exigidos pela EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, por quebra de contrato no fornecimento das bicicletas para o programa Gira. Um valor que o proprietário da fabricante de bicicletas considera um “crédito litigioso”, pretendendo impugná-lo."
Em 2015 eu aconselhava:
"Talvez isto seja sinal de que a Órbita precise de pensar mais na diferenciação e menos na quantidade"
A direcção da empresa parece ter sido exactamente a contrária. Virar-se para a quantidade e trabalhar para um cliente de preço-baixo conjugado com muitas exigências. Só há uma situação em que faça sentido lidar com um cliente deste tipo: um fabricante profissional orientado para o custo-baixo e suportado numa boa equipa de advogados para evitar a pedofilia empresarial.

Faz-me lembrar a Raporal.

Esta é uma das vertentes do nosso trabalho com as empresas:

  • evitar que cometam erros infantis (que até um outsider via imprensa detecta, e põe a sua reputação em jogo ao fazer previsões);
  • agir como advogado do diabo num esforço de partir pedra para formular uma estratégia alinhada com o ADN da empresa e, traduzi-la num conjunto de iniciativas estratégicas alinhadas. O esquema do concreto para o abstracto.
Somos mágicos? Não, não fazemos milagres, só podemos tentar influenciar a fuga a decisões que um outsider facilmente classifica de estúpidas e, por outro lado, facilitar o parto de estratégias que só os decisores das empresas podem assumir e validar.

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