domingo, junho 28, 2020

Produtividade e tretas académicas

Ontem escrevi sobre "Como se aumenta a produtividade por hora de trabalho?"

Depois, durante o dia perguntaram-me se tinha algum conselho geral sobre como se aumenta a produtividade. 

Quem pretende aumentar a produtividade num país deve pensar em aumentar a produtividade nas empresas concretas que povoam cada sector de actividade. E quando se olha para um sector de actividade encontra-se uma grande variabilidade de produtividades, uma grande variabilidade de rentabilidades.

Recordo a frase:
Existe mais variabilidade dentro de um sector de actividade do que entre sectores de actividade.

Assim, para cada sector de actividade, sugiro estudar as diferenças entre empresas concretas no topo da produtividade e comparar com as empresas na média do sector.

Entretanto, ao final da tarde de ontem encontrei o suplemento do Jornal Económico, "Relançar a Economia", publicado a 26.06.2020. Aí, no artigo "A reindustrialização nas mãos da economia portuguesa" sublinhei com desânimo alguns trechos proferidos por João Duque:
"João Duque defende que Portugal tem de “procurar setores de elevado valor acrescentado e com valor de marca. E, para isso, é fundamental o associativismo de setor e o estímulo a esse associativismo. Ganhar escala para sermos visíveis, como tão bem fizeram os industriais do calçado, por exemplo." [Moi ici: OMG! Aposto que João Duque nunca estudou o sector do calçado. Recordo a evolução do tamanho das empresas no sector em "Não vai ser nenhum 'lay-off' que as vai preparar para essa transição". Recomendaria a João Duque a leitura da série "Quantas empresas"]
Um outro trecho escandaloso, porque revela a falta de noção, a falta de estudo, a falta de percepção do que é a realidade concreta e não treta de macroeconomia:
"“Para começar, acho que podemos ir à lista de importações e começar a fazer o que importamos. Se conseguimos passar a fazer ventiladores, porque não outras coisas?”"
 Leram isto? Agora, deixem mergulhar bem fundo na vossa consciência o significado de um comentador económico e professor universitário proferir esta afirmação.

Portugal importa calçado? Sim
Portugal exporta calçado? Sim
Faz sentido Portugal produzir internamente o calçado que importa? Nope! quem pagaria os salários desses operários? 

"preço médio de um par de sapatos exportado de Portugal: 26.08 USD
preço médio de um par de sapatos importado para Portugal: 10.76 USD"
"Acaso a indústria portuguesa de mobiliário pode competir, num mercado aberto, com os preços do mobiliário asiático?
 E, no entanto:
"A taxa de cobertura das exportações pelas importações do período em referência é de 235%.""
 Nós produzimos para exportação a preços mais altos e importamos o barato para consumo interno. O futuro da economia portuguesa não é a reduzir importações, mas a exportar mais ainda. Sublinho:
"The Dutch (56%) are more then twice reliant on exports than Greece (21%), Turkey (20%), Portugal (26%) and Italy (24%)"
Assim se percebe a quantidade de treta académica do comentariado que enche o espaço no panorama mediático nacional. 

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