segunda-feira, dezembro 15, 2008

Como eu olho para a crise

Sou um simples cidadão que tem uma visão bem diferente da dos políticos sobre como agir para fazer face à crise.
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Era uma vez o paraíso na Terra. O paraíso do endividamento, o paraíso do consumo sem poupança, o paraíso do dinheiro fácil e barato. Os consumidores (C da figura) assentavam o seu nível de consumo no endividamento permanente e progressivo e numa ingénua confiança no futuro, os bancos (F da figura) forneciam crédito fácil e barato.
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Os negócios (B da figura) que interagiam com os consumidores (B2C), à conta do endividamento fácil e barato e aliciados pelo consumo progressivo dos clientes, crença de que as árvores crescem sempre até ao céu, aumentaram a capacidade de produção à custa de investimento.
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O mesmo aconteceu para os negócios (B da figura) que interagiam com outros negócios (B2B).
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O crédito fácil e barato alimentou um aumento do consumo e da capacidade de produção.
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O crédito fácil e barato foi também aproveitado pelos governos para obras e benesses para assegurar votos e perpetuação no poder.
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Todo este ecossistema era alimentado por yenes baratos a taxas de juro pornograficamente baixas, um truque para fazer do Ocidente nações de consumidores dóceis para a produção industrial nipónica (há um ano um dolar valia 114 yenes, quinta-feira chegou a valer menos de 89 yenes)
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Então, no ano passado deu-se o Pum!!!
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A confiança no futuro esvaíu-se e consumidores e negócios descobriram-se endividados até ao tutano. Com a falência da Lehman Brothers, os activos tóxicos e o fim do cash carry trade japonês acabou-se o crédito barato e fácil!!!!

Os consumidores descobrem que estão a consumir em excesso!!! E acentua-se a incerteza e o medo do que o futuro reserva.

Com a derrocada na procura, sobretudo daquela que exige capital, e uma vez que não há poupança prévia...

... os negócios descobrem que têm excesso de capacidade produtiva instalada, excesso de inventário, excesso de dívidas e ...
... os consumidores e clientes deixaram de consumir ao nível a que tinham consumido e os bancos cortaram a torneira do crédito

Para fazer face à nova realidade as empresas ou fecham, ou reduzem a capacidade ou reduzem custos, quase tudo leva a despedimentos e mais despedimentos.
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Isto começa a preocupar os governos (G da figura) ...

As receitas de impostos começam a diminuir e as despesas sociais a explodir com os subsídios de desemprego, rodada após rodada, pois os empregados despedidos são também consumidores, reforçando o sentimento de receio e incerteza quanto ao futuro ...
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"We are already in a feedback loop of job losses and price reductions reinforcing each other. Expectations of consumers and businesses have become self-fulfilling. For instance the Calculated Risk (comentário-nota a este postal) blog notes a major trucking company will delay the purchase of 300 new trucks in anticipation of a slow down in 2009.
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We now have clear evidence reported in the last few days of all the part of the circle:
1. Falling sales, imports and exports.
2. Falling prices
3. Expectations of worsening conditions
4. Delay or cancel of purchases by both Consumers and Businesses.
5. Increasing layoffs due to weak demand for goods and services."
É então que os governos decidem, à beira de um ataque de pânico apoiar as empresas, tentando salvar os postos de trabalho na política. O espectro da desordem grega paira sobre o asilo europeu ...

