domingo, agosto 13, 2017

Decisões de localização (parte I)

Quando aproveitava as férias escolares para, de mochila às costas, viajar pelo interior desértico de Portugal em busca de águias, falcões e abutres, tinha oportunidade de ver coisas que não se apanham quando se circula de automóvel com atenção à estrada.

Por exemplo, nesta estrada onde em 1984 dançava o can-can:
(Estrada entre Figueira de Castelo Rodrigo e Barca D'Alva)

Recordo o esqueleto antigo de uma unidade industrial junto a uma ribeira seca no Verão.

É fácil pensar num Portugal distante onde a rede de estradas era fraca e regional. Nesse Portugal a indústria podia surgir em qualquer lugar e viver do mercado regional. Depois, surgiu o comboio e a camioneta e a rede de estradas melhorou. Então, as empresas localizadas em mercados maiores, como junto das capitais de distrito, começaram a crescer e a aproveitar as vantagens da competição no século XX:
Não deixa de ter a sua ironia ácida, associar a cada choraminga de autarca do interior nos anos 80 e 90 do século passado, melhores estradas para o interior, melhor acesso do litoral ao interior, melhor acesso das empresas do litoral com custos mais competitivos, porque maiores, incapacidade das empresas do interior competirem pelo preço, encerramento das empresas do interior, desaparecimento de postos de trabalho no interior, aumento do êxodo humano do interior para o litoral e para a emigração.

Podemos subir na escala de abstracção e passar do nível interno para o domínio do internacional.

Com a adesão de Portugal à EFTA primeiro e à CEE depois, o país começou a receber muito investimento directo estrangeiro para a indústria, por causa dos baixos da sua mão de obra e relativa proximidade dos mercados de consumo no centro da Europa. E chegámos aos gloriosos anos em que a taxa de desemprego em Portugal rondava os 3%. Éramos a china da Europa antes de haver China.

Depois, as Texas Instruments na Maia e as Seagate na margem sul deram o sinal, e as empresas de capital estrangeiro pelas mesmas razões que tinham escolhido Portugal, escolhiam agora a Ásia e começou a debandada para a China. As lojas dos 300 deram o outro sinal, muita produção nacional habituada a trabalhar para o mercado interno com base no preço começou a ser dizimada pelas importações baratas da Ásia. No domínio da economia transaccionável só sobreviveu quem de certa forma conseguiu algum tipo de diferenciação (rapidez, inovação, flexibilidade, moda, design, autenticidade, qualidade, experiência, proximidade, ...).

Agora a onda está a virar outra vez e falamos e escrevemos sobre o reshoring, sobre a importância da proximidade entre a produção e o consumo para tirar partido da interacção que permite a co-criação, a personalização, a customização.

Nesta nova etapa do comércio mundial quais podem ser as principais decisões de localização?

Continua.


1 comentário:

CCz disse...

Nem de propósito:

"A acentuada redução dos custos de transporte (resultante em grande parte da política regional europeia), aliada à crescente importância do capital humano e economia do conhecimento, privilegiaram a aglomeração de atividades nas regiões mais centrais em detrimento das mais periféricas.

A forte expansão da rede de auto-estradas veio acelerar o processo de concentração geográfica da população e atividades económicas sob a forma de (bi)polarização nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e litoralização entre estas duas. A expansão urbana das duas áreas metropolitanas (bem como de outras áreas urbanas de média dimensão) tem resultado em larga medida da suburbanização (“sprawling”) da população da cidade para a periferia.
...
Não deixa de ser irónico - e daí talvez não, se nos lembrarmos da NGE - que os fundos europeus que pretendiam reduzir as disparidades regionais tenham sido os mesmos a promover uma maior concentração geográfica das atividades económicas no litoral urbano."

Trechos retirados de "Que estrada leva a um desenvolvimento regional mais equilibrado?"

https://www.publico.pt/2017/08/14/economia/noticia/ha-que-fazer-a-estrada-para-um-desenvolvimento-regional-mais-equilibrado-1782149