"Há quem invoque que a subida do SMN seria um bom contributo para o aumento do PIB, pois promoveria o consumo. No entanto, está por provar que o aumento dos rendimentos mais baixos (com a mais elevada propensão marginal ao consumo) se consubstancia em consumo de valor acrescentado nacional e não em bens importados. Ora, admitindo que os mais carenciados escolhem com base em preço e sabendo que a maioria do consumo marginal destes agregados se dirige à alimentação e bebidas, uma vez que somos deficitários neste sector da balança comercial, então o aumento do SMN poderia não ser assim tão relevante neste aspeto."Trecho retirado de "O salário ínfimo" de João Duque e publicado no Expresso Economia de ontem.
Imaginem um par de sapatos que sai da fábrica a 3€, quantos milhares de sapatos terão de ser produzidos, com que produtividade, para poder suportar os trabalhadores de uma empresa de calçado a operar em Portugal?
Imaginem um par de sapatos que sai da fábrica a 30€, quantos milhares de sapatos terão de ser produzidos, com que produtividade, para poder suportar os trabalhadores de uma empresa de calçado a operar em Portugal?
Em 2019 as empresas portuguesas de calçado e afins exportaram cerca de 1846 milhões de euros a um preço médio de 26 USD o par. Em 2019 Portugal importou 863 milhões de euros em calçado a um preço médio de 11 USD o par.
Em 2019 as empresas portuguesas de mobiliário e afins exportaram cerca de 2004 milhões de euros. Em 2019 Portugal importou 1217 milhões de euros em mobiliário.
As empresas portuguesas nos sectores exportadores são PMEs, para pagar salários a portugueses têm de trabalhar para o segmento médio-alto. Uma empresa exportadora que trabalhe para o segmento mais baixo não consegue massa crítica para pagar os salários. Já aqui escrevi, sobretudo depois de tiradas de Paulo Portas e de João Duque, que é irrealista e simplório pensar que se podem substitir importações havendo know-how e capacidade produtiva em Portugal. Nós exportamos produtos "caros", e importamos produtos baratos para serem consumidos pelos trabalhadores que fabricam os produtos "caros", mas não têm poder de compra ou interesse em gastar uma certa quantidade do seu orçamento em produtos "caros". Desviar capacidade produtiva para produzir artigos baratos, para que não sejam importados... é estupidez que tem larga aceitação entre políticos e académicos. Gente sem skin in the game.
Ainda há tempos escrevi sobre a estupidez das conservas: "Como se pode ser tão burro e cometer sempre os mesmos erros???" ao qual acrescento: "Não é ciência de foguetões, mas eu sou um anónimo de província".
Portugal é isto, é este pensamento, é esta ligeireza, de gente que "ideia", mas não pensa. De gente que emite opinião, mas "“Nós não estudamos até ao fim todas as consequências das medidas que sugerimos” (III)". Portugal é este paraíso de jogadores de bilhar amador de crentes na economia como ciência newtoniana. Portugal é esta falta de escrutínio, é esta falta de consequências para quem emite opinião e falha redondamente. Portugal é este paraíso para os Joãos Cravinhos deste mundo, onde prometem um resultado, ocorre o oposto e ninguém os compele a retratarem-se: No passa nada!
Talvez por isso, tenhamos a carga fiscal que temos e se façam capas de jornal com a deplorável qualidade das estradas ou com os inúmeros calotes do estado/governo aos seus fornecedores.
Portugal é esta ligeireza inconsequente para os emissores de opinião, um país pouco recomendável.
1 comentário:
Salvo melhor opinião, não, não está por provar, está mesmo provado que é o contrário, keynes dixit. Numa pequena economia aberta como a nossa, por intermédio da propensão marginal para importar, o aumento do consumo resultante da propensão marginal para consumir vai realizar o efeito multiplicador fora das nossas fronteiras, nas economias onde vamos adquirir os produtos que virão a ser consumidos. É por isso que as importações diminuem a intensidade do multiplicador e que este desequilibro leva a um agravamento na balança de pagamentos.
"The marginal propensity to import (MPM) also affects the multiplier process and the magnitude of the expenditures and tax multipliers."
extraido daqui: https://www.investopedia.com/terms/m/marginal-propensity-import-mpm.asp
De resto se lermos keynes, chegamos às mesmas conclusões.
:)
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