Só que, por mais apoios que as empresas recebam... as empresas só fazem sentido se tiverem clientes.
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Como toda a gente sabe que está tudo a ser suportado por apoios artificiais a confiança não regressa, continua tudo na retranca. Ao minimo abrandar dos apoios e subsídios voltará tudo ao descalabro do desemprego pois a confiança de quem consome é a base da sustentabilidade do sistema.
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Os apoios são todos concentrados nas empresas e esquecem-se das pessoas.
Medidas do governo português:
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Modernização das escolas - apoio aos amigos e parceiros das construtoras, essa indústria exportadora que tantas divisas traz para o país, que tantos empregos bem remunerados e com alto valor acrescentado dá ao país.
Energias renováveis - só fumaça que faz com que paguemos cada vez mais cara a energia.
Modernização das infraestruturas tecnológicas - só fumaça.
Exportações e PMEs - basta ver o Pùblico de ontem ("Abrir uma linha de crédito para as PME pode ser importante, mas depende. Paulo Trigo Pereira defende que poderá combater a crise, sobretudo num momento em que há fortes restrições de crédito às empresas. Mas Octávio Teixeira lembra que tudo depende do objectivo a que se destina essa linha de crédito. Se for para investimento, diz, poderá não ser eficaz porque se desconhece se as empresas têm possibilidade de suportar o encargo financeiro, dado que já estão fortemente condicionadas pelos problemas de tesouraria. Se for uma linha de crédito para tesouraria, ou seja, para sustentar a operação das empresas no dia-a-dia (salários, compras correntes, etc.), talvez seja útil." útil só para ajudar a suster a respiração, mas por quanto tempo?)
Emprego - basta ver o Público de ontem ("Em geral, as três medidas que se seguem foram apoiadas pelos economistas que o PÚBLICO ouviu ontem, mas com efeitos diferenciados. Chamam a atenção para o carácter recorrente deste tipo de medidas, nalguns casos sem o efeito pretendido.")
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Os consumidores foram longe demais, as empresas foram longe de mais e hoje estão sobredimensionadas para uma procura sustentada.
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O choque económico não tem apenas um efeito pontual, as suas repercussões vão-se prolongar por muito tempo, a migração de valor vai obrigar a re-orientar recursos. E o fim, ou antes, a reformulação da globalização vão criar novas oportunidades de negócio.
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Quem é que sabe que sectores, que apostas serão privilegiadas? Os governos?
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Quem é que sabe que sectores terão de sofrer mais reduções de capacidade? Os governos?
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Eu, que não tenho a informação que têm os governos, e que não tenho medo de eleições que não disputo, proporia uma receita diferente.
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Apoio mínimo às empresas de qualquer sector, os consumidores que decidam quem tem direito a sobreviver como empresa.
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Em contrapartida, apoio máximo às pessoas e sobretudo aos desempregados.
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A opção de não apoiar empresas (e desconfio que as medidas do governo só vão proteger as construtoras, por isso até a opção de apoiar as empresas) gera muitas falências e muito desemprego rapidamente.
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Com o reforço do apoio aos desempregados e eventual apoio ao pagamento ou moratória de algumas dívidas (hipotecas por exemplo) as pessoas verse-iam rapidamente na pior situação (desemprego) mas apoiadas. A partir daí não poderiam piorar a sua situação.
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Assim, estabelecer-e-ia rapidamente uma nova 'baseline' para a confiança no futuro. Quem já está na pior situação só tem duas hipóteses, ou mantém ou melhora.
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Algures no tempo haveria condições para uma melhoria ainda que pequena. Porque pior não poderia ficar e alguma poupança poderia abrir a hipótese de aumentar o consumo.
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Assim, com o apoio às empresas apenas se ajuda a suster a respiração debaixo de água, mas todos os actores do sistema sabem que mais tarde ou mais cedo é preciso vir à tona respirar e aí as coisas podem piorar. Como podem piorar ... é melhor ficar na retranca e poupar e não consumir.
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Adenda das 17:55 - Estas são as minhas ideias, em total oposição às do último Nobel Krugman: aqui... ou talvez não. IMHO estas medidas que os endividados governos europeus andam a tomar só fariam sentido serem tomadas por um país... a Alemanha.

12 comentários:

ematejoca disse...

Li o seu artigo por alto, meu caro ccz. Vou tentar traduzi-lo para a minha amiga W., que pergunta sempre por si (ontem estivemos num concerto com lotacao esgotada, e onde se nao notava ainda a crise).

É pena nao ter hiperligacao. Era mais fácil de o levar.

O ccz. diz que precisamos de poupar. Os nossos políticos pedem-nos para gastar, pois se nao se compra nao há producao, se nao há producao nao há trabalho.
Aqui dizem, que se comercarmos a poupar com medo da crise ainda a agravamos mais.

Que fazer? Quem tem razao?
Eu cá vou fazer como todos os anos.
O meu Natal na Alemanha em comparacao ao Natal em Portugal com os meus pais é bastante pobre.

Diga, por favor, ao Aranha se um dia nos encontrarmos nao é para comer francesinhas, mas sim um bom bacalhau!

