sexta-feira, março 18, 2011

É perigoso pôr catequistas à frente de uma economia!

Encontrei este artigo "SERÁ QUE AS EMPRESAS PORTUGUESAS APRESENTAM VANTAGEM COMPETITIVA?" publicado na Revista de Estatística do INE do 1º Quadrimestre de 2002.
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O artigo tem algumas afirmações politicamente correctas mas sem aderência à realidade. Por exemplo: "A competitividade de uma empresa está assim associada não só a factores-preço (custos de mão-de-obra, matérias primas, produtos, por exemplo) mas cada vez mais a factores não-preço (qualidade dos seus produtos e serviços). Segundo a OCDE (1992), é a eficácia das estruturas produtivas, através da qualidade dos serviços oferecidos às unidades de produção, da envolvente científica e tecnológica e da qualificação da mão-de-obra que explica a competitividade das empresas." (Moi ici: Confio mais em Mortensen do que na OCDE)
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Mas adiante...
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No artigo, os autores identificam 4 grupos de empresas portuguesas:
  • GRUPO 1. Não vende produtos com marca própria e não exporta.
  • GRUPO 2. Não vende produtos com marca própria mas exporta.
  • GRUPO 3. Vende produtos com marca própria e não exporta.
  • GRUPO 4. Vende produtos com marca própria e exporta.
Realmente interessante no artigo é o quadro que se segue:
Neste quadro saliento a última linha: % dos custos salariais sobre os custos totais (valor médio) e para empresas de cada um dos 4 grupos. E mais, em cada grupo, os autores trabalham com duas populações, as com baixa competitividade e as com alta competitividade (os autores usam como indicador de competitividade o cash flow por trabalhador).
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Para qualquer um dos grupos: Nas empresas mais competitivas os custos salariais representam sempre uma menor fracção dos custos totais. Qual é a reacção instintiva, o top-down que mencionei aqui?
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Quanto mais baixos os salários maior a competitividade!
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Esta é a conclusão simplista que era válida no tempo em que a oferta era inferior à procura... e que contamina o mainstream que influencia as decisões "Moderação salarial para o objectivo da competitividade" (Se estamos a falar dos salários do sector público é claro que é preciso não moderá-los mas reduzi-los para poder dar mais liberdade económica ao sector privado)
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Voltando ao sector privado: Qual a relação que os estudos encontram entre salários e produtividade e competitividade?
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Por exemplo aqui:
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"Perhaps the most important fact for a labor economist observed in these data is the extent of the dispersion of productivity measures, a similar dispersion in the average wage bill per employee, and the positive correlation between the two."
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Agora comparemos os números da última linha da tabela lá em cima com a correlação positiva entre salários e competitividade
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Conclusão: será válido fazer generalizações?
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ATENÇÃO: Não confundir correlação, que é o que temos em mente aqui, com causalidade. Posso correlacionar salários altos com elevada competitividade, mas não posso generalizar, como fazia o anterior secretário-geral do PCP, e assumir a causalidade: se aumentarmos os salários vamos automaticamente promover a competitividade e a produtividade. Nonsense!!!!
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Posso concluir que: se quanto mais elevados são os salários mais competitivas são as empresas e, se quanto mais competitivas são as empresas menos os salários pesam nos custos totais. Então, em empresas mais competitivas, os salários crescem a uma velocidade inferior ao aumento dos custos que geram a intangibilidade que suporta um maior valor acrescentado reconhecido por quem compra.
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Tudo isto ainda reforça mais a minha opinião sobre a estupidez de medidas top-down para promover a competitividade e a produtividade... catequistas a lidar com a economia real é perigoso.

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