sábado, abril 28, 2012

198 trabalhadores

Julgo que foi em 1997 que conheci a Eical, uma empresa têxtil nas margens do Cávado, no âmbito dum trabalho relacionado com a implementação de um sistema de garantia da qualidade segundo a então ISO 9002.
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Ontem à noite voltei a recordar esse nome, essa empresa e algumas pessoas (recém-licenciados) com quem trabalhei nessa altura, por causa deste artigo "Trabalhadores da Eical pedem rescisão após quatro meses sem salários".
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A frase inicial do artigo, a mim, especulador-mor, conta-me a história toda:
"Os 198 trabalhadores da empresa têxtil Eical, de Barcelos, decidiram avançar para a rescisão dos contratos, por "não terem qualquer sinal" da administração sobre o pagamento dos quatro meses de salários em atraso, informou esta sexta-feira fonte sindical."
O ponto-chave é aquele: "Os 198 trabalhadores da empresa têxtil Eical".
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198 trabalhadores!!!
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É claro que tenho de ter cuidado com as médias, as médias escondem muita coisa, as médias são uma informação insuficiente. Contudo, a média tem algum valor informativo. Qual é a dimensão média das empresas têxteis portuguesas nos tempos que correm? A informação que consegui recolher foi esta:
E, recordando alguns postais escritos ao longo dos anos, por exemplo este "Exemplo da diversidade intra-sectorial" e, recordando que não me canso de defender que o nosso sucesso no têxtil:
está a passar pela rapidez, pela flexibilidade, pelas pequenas séries, pelas pequenas quantidades... e acabo a recordar os dinossauros azuis deste postal:
Quando se tem uma estrutura competitiva preparada para tirar partido das bolas azuis e se compete num mercado onde a estrutura competitiva que está a dar é a das bolas pretas, acaba-se a ser nem carne, nem peixe, situação representada pelas bolas vermelhas... o mesmo erro da Mirandela.
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198 trabalhadores parece-me muito trabalhador...
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Quando esta semana ouvia na rádio um empresário, que lidera uma associação católica de empresários, quase a declarar como 11º mandamento um "Não despedirás!"... quando a economia muda e não se tomam as decisões estratégicas que têm de ser tomadas... acaba-se por prejudicar todos os elementos da empresa, porque em vez de alguns despedidos são todos que ficam sem trabalho.
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BTW, no meu primeiro dia de trabalho na Têxtil Manuel Gonçalves (TMG), em Fevereiro de 1988, o senhor que me explicava o controlo da qualidade do algodão a certa altura, com orgulho diz, e 24 anos depois ainda não me esqueci do gosto, do sentimento com que o disse:
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- Nós, na TMG, só no controlo da qualidade somos 300!

2 comentários:

Ricardo Proença disse...

Encontrei recentemente o seu blog por acompanhado e tenho-o acompanhado.


Gosto da sua forma directa de escrever e de como relaciona as grandes transformações estruturais com as implicações para actividade diária das empresas - tudo características de um bom gestor e de um bom comunicador.

Quando estava a ler este seu artigo tinha acabado de rever a apresentação do Neil Gershenfeld, "pai" do conceito personal fabrication, no TED talks sobre fab labs (http://www.ted.com/talks/neil_gershenfeld_on_fab_labs.html). Lembrei-me imediatamente de uma frase que ele disse: "the killer app of personal fabrication is products for markets of 1 person".

Se o futuro for este, e eu tenho a certeza que será, é impossível que isso não se reflicta na estrutura laboral da empresa, mesmo que se sirvam, ao mesmo tempo, vários mercados de 1 pessoa.

E teria sido importante que a sociedade e os sucessivos governos tivessem percebido isto. Até porque como você vem mostrando no blog temos vários exemplos de sectores que se adaptaram - os têxteis, o vestuário, o calçado e os moldes - e que estão bem mais perto do que será o futuro do que a grande maioria dos sectores.

Isto acontece acho eu porque foram os primeiros sectores a internacionalizar-se e a sentir os efeitos da concorrência.

CCz disse...

Olá Ricardo, obrigado por ter comentado.
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Pois, esse "markets of 1 person" é aquilo a que chamo de Mongo, a metáfora de um mundo económico pleno de diversidade.
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No que se refere ao futuro da estrutura laboral das empresas; haverá sempre algumas empresas clássicas, cada vez em menor número, que continuarão a tirar partido da fórmula da escala, do volume, a grande maioria pode dar lugar a cooperativas de artesãos, pode dar lugar a "fazedores", pode dar lugar a "prosumers".
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A capacidade de planear do homem-massa, dizia Reich, mediava entre o que tinha acabado de almoçar e o que iria jantar. A capacidade de planear dos governos, medeia entre a eleição que acabaram de ganhar e a próxima eleição. Assim, esperar pensamento a longo prazo por parte de um governo é uma ilusão perigosa.
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Repare, nem os académicos falam desta revolução que aí vem, que está a entrar-nos todos os dias pela casa, pelo escritório, pela fábrica. Eles continuam com o seu mundo de Econs...
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Em Março de 2008 escrevi http://balancedscorecard.blogspot.com/2008/03/cuidado.html os que sempre estiveram sujeitos à concorrência internacional tiveram de se amanhar muito mais cedo, não podiam esperar por uma auto-pista ou um ajuste directo.
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Gostava de perceber este caso da Eical por dentro, como foi possível chegar a este extremo...
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Agora especulo para lá do razoável, às tantas o gerente com mais capital é uma pessoa da terra e que quis esconder até à última a irreversibilidade da situação... por razões muito humanas, como vai encarar os conhecidos no café, ou no jantar dos rotários?