Saudacoes amigáveis da Teresa.

Jose Silva disse...

CARLOS,

Se colocasse cada imagem num slide e adicionasse os textos como balões, talvez ficasse ainda mais didatico. Conhece o sliderocket.com ?

Com uma ferramenta tipo camtasia faria um video de sucesso no youtube.

Eu já pensei fazer isto em alguns dos meus raciocínios, mas, a falta de tempo e jeito não me permitiram até agora.

CCz disse...

Já tentei usar o camtasia mais foi um flop completo.
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Quanto ao sliderocket vou ver, não conheço.

CCz disse...

Teresa, depois vou lá ao azul.

CCz disse...

Teresa, depois vou lá ao azul.

lookingforjohn disse...

Cara Teresa: claro, bacalhau, magnífico! (nota: só por curiosidade, para completar a equipa, o nosso amigo Duck está por estas alturas no frio sueco).

Sobre o post:
Eng... o problema deste pragmatismo é que assusta, pode ser envenenado pelos impulsos e ser confundido com pessimismo.
Eu hoje em dia sinto-me esmagado! Cansado do tema Crise...
Para mim, a crise é antes de tudo moral, e só depois de competências.
Anyway...
"Apoio mínimo às empresas de qualquer sector, os consumidores que decidam quem tem direito a sobreviver como empresa." - queria não estar de acordo, porque é, de facto, o fim traçado para muitas elas (não é que ao apoiá-las não estejamos apenas a adiar, mas... sem apoiar, é como que uma sentença de morte, como que uma fría, estridente, e irreversível guilhotinada). Mas sim, não só seria o passo imediato para a limpeza e recomeço, como em alguns casos traria o justo castigo para muitos dos moralmente falidos e dos incompetentes.

"Em contrapartida, apoio máximo às pessoas e sobretudo aos desempregados." - indiscutível. E sem falsos recalcamentos por se poder estar a atribuir "generosos apoios" viciantes.

Extra: as entidades beneficiárias dos incentivos do QREN andam a bombardear as empresas com os seus pacotes 100% gratuitos (formação, inovação, revolução, magia, alquimia, tudo a custo zero!). Hoje mesmo, na "você conhece", chegaram só duma dessas entidades 4 "campanhas" - sendo que duas delas para pacotes "mutuamente exclusivos". Sinto-me um doidinho (olhado como tal por aqueles que me contratam para, entre outras coisas, aconselhar) quando dou a minha opinião de partida face a estas propostas de salvação eterna (gratuita, convém repetir): "Não!!! Definitivamente Não!!! Não perca tempo..."

by Aranha

CCz disse...

Quando jantamos aranha?
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O Duck tem de trazer salmão fumado e arenques lá da distante Suécia.

CCz disse...

Teresa,
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Go here:
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http://angrybear.blogspot.com/2008/12/tom-toles-is-priceless-national.html

CCz disse...

Nunca vai ser suficiente (ao estilo da AIG):
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"Plano anti-crise não chega"
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http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/edicion_impresa/economia/pt/desarrollo/1192474.html

ematejoca disse...

Tom Toles Cartoon: Angry Bear é excelente e mostra exactamente o que eu queria dizer!

O ccz. quando era crianca, de certeza, que leu muita coisa. Para tirar-lhe um pouco o stress da crise, quero escolhe-lo para um desafio - estou curiosa por saber o que leu em miúdo -.
Ainda nao postei no "ematejoca", mas talvez amanha ou depois. Vamos ver!

Um abraco ao Aranha!

ematejoca disse...

Esqueceu-me de perguntar, porque saudações "socialistas" ou "proletárias" para a minha amiga W.?
Ela de socialista ou proletária nao tem nada. Ela é muitíssimo conservadora, nada de Marx, luterana e pertence aqui à elite... e na cabeca dela só há economia e politica.

BOM DIA!

CCz disse...

"That is the risk facing Mr. Obama’s plan. By January, Congress will probably be asked to approve an outlay of more than $700 billion. Spent in one year on construction, research or equipment, it might well offset the contraction at first. But unless it also revived general confidence, the economy could collapse again, once the money was gone."
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http://www.nytimes.com/2008/12/21/weekinreview/21uchitelle.html?_r=3&emc=eta1