No The Times de hoje encontrei, "Coffee lovers buzzing over beans grown in Catalonia."
O artigo relata uma novidade surpreendente: a produção de café em Catalunha, algo até há pouco considerado impossível por se tratar de uma cultura tipicamente tropical. Juan Giraldez e Eva Prat, dois entusiastas de café, conseguiram criar uma plantação em Sant Vicenç de Torelló, a norte de Barcelona, onde as temperaturas vão de -3°C no inverno a 42°C no verão. Após quase dez anos de experiências, germinação difícil e "evolução forçada" das plantas, obtiveram a primeira colheita simbólica de 1,5 kg de grãos.
O projeto demonstra que a Europa, tradicionalmente consumidora, pode também vir a ser produtora de café. Apesar de os volumes ainda serem muito reduzidos, a ambição é chegar a dezenas de toneladas anuais. Para além da produção agrícola, há um simbolismo maior: mostrar que a adaptação às mudanças climáticas e às pressões económicas globais pode abrir espaço a novas culturas em territórios antes impensáveis. O artigo sublinha ainda o carácter quase artesanal da produção, a ligação da família ao projecto e a importância de diversificar numa altura em que os custos e os preços mundiais do café estão em alta.
No ano passado, na terra do meu pai, próximo de Condeixa (Coimbra), comeram-se mangas bem doces nascidas na terra.
Voltando ao café. O simbolismo é enorme. Numa altura em que os preços do café no mercado mundial estão em alta, em que a dependência de importações é uma fragilidade, dois empreendedores decidiram olhar para o que tinham — um clima desafiante, solos exigentes, conhecimento agrícola — e perguntaram: e se tentássemos?
Este exemplo catalão liga-se de forma directa ao que já escrevi aqui: “E se começássemos a experimentar responsavelmente?”.
No Douro continuamos presos à monocultura da vinha, repetidamente a pedir apoios sempre que o mercado aperta. Falta-nos a coragem de olhar para as nossas encostas e perguntar: será que apenas a vinha pode dar vida a este território?
Há culturas de nicho — como a estêva, a sempre-viva, a sálvia ou a calêndula — com enorme procura na perfumaria, cosmética e indústria farmacêutica. Estão adaptadas ao nosso clima e solos pobres. Mas permanecem ignoradas, enquanto se insiste em socializar as perdas de uma monocultura em crise.
O café catalão mostra-nos que não é preciso esperar por subsídios, nem seguir a cartilha única.
"The project has taken eight years, two of study and six of cultivation, and €700,000 in investment — all without public subsidies."
É preciso experimentar com disciplina, aceitar o risco, aprender com os erros, e persistir até abrir novos caminhos.
Se dois agricultores conseguiram fazer nascer café onde parecia impossível, não poderemos nós, no Douro, dar nova vida à estêva e a tantas outras culturas de alto valor?
Talvez o futuro passe menos por empobrecer alegremente — e mais por experimentar responsavelmente.
"People say we are mad, Giraldez said. "But we say, why not? Sometimes the edge is where the most beautiful things happen."


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